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UMA CASINHA DENTRO DE CASA

Maio encerrou com a Semana Mundial do Brincar, que foi de 22/05 a 30/05 e sem esquecer da pandemia e do confinamento, o tema escolhido deste ano foi: “casinhas da infância”. É impressionante como muitas crianças querem brincar de casinha, de construir casinhas, de convidar todos para conhecerem suas casas. Brincar é muito mais do que uma forma de passar o tempo, mas um verbo que faz parte da gramática cultural da infância e que passou a ser conjugado dentro de casa, um espaço do brincar, essa circunstância era perfeitamente previsível.

A Renata Meirelles, pesquisadora lançou um documentário sobre as brincadeiras que aconteceram nos lares de 55 famílias durante o isolamento social. Para entender como essas brincadeiras se dariam e o que revelariam. Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/educacao/pesquisadora-observa-o-brincar-em-casa-na-pandemia-e-como-as-criancas-se-curam/.

Brincar de casinha é construir um espaço de espalhamento de si, a boneca participa deste processo. Afinal, casas são lugares de acolhida de si próprio e do outro, territórios de vínculos e cuidado. Quando você entra dentro de uma casa, a primeira coisa que você ganha é uma família e num momento de epifania, descobre-se uma família sem vivencia de família. Acredito que muitas não praticavam ou ainda não praticam essa convivência familiar, que envolve o brincar. Essa resistência de alguma maneira reflete a dificuldade do adulo brincar, vale um relato, ouvi que “deveria brincar mais” e de imediato penso, MAIS!.

Já parou para observar a criança enquanto brinca? Se respondeu, não, com certeza vai alegar não haver mais tempo para isso. Mas, se sim, sabes o quanto és fascinante o modo como pensam, analisam e criam caminhos para obter novas experiências. Elas correm, caem, rodopiam, batem, sorriem, beliscam, abraçam, choram e brincam, mas brincam tanto que suas vidas se confundem com o próprio brincar.

A qualidade de brincar não tem nada a ver com o brinquedo. Ela pode ter nenhum brinquedo e ter uma variedade incrível de brincadeiras. Por outro lado, o brinquedo, a boneca, pode ser um facilitador. O elo primordial entre a criança e o brinquedo é a imaginação. E escolher brincar de casinha é como escolher um brinquedo que apresenta questões de semelhanças, diferenças e questionamento de hierarquias. Uma brincadeira nasce da própria criança, sendo de sua responsabilidade organizá-la.

Deixam de usufruir a cultura produzida pelos adultos, as ditas “cultura para as crianças” e começam a produzir e usufruir as suas, as “cultura das crianças”, eis que nasce o protagonismo. Esse protagonismo, tem como resposta a construção e a invenção de linguagens próprias, “código”. A criança cria histórias, dá vida aos personagens, interagem o tempo todo, influenciam e são influenciadas no coletivo. Experimentam e distribuem diferentes papéis sociais, riem, se desentendem, choram e trocam carinhos.

Nem tudo é mergulhar em fantasia, as crianças não são personagens passivas, controladas e treinadas para serem pequenos adultos. Elas fazem suas próprias escolhas, são personagens ativas que aprendem através de suas próprias realizações, tecendo suas próprias teias culturais. Caiu por terra acreditar que seu aprendizado é resultado automático do que lhes é ensinado, deixaram de ser adultos em miniatura.

Brincar é um convite universal, sem direito a recusa, mas recusamos numa velocidade viral frente as diversas tentativas na busca pela interação adulto-criança. É a única hora em que, quem escolhe se quer brincar ou não, é a criança, assim como com o que brincar. Nas comunidades mais tradicionais fica evidente a autonomia das crianças, pois não há a supervisão de um adulto o tempo todo.

Na família brincada, elas são mães e as bonecas, filhas e/ou irmãs. Na casinha, ser mãe é ocupar um lugar privilegiado, no topo de uma hierarquia, onde a autoridade é dela (“eu mando”). Verdade seja dita, muitas vezes me preocupo em ter autoridade e não ser autoritária, responder ” eu mando”, não é a primeira opção. O que cria um debate cheio de armadilhas no ato de educar, onde ora temos o grupo que “late” chamando atenção para os problemas e outro que “morde” quando identifica os erros e falhas. Eu sou do grupo que busca soluções, onde a régua é a iniciativa.

Do vocabulário que nasce nos mais diversos tipo de interações do brincar, um substantivo se destaca: a casa, ou melhor, casinha. Neste espaço lúdico a menina, dá suas ordens e espera que seus desejos sejam atendidos e a família brincada segue o modelo de família conhecido por ela. Aí está, um enredo vivenciado que nem sempre é composto por rotinas, regras e o cuidado ligados às bonecas, como dar banho, pentear, trocar e dar mamadeira.

