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OS “DE DENTRO” E OS “DE FORA”

A pobreza nunca foi somente questão de classe. Gênero e raça sempre a envolveram. Em 13 de Maio, o Brasil, último país americano a abolir a escravidão, completa 134 anos da abolição inacabada. Conhecer os fato é diferente de conhecer a versão sobre os fatos, desfizeram as amarras materiais e nos venderam a ideia de que a abolição foi um processo rápido e bem-sucedido, um falso “felizes para sempre”.

Concordo com Helder Molina (professor universitário, mestre em Educação, doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana-UERJ), quando diz: “Livre do açoite da senzala, são feitos novos prisioneiros, agora da miséria e exclusão, nas favelas, prisões, filas de desempregos, nos trabalhos precários, na ausência de direitos humanos e sociais básicos, como saúde, moradia e educação”. Esta farsa conduz da senzala à favela; do pelourinho ao “enquadro”; e dos navios negreiros às periferias.

A ativista da causa negra Maria Tereza viralizou nas redes ao falar do dia: “Amanhã cês num me aparece com a cara dessa Princesa Isabel, não… Eles falam que é o Dia da Abolição da Escravatura, mas não é, nunca foi! A escravidão nunca saiu do corpo do povo negro. Na realidade, a Princesa Isabel assinou foi uma Carta de Despejo, porque eles tiraram nossos antepassados da Senzala e os jogou na rua. Cada um teve que se virar como pôde, ocuparam os morros, aglomerados…”

https://www.instagram.com/p/CddQNT9AOMG/

Na psiquê da sociedade, elas (as amarras) ainda existem. Lázaro Ramos no livro “Na Minha Pele” reflete sobre a seguinte questão: “Ter que resistir sem existir é simplesmente mais uma crueldade sem tamanho”. Frantz Fanon a mais de 60 anos declarou que o negro tem duas dimensões, se comporta e se comunica de forma diferente quando está em um ambiente somente com pessoas negras ou somente com pessoas brancas. A linguagem é adaptada para ser criada uma aproximação, para poder ocupar alguns cenários e lá ser respeitado. Nasce os “de dentro” e os “de fora”, o asfalto e a favela.

Reescrevemos e atualizamos a historiografia, em 3 dias de acalorados debates no World Trade Center (WTC), entre os dias 15 e 17 de Abril, a revolução organizada pela Favela Holding – Expo Favela, acontece. Cobertura da Rede Globo e do Jornal Empoderado, apoio do Sesi, Grupo Carrefour Brasil, Nubank, Gol, Ifood, Favela Vai Voando, Mondelez International, Ultragaz, Facily, Ambev, Vivo e Oliveira Foundation.

 

A Expo Favela  em essência, nos convidou a conhecer a favela para além da expressão “Kwesukesukela…”, que quer dizer “era uma vez, há muito tempo…”. Diversas são as favelas, a essência da favela, a forma de enxergar e interpretar a favela. Lançar olhares sobre a favela nos leva a fontes que contam a mesma história, as micro-Áfricas: um mundo construído com base na oposição social “nós”-“eles”. Uma realidade social com base nas diferenças e não nos pontos em comum. Um diálogo entre os dois grupos efetuado de maneira ilusória com a mesma língua.

Cerca de 33 mil visitantes participaram de mais de 36 horas de programação. Testemunho diálogos entre o asfalto e a favela e o ponto nevrálgico, a mudança de postura, a favela deixa de ser o lugar das pesquisas e torna-se objeto. Uma visão de como os “de dentro” entendem a noção de favela produzida pelos “de fora”, baseados na mistura de CEPs – segregação residencial atrelada a desigualdades raciais, confirmando a mobilidade social.

Para além da ótica de escassez, a ideia de “subdesenvolvimento”, à desorganização e à falta de hábitos civilizados (“bagunça”). É momento de substituí-la por outra que enxergue a favela como potencial e de vislumbrar a favela, para além de objeto de práticas assistencialistas, como território de potencialidades.

A Expo Favela tornou-se um evento transformador, traduzindo o grito: NÃO SOMOS INIMIGOS, não existe “nós” contra “eles”. Contradizendo o sistema que reproduz e rejeita, é coloca a favela como território inimigo, que deve ser eliminado. Para a maioria, inimigo do capital imobiliário porque desvaloriza a região; da polícia, porque em seus espaços irregulares e densos é difícil penetrar; dos médicos, porque ali, espaço sem saneamento, proliferam os parasitas que se reproduzem nos esgotos a céu aberto.

À medida que as pessoas circulam e lançam mão do celular para guardar memórias, cria-se o movimento de conectar-se para pertencer e dar ressonância à voz da favela para além de seu território. No livro, “O Avesso da Pele”, Jeferson Tenório, nos convida a romper a política do avestruz, saber quem somos – “NÓS” e quem são eles  – os “OUTROS”.

É fadada ao fracasso qualquer postura que intencione desconhecer o contexto de que a Expo Favela, subiu a régua. A favela tornou-se potência e vem contrapor a visão reducionista do morador da favela tão somente como consumidor e reconhecer o viés empreendedor que sempre o acompanha. Roupas recicladas, games, música, hortas caseiras, Loolaperifa e até plataformas de podcast. A favela necessita de políticas públicas, potência há de sobra. Esse é o desdobramento, a “revolução social silenciosa”.

Um momento muito propício para se observar a visão que o asfalto tem da favela se altera, entretanto persiste a segregação que a caracteriza e o discurso ultrapassado ao seu reconhecimento diante do incômodo que causa à urbanidade da cidade ao invés de uma postulação de seus moradores, uma verdade que supera os consensos limitados. A Expo Favela evoca uma indispensável reciclagem crítica no pensar, ganha credencias para jogar e indica significativas mudanças na regra do jogo. Parafraseando uma das falas do Celso Athayde: “construímos um marco importante, mas temos a responsabilidade de levar todo nosso ensinamento para os que não puderam chegar até aqui”.

Muito se ouviu falar sobre a inconformidade com o status quo. Status quo é uma expressão do Latim que significa “o estado das coisas”. Ela também pode ser escrita sem o “s” (statu quo), mudando apenas o começo da frase: “no estado das coisas”. Hoje a expressão é usada para se referir ao estado atual das coisas. Geralmente é usada em frases como “mudar o status quo”, “defender o status quo” ou “desafiar o status quo”.

Mudamos o status quo do favelado de coadjuvante para protagonista e a visão das favelas como comunidades carentes para espaços potentes, E, como bem advertiu, o então presidente do Instituto de Pesquisa Data Popular, Renato Meirelles, toda vez que o dinheiro da favela circula dentro da favela, você gera um círculo virtuoso na economia da comunidade‖. Para se ter uma ideia, em números atuais, 13 (treze) milhões de brasileiros movimentam, dentro das favelas, R$ 78,3 bilhões.

Nesse contexto, a favela é um território entendido como um ecossistema de empreendedorismo nato, o ―vender lenço para quem está chorando. Seja pelo volume de clientes ou pela precariedade de serviços prestados, os diversos empreendedores desejam políticas públicas efetivas que resultem em fornecimento de assistência técnica, materiais e créditos, de forma gradual e proporcional à construção; que reconheçam a eficácia de programas de alta participação, inclusive controlados por moradores. Contribuições públicas de impacto.

Celso Athayde chama o público a cantar e diz: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci” e a plateia responde: “E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”.

E é só o começo, estamos saindo do “campo do não ser”, queremos ser os “de dentro”.

 

 

NOTA

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