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ENSINO DE ARTE DECOLONIAL EM UMA PERSPECTIVA DA ARTE INDÍGENA: ONDE ESTÃO OS ARTISTAS INDÍGENAS NO CONTEXTO ESCOLAR

Por Budga Deroby Nhambiquara e Sarah de Castro Ribeiro Nhambiquara

RESUMO

Este artigo propõe uma reflexão a respeito de uma educação decolonial e como é abordada a arte indígena em sala de aula e sua relação com as artes visuais no Brasil. A proposta é compreender os impactos que a falta de abrangência da arte e artistas indígenas causou na arte/educação ao que tange as questões raciais, e como sua contribuição para a consolidação de uma teoria decolonial na arte/educação brasileira. Apesar de hoje termos artistas indígenas despontando em diversas áreas no sistema artístico brasileiro, a representatividade, inclusive em seus espaços de decisão, não existe, não de uma forma significativa, o que deixa em evidência a necessidade de reparação frente ao apagamento das memórias e experiências pela história da arte colonialista e impositiva.

Questionar e transformar o padrão cultural que nos foi imposto pelos países que invadiram e colonizaram o Brasil, tem sido uma das principais lutas de muitos artistas pertencentes a movimentos que integram as lutas raciais e vários outros grupos que, embora sejam numericamente superiores, são minorias em direitos. 

Para iniciarmos, é importante salientar que, por um dos autores ser indígena da etnia Nhambiquara e membro da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e da APIN-SUDESTE (Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste), toda vez que mencionar os povos indígenas estará falando na primeira pessoa do plural ressaltando seu pertencimento ao grupo mencionado.

O campo das artes, em toda história, interage como um “instrumento” de resistência que melhor atinge aos mais variados povos e por isso é de suma importância para a mudança na estrutura da educação. Tem sido assim desde antes da Semana da Arte de 1922, um marco para o início de um dos movimentos que buscava a essência de uma arte “genuinamente brasileira”. De Tarsila do Amaral à Oswald de Andrade com suas obras e o manifesto “Tupy or not tupy”, com obras e textos que se tornaram consagrados e passaram a fazer parte dos “conteúdos” a serem abordados nas salas de aula por todo o território brasileiro.

Mas, o que chama a atenção, embora não tenhamos nenhuma intenção de desmerecer e nem revogar a importância destes artistas e movimentos que fizeram parte da criação e transformação artística cultural do Brasil, rompendo paradigmas impostos por uma estrutura governamental e social machista, racista e elitista, é que em nenhum momento, até recentemente, houve quem se importasse, verdadeiramente, em trazer para a academia artistas indígenas e seus fazeres artísticos, a não ser vinculando-os ou nomeando-os respetivamente como “Artesão e Artesanato”. 

Aquilo que sabem é frequentemente colocado no campo da “tradição” e da “crença”. Esse debate, que perpassa também a discussão sobre a diversidade epistemológica, não seria possível sem pensarmos no negligenciamento desses conhecimentos nos currículos acadêmicos… (JESUS, G. S/Taquary Pataxó, 2018. P.39).

Assim como o professor e pesquisador da temática “racismo contra povos indígenas dentro do campo da educação e do direito” Genilson Taquary, liderança indígena do povo Pataxó, aponta a necessidade da abertura da academia para outras epistemologias, corroborando com conceitos ligados a pluriculturalidade, como bem pontuado por Geni Nuñez (2021, pg.03), enquanto passos importantes para a construção e a efetividade de conceitos de decolonialidade e racialidade na arte e educação e como ao longo de séculos os povos originários foram mantidos excluídos do cenário da formação sociocultural brasileira consciente e intencional. 

No que concerne a racialidade, a intenção é racializar as discussões presentes no âmbito da arte-educação, visto que as produções estéticas podem adquirir novos modos de entendimento a partir da etnia do artista. Ter o entendimento que ao fruir arte todos buscamos referencias prévias daquilo que conhecemos para traçar julgamentos e/ou relações, sejam elas emocionais ou conceituais, portanto, como o colonialismo construiu o imaginário sobre o indígenas e como a branquitude o mantém, ao longo de séculos, importa para o desenvolvimento e as reflexões aqui levantadas.