Aos poucos, a aparência da boneca torna-se elemento de  uma cultura, algo que vai além  de uma apresentação material e mercadológica. Esse perfil falha em abordar a diversidade tornando-se um problema no que diz respeito à autoimagem da criança e a sua percepção dos outros. Fabricar bonecas que seguem um padrão pode até ser a opção mais “segura” no que diz respeito às vendas, mas o efeito colateral disso pode ser bastante prejudicial.

Tipos de bonecas

De modo que a invisibilidade das bonecas negras nos brinquedos nas escolas, nas vitrines, revistas e também  na TV como referencial de beleza ocasiona  o apagamento do reflexo da criança negra. Se a boneca é uma representação humana e uma extensão da própria criança e essa boneca não se parece com quem brinca com ela, o impacto na autoestima e no imaginário é negativo.

Uma vez que a boneca é um espelho. O ativista Nelson Mandela proclamou a icônica frase que serve de resumo para a abordagem da diversidade na infância: “ninguém nasce odiando uma pessoa pela cor da sua pele”, e isso vale para todas as formas de preconceito. Os pequenos dependem totalmente dos adultos para criar um imaginário diverso e inclusivo, que não aprendam preconceitos e saibam identificá-los como tal.

De pronto, tornei a Adriana Rosa da Silva Rodrigues (40) interlocutora de suas filhas,  Mariana Silva Rodrigues (6) e Yasmin Silva Rodrigues (3), investindo na conectividade exercida na trilogia – mãe, filha e boneca. Nesta entrevista concedida por e-mail Adriana aborda infância, vivências costuradas a boneca, brincar de casinha, vivências familiares e escolares e representatividade.

Como a pandemia impactou no ato de brincar na sua casa? E como elas relatam ou vivenciam essa mudança?
Com a pandemia e a diminuição do contato social, o tempo nas telas aumentou bastante e tínhamos que pedir bastantes para elas brincarem de outras coisas ou mesmo no quintal. Tentamos estimular outras brincadeiras, através de jogos (dama, xadrez, jogos da memória e quebra-cabeças) como estimular a fazer desenhos com lápis de cor ou tintas, mas isso distraia por apenas algum tempo. No começo algumas brincadeiras tinham a ver com o COVID, criavam jornais explicando sobre a doença para as pessoas e as bonecas passaram a usar máscaras.

Quando foi seu primeiro contato com bonecas negras e das suas filhas? Quantas bonecas suas filhas possuem? O primeiro contato foi com minha filha mais velha, Mariana (6 anos), eu nunca tive bonecas negras na infância. Mas já na gestação, quis muitas bonecas negras para ela e depois para Yasmin (3 anos). Hoje elas têm muitas bonecas negras, que fomos comprando e ganhando ao longo dos anos. Minha irmã contribuiu bastante para que elas tivessem bonecas negras de diferentes modelos.

Como a boneca contribui com a auto-estima das suas filhas ? Ajuda no processo de reconhecimento. Elas gostam do que veem, as acham bonitas e se acham bonitas. Hoje ela vê a boneca muito parecida com ela e acha linda. Atualmente quando ela vai pedir ou vamos comprar uma boneca ela já procura naturalmente por uma negra.

Qual o significado em brincar de casinha com uma boneca feita à sua imagem, na sua infância e para suas filhas? Eu nunca brinquei com bonecas negras na infância e vejo isso como um grande problema hoje. Para minhas filhas é diferente elas montam a família delas, se reconhecem nas bonecas, criam situações. Acho essencial que elas tenham muitas bonecas parecidas com elas.

Acredita que as bonecas negras além de expor cultura, estabelece relação com a maternidade e o significado da infância? Sim, as bonecas tem muito espaço nesta fase da vida.

Você tem o hábito de brincar de casinha com suas filhas ? Elas te convidam ou você se candidata?
Eu particularmente, não gosto muito de brincar de casinha. Quando participo assumo papel de mãe de alguma amiga ou outro papel social, assim como o pai.
Elas se consideram mães das bonecas, sendo elas filhas? Ou dão vida às bonecas assumindo outros papéis sociais? (Gostaria de obter sua resposta como observadora e depois as delas)
Percebo que as bonecas ganham diferentes papéis dependendo do cenário que elas estão reproduzindo. Elas podem ser filhas, mas também ser outros personagens.
Ao observar o brincar com as bonecas, quais os comportamentos, diálogos e raciocínio identifica como espelho ? (Elas reproduzem o seu papel de mãe, rotinas, regras, cuidados …) Elas reproduzem, mas eu percebo mais as falas do que os cuidados. Elas reproduzem o nosso jeito de conversar com elas e a maneira que as educamos. Por exemplo, outro dia brigamos com a Yasmin e ela foi contar para as bonecas, percebo que ela também reproduz mais o cuidado e gosta de dar mamadeira e chupeta quando as bonecas choram, mesmo ela não tendo utilizado chupetas..rsrs

