As novas e diversas demandas socioculturais que emergem neste momento histórico, provocando uma espécie de reinvenção do Estado e dos mesmos.
Traduzem-se em alterações estruturais da realidade social, que evidenciam e agravam as já existentes violações de direitos em territórios periféricos e favelas.
Sob a perspectiva da desigualdade social percebemos, nesses meses de pandemia, que cada deficiência na aplicabilidade das políticas públicas que viabilizam nossos direitos constitucionais se tornam fatores determinantes, para que os que residem nesses territórios tenham instrumentos consistentes de sobrevivência digna em meio a essa crise, ou não.
É tudo acontecendo ao mesmo tempo, enquanto somos chacoalhados de um lado para o outro de crises, que parecem gatilhos intermináveis para outras.
O coletivo
Minha liderança comunitária, me faz testemunhar a deficiência do Estado em garantir os direitos fundamentais, previstos na Constituição de 1988 (pela qual a luta enchia as ruas no inicio da década de 80), que prevê o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Não me permito a romantização da política dos últimos 32 anos, mas percebo que em meio a erros e acertos, buscávamos um aprimoramento de nosso regime democrático, como deve de ser, já que a busca pela evolução do que se constitui precisa ser o norte do individual e do coletivo.
Digo, buscávamos, em primeira pessoa do plural do pretérito imperfeito, porque vejo com muito pesar, se formar um abismo que polariza e instiga a agressividade de grupos terraplanistas , ante vacinas, contra ‘jornalísticos’, entre outros conceitos surrealistas, que ‘trazem consigo mais de 30 anos de retrocessos em propostas, diálogos e fazeres políticos ideológicos…
Aqui, nas comunidades cariocas, a violação de direitos, e a relação militarizada com o Estado, nos fez aprender a resistir e volto a dizer, não há romantização dessa resistência por minha parte, não deveríamos ter o básico como luta de vida. Porém, resistimos para existir!
Toda a essa ausência do Estado… (será mesmo que há ausência?), prefiro aprimorar o texto e chamar de negligência ou presença segmentada, já que o Estado se faz presente em nossos territórios sim, geralmente, nas operações das forças de segurança pública), fez com que o papel do mesmo fosse sendo feito pelos próprios moradores organizados em movimentos, associações e ongs.
Diante das dificuldades que vivenciamos cotidianamente, formamos nossas relações coletivas de sobrevivência, acolhimento e afeto. Na favela ninguém chora sozinho. Buscamos soluções em comunidade e gritamos juntos, há tempos, em coro, nossas dores, nossos mortos.
E continuaremos berrando o quão necessária é a mobilização dos poderes, tão como de toda a sociedade em prol de estancarmos cultural e estruturalmente essa ferida que só cresce, a desigualdade.
As redes de apoio tecidas por nós mesmos, fizeram e fazem a favela existir.
O favelado oficializa um modelo de relações sociais dos mais bem sucedidos, em se tratando de comunidades urbanas!
Construímos nossas identidades individuais a através da experiência do coletivo, enfrentamos o caos, juntos!
Nos contrapomos ao genocídio dos nossos por parte do Estado, seja numa fila de atendimento a saúde ou na luta contra as balas achadas ou perdidas!
E diga-se de passagem que não há aqui críticas ao Sistema único de Saúde, que prova em meio a essa crise mundial, aos que tinham dúvida, sua importância! A crítica é diretamente ao Estado, que controla sua gestão, principalmente a de recursos!
Nos movimentamos
Apesar do agigantamento de nossas vulnerabilidades há o fortalecimento de movimentos populares de resistência em meio a essa crise toda. A exposição de nossas pautas nos meios de comunicação, enfatizam o que somos coletivamente, dando o recado.
Praticamente em todas as comunidades do Rio de Janeiro, e creio que do Brasil, houve alguma movimentação nesses meses de pandemia no sentido de levar algum suporte emergencial às famílias mais vulneráveis. O famoso nós por nós.
Aqui em Duque de Caxias, Baixada Fluminense (RJ), onde moro, os coletivos, movimentos e ongs estão unidos em prol de melhorias para a nossa cidade desde 2017 através do Movimenta Caxias.
Lutamos pela consolidação e acesso as políticas públicas em nosso município. Acreditamos numa mudança coletiva e horizontal que potencialize e dê autonomia aos nossos territórios. E na atual conjuntura nos mobilizamos e partimos para ações paliativas e urgentes.
Com o lema, se eles lá não fazem nada, fazemos tudo daqui. Seguimos como sempre juntos, em busca de soluções emergenciais que acolhessem nosso povo.
Conseguimos atender 22.074 famílias, mais de 88 mil pessoas.
Foram 181 toneladas de cestas básicas, 59 toneladas de kits de limpeza e 81 toneladas de produtos orgânicos, que ainda estamos distribuindo com o objetivo de levar um pouco de dignidade aos nossos territórios.
Mais um papel negligenciado pelo Estado. Mais uma vez a coletividade dando conta de nossas demandas.
Todavia nossa capacidade de execução se estende também a estruturar provocações e intervenções que visem pressionar o poder público em prol de uma atuação mais responsável, comprometida e inclusiva.
Enfrentamos as medidas autoritárias por parte das esferas governamentais e aos ataques a nossa cidadania e direitos. Resistimos.
Resistir não é um verbo do qual possa se abrir mão. Uma vez que o façamos, o faremos até o fim.
Sobre Seguir… (poesia de Dani Lopes)
A gente chora a cama do filho perdido pela bala achada
A gente grita o desespero do parto e o vazio do prato
A gente sofre
A gente lamenta a vida e quase todo dia, a morte
Mas a gente segue
porque favela, é mulher forte.
título: trecho da música, como dois e dois de Caetano Veloso, lançada por Roberto Carlos em 1971.
imagem: acervo Movimenta Caxias. Tia Angélica e Malê, duas gerações, integrantes do movimenta.
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