[…] Ao dizer que indígenas e negros são perigosos, a branquitude oculta sua própria violência colonial; ao dizer que indígenas e negros são hipersexualizados, obliqua seu longo histórico de estupros como tática de guerra; ao afirmar que indígenas são invasores, invisibiliza sua própria ação de roubo e invasão e assim por diante. (NUÑEZ, Geni. 2021. Pg.68)

Deste modo é preciso refletir sobre a representação das artes visuais dos povos indígenas, bem como indagar a importância do indígena na história e o quão significativo para as identidades brasileiras são os artistas indígenas “dividirem” espaço com artistas que compõe a massa artística intelectual do Brasil. 

A decolonialidade aqui posta é entendida como um conceito ainda em construção e com variedades de usos, deste modo partimos a princípio da etmologia da palavra que sugere a proveniência de tudo que possui origem colonialista. Entendendo que além de ser anticolonial, uma arte-educação que se preze ao decolonialismo sugere a revisão do imaginário coletivo brasileiro de todas as violências coloniais que estruturaram e estruturam os modos de pensar e viver.

Catherine Walsh traça uma importante reflexão ao lembrar da necessidade da ação no processo de decolonização do sujeito, ao revisitar autores como Fanon e Freire. A partir dos paralelos traçados entre todos esses importantes autores é que o questionamento da ausência, ou mínima presença, de artistas indígenas na educação é pensada.

Al avanzar una “actitud decolonizadora” y un “humanismo decolonizador” (Maldonado, 2009: 305), Fanon hace de la sociogenia una suerte de pedagogía decolonial orientada hacia el nombramiento, visibilización y comprensión del problema —como realidad— estructural y psicoexistencial racial/colonial y hacia el accionar transformativo de este problema-realidad. Aquí el enlace entre lo pedagógico y lo decolonial, sustentado en el accional, queda evidenciado. (WALSH. Catherine, 2013,pg.45)

Neste sentido o conceito de decolonialidade pode ser visto também como um processo de desconstrução e construção de sujeitos, abertos ao reflorestamento de mentes contra as monoculturas (NUÑEZ,2021), que precisa ser constante para dar conta de agir no âmago da estrutura racial deste país.

Y es en este movimiento de auto-criticidad, al repensarse y al repensar el mundo, que Freire demuestra la praxis crítica, no como algo fijo, identificable y estable, sino como una práctica y proceso continuos de reflexión, acción, reflexión, lo que McLaren y Jaramillo (2008: 193) denominan como una “pedagogía perpetua”. (WALSH. Catherine, 2013, pg.40)

Afirmar o papel fundamental da arte, como agente de transformação, quando são colocados no cenário formativo e académico narrativas originárias fora do imaginário eurocêntrico, possibilitam uma decolonialidade que se abre ao diálogo intercultural e crítico com a retomada da busca pela arte “genuína” brasileira que antecede a arte moderna no Brasil. 

É importante pontuar a forma como ocorreu a construção da imagem dos povos indígenas na formação do imaginário brasileiro, sendo sempre colocado como “silvícola”, ou o “ser” (que por muitos escritores e historiadores nem mesmo como humanos eram citados) que anda pelado com o cabelo cortado em formato de cuia e que vive em uma sociedade primitiva exclusivamente em florestas.

Devemos enfatizar que esse discurso foi mantido não somente pelos meios de comunicação, mas também pela educação e pelos materiais que chagam as salas de aula, pois ele criou o imaginário dos educandos em todo o país. Para Kércia Priscilla Figueiredo Peixoto, Dra. em Ciências Sociais/ Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), essa imagem que foi difundida por uma elite branca tem um propósito, e um dos instrumentos utilizados para esse propósito é exatamente a educação.

Esse modo de pensar difundido e compartilhado pela maioria das pessoas é imposto pela ideologia de uma minoria detentora do poder. No caso da construção do nacionalismo brasileiro, é o ideal da elite que se impõe através de instrumentos de controle como a midia e a educação. Esse ideal da elite, apoiado pela antropologia de uma época, serviu para consolidar o entendimento sobre povos indígenas, categorizados por distintos elementos culturais postos em realce. E serviu para reduzi-los a uma análise exclusivamente étnica, vinculando-os tão somente à questão da etnicidade. (PEIXOTO, 2017. p.40).