Qual sua opinião quanto aos meninos brincarem de boneca? E de que forma o brincar com bonecas negras muda a visão dos meninos? Eles deveriam ser mais incentivados e brincar com bonecas não deveria ser um ato apenas reservado para as meninas. Ainda existe muito preconceito, ouço de alguns pais que isso incentiva os meninos a serem homossexuais. Percebo dois absurdos, um é a escolha da opção sexual dos filhos e outro em ver um problema no filho ser homossexual. Acho que tanto meninos como meninas brincando com bonecas negras, ajudaria na construção da imagem que fazem da mulher negra, aumentando o respeito e o cuidado.

No ambiente escolar das suas filhas, há bonecas negras? E como a ausência destas, interfere nas relações raciais? E se presentes elas conseguem quebra os padrões estéticos impostos pelas bonecas brancas, como a Barbie, que oferta um conceito de feminilidade: magra, seios pequenos/médios, loira, pele branca, cabelo liso? O ambiente escolar é um grande problema, as duas estudam em escolas particulares e quase não existe representatividade. As discussões raciais na escola seriam muito mais normatizadas com a presença de bonecas negras, representatividade nas histórias. É difícil você acreditar que não existe um padrão quando você está rodeada por ele. Quando a mais velha era menor, no dia do brinquedo as vezes ela não queria levar a boneca negra dela pois era a única e diferente do que as amigas levavam, escolhia uma outra boneca (branca) ou um outro brinquedo. Mas com o tempo ela foi gostando mais das bonecas delas e entendendo que as bonecas eram negras porque eram parecidas com a nossa família. Nos últimos dois anos ela convive com outra amiga negra na sala dela e fez toda a diferença para ela não se sentir única no ambiente e querer levar as bonecas para escola. A Yasmin frequentou pouco tempo a escola e acredito que para ela é mais natural porque ela tem o exemplo da irmã.

Qual a sua percepção quanto a persistência de vender bonecas morenas como se fossem negras e a ausência de bonecas negras no processo de produção? É perceptível quando você entra em uma loja e não encontra diversidade nas bonecas negras, tem pouquíssimas é impressionante. Enquanto uma criança branca pode escolher entre centenas de bonecas a criança negra tem que levar a que tem. Eles vendem bonecas morenas como negras porque o mercado aceita melhor, é o colorismo que atinge até o mercado das bonecas. No Brasil com a maioria da população negra encontramos este problema e tem algumas que são produzidas no exterior, mas não comercializada no
Brasil, hoje em dia você encontra até uma variedade maior da Baby Alive, mas a Cry Baby não tem sua versão negra comercializada no Brasil e a Doutora brinquedos um desenho de grande sucesso você não encontra nas lojas. Eu moro no interior no Mato Grosso do Sul na cidade de Dourados, aqui a oferta então é muito menor.

Quando você adquire uma boneca negra que experiência proporciona a sua filha? Pergunte a ela, como ela se sente. Eu acho que proporciono uma história de conquistas que elas ainda não entendem, o simples fato da minha mãe não ter tido acesso a bonecas, eu não ter bonecas negras e ela ter uma variedade de bonecas é uma história de muita luta da comunidade negra. Perguntei a Mariana como ela se sente, ela disse apenas muito feliz.

Quais são as bonequeiras que conheces? Conheço a Makena  e uma do Rio de Janeiro – Era uma vez o mundo.

Como vc descreveria o teste das bonecas (1940), que demonstra a interiorização do preconceito/racismo pelas crianças através das bonecas? Aquele teste é muito triste, mas atualmente ainda acontece. Aqui em casa percebemos que um tempo a Mariana dava menos atenção para as bonecas negras, assim tentamos entender porque ela fazia isso e começamos nós a dar um lugar de destaque para elas, não sei se agimos da melhor maneira, mas ajudou bastante.

Para elas, brincar de boneca é.
Por áudio, Mariana, relata como uma voz meiga que brincar de boneca é divertido, onde cria uma família onde as bonecas são suas filhas de verdade e em outras brincadeiras assumem outros papéis junto com os outros bonecos. Já a Yasmin ainda não consegue responder.
Não importa se é de plástico, de pano, realista ou imitando desenhos animados: uma boneca é muito mais do que só um brinquedo. Era uma vez o ser humano e um objeto feito à sua imagem e semelhança… a boneca.

 

NOTA

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