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No dia 25 de julho, fui chamada de racista reversa

A luta feminista não é necessariamente antirracista, e parece que isso ainda não está óbvio para muitas feministas brancas que não entendem isso. As mulheres não são universais, e quando se luta pelas mulheres sem nomeá-las, algumas delas ficarão invisibilizadas e na minha experiência, serão as mulheres negras indígenas, quilombolas, transgêneras, em situação de privação de liberdade – sob as quais o peso do racismo e do sexismo se articulam de modo a nos empurrar para a extrema vulnerabilidade social.

Como disse a Angela Davis, não basta não ser racista, tem que ser antirracista. E isso tem um peso enorme nas articulações feministas nos quais há presença de mulheres diversas. Dos grandes grupos feministas que não são específicos de mulheres negras, quantos são coordenados, presididos ou moderados por negras ou indígenas, no Brasil? Geralmente, nesses grupos se faz um Grupo de Trabalho temático no qual as mulheres não-brancas serão um tema nas pautas daquele grupo e o antirracismo não será eixo estrutural que organiza esses grupos.

E aqui não se trata de purismo, de não querer construir com mulheres brancas, pelo contrário. Se trata de reiterar a pergunta: o racismo é problema das pessoas negras? Se para uma mulher negra ocupar um espaço de direção é necessário que haja enfrentamento, esse espaço não é antirracista. Enquanto as organizações ao se pensarem não se questionarem: o que vamos fazer para garantir mulheres não brancas nas direções, nos espaços de decisões e na representação dessas entidades, ele é um espaço branco. 

E isso é cansativo demais. Eu, no último dia 25 de julho, fui chamada de racista por questionar a presença de apenas mulheres brancas  à frente de uma organização feminista. E muitas mulheres defenderam que esse espaço não era branco, que estava atentando contra a idoneidade de pessoas e da instituição ao dizer isso. Ora, se para que em um lugar tenham mulheres negras na liderança, se faz necessário que se peça e tenha enfrentamento, é um lugar branco, porque a estrutura está do lado dos brancos. E quando dizemos isso, nos pedem calma, nos falam que isso é um trabalho de uma vida toda… vida de quem? Por que não temos muito tempo, aliás, estamos 400 anos atrasados nesta luta. 

Esse texto é um desabafo, que decidi tornar público, porque ter que ensinar o bê-á-bá todos os dias cansa, e muito – e isso não é novidade no meu cotidiano. Mas a ousadia de algumas instituições chegam a tanto, que para se colocarem como antirracistas, usurpam pautas das mulheres negras como o dia 25 de julho. E esse é o ponto, além de sermos as pretas raivosas, ainda temos que ensinar que mulheres brancas não protagonizam a luta das mulheres negras. Quando uma mulher branca precisa dizer que um espaço não é branco, acende um sinal de alerta. Se ela precisa dizer, é porque as práticas desta instituição não são compatíveis com o antirracismo. E, por favor, não me venham com a velha história de que “estamos aprendendo”, isso é de uma falta de empatia terrível. 

Para construir a pauta antirracista, se faz necessário que nos aliemos com todas as pessoas, e isso é inquestionável. Mas se faz necessário que os privilégios sejam confrontados, não se faz política antirracista se as pessoas negras não estiverem lado a lado. Nesse caso, ser aliada à luta antirracista é entender o duplo efeito do racismo, se ele oprime e explora mulheres negras, ele beneficia mulheres brancas. Logo, todas somos afetadas pelo racismo, mas é mais fácil identificar a opressão, do que o privilégio. Assim, uma mulher branca pode identificar a opressão de uma mulher negra sem necessariamente se confrontar de fato com os privilégios que tem.

Por fim, uma coisa que me cansa nesse processo de diálogo com pessoas brancas, é a fetichização  da nossa dor. As pessoas amam ouvir como nós negras sofremos, como nossa vida é dura, como nós sofremos racismo. Querem nos ouvir relatar nossa dor, para terem suas consciências tranquilas por acolherem nossa dor. Estou farta de ouvir que acolhem a nossa dor. Estou farta de falar de dores para pessoas que sentem bem em ouvi-las. E quanto às nossas potências? Nossas construções? Nossas perspectivas?

De modo algum , defendo um rompimento entre pessoas brancas e negras, mas urge uma reflexão profunda e transformadora sobre o que pensam nossas aliadas sobre nós: o que é feito para garantir que mulheres negras estejam em posições de decisão, direção e liderança? Neste modelo atual de gestão da vida coletiva, para uma mulher negra entrar, se faz necessário que alguém saia para abrir caminho. Quantas vezes, pessoas brancas saem para dar espaço para mulheres negras? Ou aceitam alternar seus espaços de decisão com elas? Há muito o que avançar, e espero que esse pequeno texto ajude o conjunto das feministas a refletirem sobre isso. Se faz necessário avançar na luta antirracista, se faz necessário que todas saibam qual é o seu papel nesta luta.

Simony dos Anjos é cientista social (Unifesp), mestra em educação (USP) e doutoranda em antropologia (USP). É integrante da Rede de Mulheres Negras Evangélicas e militante do Psol. 

NOTA

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