A luta dos povos indígenas, para a midia convencional, tem se atido apenas a “Disputa” por território, talvez porque a palavra “Território” é uma das mais usadas pelo movimento indígena, e embora seja vinculado a informação desta terminologia a “terras”, a simbologia que “território’’ traz para os povos indígenas é de um significado muito maior que a de um “espaço físico” ou “geográfico”. 

Há muito lutamos para que nosso território seja reconhecido, e esse território tem muitas camadas de sentidos, entre eles o reconhecimento na política, nas gestões empresariais, governamental, assim como qualquer corpo político que exista no Brasil. Para além dos territórios geográficos buscamos a “demarcação” do território acadêmico. 

Entrar neste último território nos faz assumir o compromisso de auxiliar a construção de uma academia decolonial, lutando para validar a importância dos conhecimentos dos povos indígenas, não apenas como objeto de estudo, mas como parte integrante da própria academia enquanto pesquisadores do próprio território. Sobre isso, Paulo Freire destaca que “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (FREIRE, 1996, p. 29), e a maior responsabilidade das instituições neste sistema não é a de apenas reconhecer os conhecimentos indígenas, mas também reconhecer os indígenas como parte da própria instituição enquanto “aquele que pesquisa”.

Dito isso recomendamos a cada leitor puxar em suas memórias o que lhes foi apresentado sobre os indígenas em sala de aula e quantos indígenas apresentados enquanto protagonistas nos livros didáticos. Entre os nomes de protagonistas nas lutas históricas, (mesmo as que tinham os indígenas como centro da temática) há diversos artistas que fizeram parte destas lutas, porém temos a certeza de que não há até o início do século XXI nomes indígenas em destaque nos materiais didáticos, e no que se refere ao ensino de arte não foi diferente. Principalmente porque somente a partir de 2012 a obrigatoriedade da inclusão das temáticas previstas na lei 11645/08 entraram no edital do MEC (Ministério da Educação e Cultura) de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas para o PNLD  (Programa Nacional do Livro Didático), ou seja, somente aí passou a ser obrigatória a inclusão das temáticas indígenas nos livros didáticos nas disciplinas previstas na lei 11645/08.

Mesmo hoje, em que alguns artistas indígenas têm despontado, participando de apresentações televisivas a exposições na 3ª maior exposição de arte contemporânea do mundo (34ª bienal de arte de SP), poucos municípios no território brasileiro tem feito menção de nomes de artistas como Daiara Tucano, Auá Mendes, Arissana Pataxó ou mesmo Jaider Esbell, entre vários outros nomes indígenas que atuam no campo das artes, em seu material didático. 

Paulo Freire nos convoca a refletir sobre o apagamento que os “Invasores” destinaram aos povos indígenas, mas chama atenção a não mais fazermos parte deste “legado” uma vez que nos orienta a não “Compactuar com os escândalos que nos ferem…”.

(…) Pense apenas no colonialismo, nos massacres dos povos invadidos, subjugados, colonizados; nas guerras deste século (XX), na discriminação racial, vergonhosa e aviltante, na rapinagem por ele perpetrada. Não, não temos o privilégio da desonestidade, mas já não podemos compactuar com os escândalos que nos ferem no mais profundo de nós. (FREIRE, 1992, p. 12).

Em 2008 foi homologado a Lei 11645, lei que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, porém a própria BNCC (Base Nacional Comum Curricular) não traz essa proposta de forma objetiva, e somando isso aos materiais didáticos que chegam as escolas, onde poucos são os que não trazem o indígena estereotipado e poucos mostram artistas indígenas como referencia artística, chegamos compreender a necessidade de uma revisão sobre como inserir o artista indígena na educação decolonial.

Os materiais didáticos que chegam nas escolas estão em maioria privilegiando uma arte eurocêntrica, produzida por “brancos” e com poucas citações de artistas negros, quanto aos indígenas trazem um “arremedo do arremedo” do que pode ser ou de fato é o indígena pelo olhar do indígena brasileiro. É como se o que o outro traz fosse “melhor”, dotado de uma leitura eloquente, havendo uma desvalorização grande dos povos originários enquanto agentes de transformação artística e produtores de conhecimento. 

