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FORASTEIRA DE DENTRO: AFWB.

É nos meus momentos matinais ou madrugada a dentro, que dedico-me a leitura e debato comigo mesma o dilema que vem desde nossas antepassadas – precisamos ser duas vezes melhores. Para além do conceito “forasteira de dentro” e lugar de pertencimento do corpo negro. Corpo que  carrega o quilombo e a senzala, que está em movimento ou aprisionados, em cativeiro ou em liberdade. Racionais já cantava na introdução de A Vida é Desafio: ”como fazer duas vezes melhor/ se você tá pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses…/ Por tudo que aconteceu?”.

Deparo-me o conceito de outsider within, traduzido como forasteira de dentro da socióloga estadunidense Patrícia Hill Collins (2016) e trago como epígrafe, desta matéria. A maleabilidade de títulos possíveis, permite-me costurá-lo á ideia de quilombo junto á moda enquanto lugar de pertencimento. Enfatizo que o pertencimento, se dá na definição do “não ser”, ou seja, antes de pensarmos no que somos, primeiro pensamos no que não somos.

AFWB – Fotografia @emohfotografia


Neste interim a mulher negra e gorda, a equidade de gênero, a moda, cota e o pertencimento tornam-se linha e agulha desta costura. Embora eu não more no corpo de uma mulher negra, eu sou uma mulher negra e gorda. E afirmo  que – Onde eu estou, eu estou. Quando eu estou, eu sou


A SPFW ampliou o número de modelos negros na passarela porque impôs uma cota de 50% de modelos não brancos, para garantir a inclusão de negros e indígenas no elenco, pela primeira vez em 2020, desde a primeira edição do evento, em 1995. Em entrevistas na época, Paulo Borges, falou sobre a necessidade de formalizar as medidas de inclusão racial no evento, e não mais sugeri-las às marcas.


Contudo, se déssemos a uma menina negra um papel em branco e pedíssemos para desenhar sua versão da SPFW, receberíamos algo parecido com a AFWB (Africa Fashion Week Brasil). Desfile que integra o circuito African Fashion Week Londres e African Fashion Week Nigeria, concebido e fundado pela rainha Ronke Ademiluyi em 2011. Em maio, remontou à experiência do Quilombo de Palmares – rompendo a política do avestruz. Certamente sabemos quem somos – “NÓS” e quem são eles – os “OUTROS”.

AFWB – Fotografia @emohfotografia


A AFWB trouxe não só elementos de um múltiplos discursos esculpindo história, mas também memória, identidade e cultura. Tornou-se um mecanismo de aquilombamento e de pertencimento, ocupado por corpos negros com dispensa de “defeito de cor”.

AFWB – Fotografia @emoahfotografia Modelo: @rafamuller Marca: @meninosrei


Remove a África da representação de “não-lugar” na cadeia da moda e cria narrativas que não serão desconsideradas, desconstruídas, ocultadas ou simplesmente apagadas. Embasado na iniciativa dos coletivos Pretos na Moda e VAMO, por meio do projeto SANKOFA, a AFWB racializa a moda e trás o quilombo, não o território geográfico, mas a nível da simbologia.


Na AFWB não criou-se cota ou imposição aos modelos não negros e indígenas, entretanto, eles estavam lá. Colocar o branco em todo lugar, até onde ele não está, é de certa forma uma manutenção do poder. Durante muito tempo, se você pegasse uma revista de moda nacional, ia imaginar que o país só era composto de mulheres brancas, de classe média e com 1,90 de altura.


Atente que evoluímos. Sim! A AFWB é uma forasteira de dentro que simboliza o lugar de pertencimento repensando o corpo negro como o próprio território de pertença, lugar de memórias e de e coesão grupal. O público conferiu mais de 15 marcas negras e indígena potencializando a ancestralidade e fortalecendo a hashtag #aCorDeQuemFezMinhasRoupas, criada pelo Comitê Racial e de Diversidade Fashion Revolution Brasil. Um convite ao questionamento para compreender as implicações do racismo dentro do universo da moda.  Assim como conferiu a padronização dos corpos, alimentando o mecanismo de controle de corpos, na busca pela aceitação e pertencimento. Tornando “o olhar do outro” um referencial.


Quanto à diversidade de corpos, a relação entre os corpos sempre foi marcada por rupturas, descontinuidades, ressignificações e resistências. Subsistem ainda resíduos em manter o corpo gordo no lugar onde o corpo magro acha que deve estar, fora das passarelas. Enquanto mulher gorda, tornei-me forasteira no backstage da AFWB com 97% dos corpos magros, justificando o conceito “forasteira de dentro” tão em voga. E jovens, rostos recém-saídos da adolescência, expondo o complexo de PETER PAN.

AFWB – Fotografia @emoahfotografia


Se de meados de 2010 a 2022 demos um passo à frente com a celebração e aceitação de corpos plus size e midsize, em pleno 2023, voltamos três passos. Na temporada de moda de Outono-Inverno 2023, que aconteceu entre fevereiro e março em Nova York, Londres, Milão e Paris, modelos mais magra do que nunca cruzaram as passarelas. De acordo com o The New York Times, apenas 0,9% das modelos eram plus size, as demais eram magras, brancas e jovens. Na AFWB a porcentagem de modelos plus size não impactou, destaque á presença de Ellen Oléria, marca Mônica Anjos na foto abaixo.

AFWB – Fotografia @emoahfotografia


 Entenda

moda não é um disfarce, mas uma etiqueta distintiva da identidade.  O ato de se vestir e se adornar, sobretudo ao estar na rua e na passarela, denotam o desejo de se pôr uma etiqueta social no corpo gordo, um sinal contra o anonimato e de declarar que se “é alguém”. Concentrar-se na diversidade e inclusão, não deveria ser apenas uma questão publicitária. Em 2021, a Associação Brasileira de Normas Técnicas aprovou uma norma para as tabelas de medidas, a NBR 16933, que vai do tamanho 34 ao 62 e contempla dois biótipos femininos, colher e retangular. Mas todo movimento tem uma contracorrente. De um lado, o de valorização do próprio corpo e, do outro, a ascensão da moda “Y2k”(é a abreviação em inglês de “Years 2000”,ou “anos 2000”, e faz referência às tendências de moda daquela década) e a barriga “chapada”.


Para além da diversidade e inclusão, a equidade é uma pauta. Equidade: é ter poder de decisão. A AFWB trouxe em sua estrutura uma equipe majoritariamente negra, onde a mulher negra esteve inserida, entretanto foi comandada por e pelos homens. As tratativas e narrativas como “ Eu decido”, “Será feito do meu jeito” e “Esquece ela, preste atenção em mim” dentre outras, empurram para a base da pirâmide. Entendam, não é o nosso, o meu lugar. Éramos e ainda somos consideradas: “só corpo, sem mente”.


Em determinados momentos, como produtora de moda atuante no cenário supracitado e objeto desta matéria, AFWB, fui asfixiada. Cito Sueli Carneiro, que diz: “ser uma mulher negra é mesmo uma sensação de asfixia social”. Pasmem, saímos da base e não temos interesse só em elaboração, mas em mudar o mundo. Não há negação frente às diversas verdades existentes, assim como a AFWB, os projetos e coletivos de moda existentes precisam romper a bolha. Caso contrário, falaram sempre para as mesmas pessoas, ouvindo apenas quem pensa de forma parecida e aplaudindo a si mesmos.

NOTA

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