Elisangela Mathias, doutoranda em artes visuais pela Udesc, elaborou uma pesquisa em que analisa como os povos originários são tratados no material didático do aluno do Governo do Estado de São Paulo, mais especificamente no 8º ano e chega á algumas conclusões:

Percebemos que todos os conteúdos trabalhados nesta temática estão fragmentados e são superficiais em relação à aprendizagem, o que gera a desconfiança de haver um descaso do setor educacional estadual quanto à aprendizagem dos alunos, quando o assunto são os povos originários. (MATHIAS, Elisângela. Pg.97)

[…]

Por que estas produções indígenas contemporâneas, na maioria das vezes, não chegam aos professores não-indígenas? Responder a estes questionamentos nos evidencia que a invisibilização histórica do indígena ainda se mantém na atualidade e está presente no Currículo Paulista de Arte. As artes visuais indígenas, apesar de serem contempladas no currículo, são tratadas através de perspectivas de distanciamento que reforçam a cultura indígena como algo que não tem a ver conosco, algo estranho, exótico, além de narrativas dominadas por estereótipos e pelo silenciamento dos acontecimentos históricos, sociais, econômicos e culturais desses povos. (MATHIAS, 2022, p.99)

Com a colonização, as dominações políticas, sociais e culturais foram estabelecidas pelos colonos sobre os países e povos invadidos. Essas construções, foram impostas como categorias científicas e relevância histórica. Como já mencionado acima, não foram só os territórios geográficos, portanto, que foram colonizados, mas a relação de cultura para cultura foi tomada para se tornar uma só”, e essa “uma” foi baseada no que vinha da Europa, uma relação que contruiu a colonização do imaginário dos povos e sobre os povos que aqui já estavam agindo externa e internamente na transformação da cultura do “outro”, criando um apagamento do individuo enquanto sociedade.

A professora Dra. Vânia Maria Losada Moreira da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), do Programa de Pós-Graduação em História atribui à invisibilidade dos povos indígenas a um processo de dupla exclusão, tanto historiográfica quanto social dos grupos minoritários diante da sociedade nacional. 

(…)pois se o índio é pouco visível nas obras de caráter historiográfico, especialmente naquelas que tratam do período pós-colonial, é porque, em grande medida, teve também pouca visibilidade no ambiente social que gerou aquelas obras. Formou-se um círculo vicioso: a subalternidade social gera uma espécie de ‘invisibilidade’ social. (MOREIRA, 2001, p. 88.)

A falta de referências indígenas no contexto escolar, principalmente na arte/educação, afasta os educandos da possibilidade de olhar o indígena como um ser humano igual a ele, inclusive afasta a possibilidade de o educando se ver como indígena. E como usar Paulo Freire como referência curricular enquanto ignora suas principais lutas, a luta do povo para o povo, já que em diversos momentos ele afirma que temos enquanto educadores o dever de possibilitar aos educandos uma educação com criticidade, onde eles possam ser os protagonistas de suas próprias histórias.

Este é um esforço que cabe realizar, não apenas na metodologia da investigação temática que advogamos, mas, também, na educação problematizadora que defendemos. O esforço de propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica lhes possibilite reconhecer a interação de suas partes. (FREIRE, 1987, p. 133).

Contudo é importante ponderar que embora a história seja mais que caminhos lineares o tempo não para e não volta, logo não poderemos “desfazer” o que já foi feito, mas podemos refletir no que poderia ter acontecido, criando as comparações, ponderando cada escolha do passado para seguir enfrente na construção de uma nova estrutura. Neste caso poderíamos questionar “E SÊ?”. A exemplo, E se os educandos tivessem tido uma abordagem de releitura de Abapuru de Tarsila do Amaral junto das Ilustrações de Auá Mendes?

Figura 1. Abapuru de Tarsila do Amaral, Óleo sobre tela, 85,3 x 73 cm, 1928 – Fonte da imagem:  https://coleccion.malba.org.ar/abaporu/

Figura 2. Olho em frente, me sinto gigante de Auá Mendes Pintura digital-2023 -Fonte da imagem www.acritica.com/entretenimento/artista 

E se, ao fazer uma leitura sobre Davi de Michelangelo também fosse apresentado a obra Espelho da Vida de Daiara Tukano?

Figura 3. David de Michelangelo, Escultura em Mármore, 517× 199 cm, 1501 – 1504-Fonte da imagem https://www.museusdeflorenca.com/galeria-da-academia

Figura 4. Espelho da Vida de Daiara Tucano- Escultura em técnica mista 2020 Fonte da imagem http://34.bienal.org.br/artistas/8862

 E se uma reflexão histórica de Guernica de Picasso tivesse uma base comparativa com Na Terra Sem Males de Jaider Esbell? 

Figura 5. Guernica Pablo Picasso, Óleo sobre Tela 350 × 776cm, 1937- Fonte da imagem https://www.museoreinasofia.es/en/collection/artwork/guernica

Figura 6. Na Terra Sem Males de Jaider Esbell, Oléo sobre Tela 100 x 80 cm 2021- Fonte da imagem https://www.premiopipa.com/2021

E se dialogássemos sobre The Treachery of Images conhecida também como Ceci n’est pas une Pipe de René Magritte junto com ’O que é índio para você’ de Arissana Pataxó. 

Figura 7. The Treachery of Images, Rene Magritte Óleo sobre Tela 63,5 × 93,98 cm 1929- Fonte da Imagem https://www.renemagritte.org/

Figura 8. “Mikay”, Escultura de cerâmica, Arissana Pataxó 60 cm 2009– Fonte da Imagem http://arissanapataxo.blogspot.com/search/label/Ceramica

“E se…”, seriam muitos “E se” dentro deste contexto, e isso porque só estamos abordando artistas indígenas, já que se abordássemos artistas das comunidades quilombolas e movimentos afro, esse artigo ficaria no “E se” eterno. 

Mas como já dito, não podemos voltar o tempo, mas podemos ponderar e mudar o presente em uma reparação para com os povos indígenas. Então dai surge outra questão: Se não estavam artistas indígenas nos livros didáticos e consecutivamente nas salas de aula, e agora existem poucos que “tem”, então como introduzir esses mesmos no campo educacional de maneira que seja feita a “reparação”?

Se os órgãos competentes, juntamente com a massa intelectual e acadêmica viessem investindo em materiais didáticos que contenham reflexões e leituras decoloniais, e bem sabemos o quanto os livros didáticos são utilizados cotidianamente por professores e alunos, possibilitaríamos aos educandos compreender a história do Brasil por uma perspectiva que contemplasse suas ancestralidades, suas origens indígenas e africanas como determina a lei, iriamos cultivar a pluralidade reflorestando pensamentos, contra as monoculturas violentamente impostas pelo colonialismo como bem colocado por Geni Núñez (2021), pesquisadora indígena da etnia Guarani, doutora em psicologia. 

Por este viés é necessário verificar o quanto esses materiais contemplam, não apenas o uso de imagens de obras criadas por indígenas, mas também como apresentam os artistas indígenas, ou seja, não apenas como “artesãos” ou figuras historicamente “folclóricas” criadas no passado, mas, especialmente, como agentes de transformação na história da arte contemporânea

Contudo, a luta pela inclusão crítica de artistas indígenas nos livros didáticos é apenas o início do caminho a percorrer, já que essa parte pode ser ignorada por muitos dos professores que estão dentro da sala de aula. 

Isso infelizmente é passível de ocorrer e sabemos ao tomarmos as nossas experiências enquanto educadores que já presenciamos como, mesmo depois das lutas de movimentos afro e da homologação da lei 10639/2003 e posterior a Lei 11645/2008 algumas escolas e professores insistirem em trabalhar datas como 13 de maio enquanto representatividade da liberdade e luta afro no Brasil, ao invés do 20 de novembro, data escolhida pelos movimentos afro para representar as lutas que travaram para libertarem da escravatura. 

Desde que foi homologada, a Lei 11645/2008 as formações continuadas para os educadores que fossem focadas de fato em uma decolonialidade repensando a cultura indígena, os indígenas e inclusive a arte indígena, foram insuficientes para provocar mudanças mais tangíveis contra o racismo, por exemplo, logo é preciso cobrar dos centros educacionais, de docentes do infantil ao ensino superior, mudanças.

Ainda que haja resistência, é notório que formações adequadas irão corroborar com a construção de uma educação antirracista uma vez que, quem forma, reforma e é reformulado. 

É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re‐forma ao formar e quem é formado forma‐se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p. 25).

É importante cobrar fomentos culturais dos órgãos governamentais, para trazer mais constantemente esses artistas à lugares de destaque, dentro de festivais e bienais, inclusive dentro de museus. Essa proposta visa dar mais visibilidade a artistas indígenas para ampliar as possibilidades de mudar estruturalmente o sistema para que haja uma educação decolonial. 

Muitos leitores podem questionar o fato de que, como já mencionado aqui, já existem indígenas participantes nestes espaços. E não queremos esconder e nem esquecer disso, o que estamos afirmando é que ainda é um número ínfimo se comparado a grande “Composição Artística” em praticamente todos os movimentos existentes atualmente, onde majoritariamente a branquitude segue celebrada recebendo convites e honrarias.   

Não por questão de título, mas sim por representatividade. Sabemos que quanto mais visibilidade uma causa ou grupo alcança maior o alcance destes na educação. E quanto mais representantes indígenas em espaços que até então pertenciam unicamente a pessoas não indígenas, maior será a abertura do caminho para uma educação decolonial. 

Por fim, apreciar artistas indígenas demanda, de forma real e concreta, colocá-los em lugares de destaque, e para quem questiona quais são estes lugares, são primeiramente onde artistas não indígenas chegam, pois somente a partir de uma cultura de valorização da arte e artistas, poderemos desenvolver um senso de educação que traga uma abordagem emancipadora e que conduza a uma práxis transformadora. 

Referencias 

CHAUÍ, Marilena. Manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro: escritos de Marilena Chauí Vol. 2. Belo Horizonte/São Paulo: Autêntica: Fundação Perseu Abramo, 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 

FREIRE, Paulo Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1992 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Editora UNESP, 2001. 

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 14ª ed. São Paulo: Editora Olho d’Água, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. São Paulo: Editora UNESP, 2004. 

MATHIAS, Elisângela de Freitas. A Invisibilidade da arte indígena contemporânea no Currículo Paulista de Arte. Revista Farol, [S. l.], v. 17, n. 25, 2022. DOI: 10.47456/rf.v1i25.36548. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/farol/article/view/36548. Acesso em: 17 ago. 2023.

NÚÑEZ, Geni. Monoculturas do pensamento e a importância do reflorestamento do imaginário. Revista ClimaCom, Diante dos Negacionismos | pesquisa – ensaios | ano 8, no.21, 2021. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/monoculturas-do-pensamento. Acesso em 30 de jun. 2023.

NÚÑEZ, Geni. Da cor da terra: etnocídio e resistência indígena. In:Tecnologia & Cultura. _ Edição especial em comemoração aos 10 anos do Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais (PPRER) do Cefet/RJ (2021) – Rio de Janeiro : Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, 2021.

JESUS, G. S/Taquary Pataxó- TAVARES, Joana Brandão- SANTANA, Maiara Damasceno da Silva. Da aldeia à universidade: A Presença indígena no ensino superior brasileiro-http://www.perspectivahistorica.com.br/revistas/1530364681.pdf- acesso em 18/06/2023

MOREIRA, Vânia M. L. Índios no Brasil: marginalização social e exclusão historiográfica. In: Diálogos Latinoamericanos. Dinamarca: Centro de Estudos Latinoamericanos / Universidade de Aarhus. nº 3/2001.

PEIXOTO, Kércia Priscilla Figueiredo.Racismo Contra Indígenas: reconhecer é combater. Revista ANTHROPOLÓGICAS. 2017.

WALSH, Catherine. Lo pedagógico y ló decolonial: entretejiendo caminos. In: ______. (org.) Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya Yala, 2013.

NOTA

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