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MULHERES (50+): LA LOBAS, A MODA E O ESPELHO

 Imagine como nasce essa matéria, de como ajusto os insights, quantas horas ou dias para ser finalizada e como chega até você sem uma ruga, com o frescor de algo que escrevi minutos atrás. Imagine uma mulher negra e madura, nada contra essa vovozinha que está na sua cabeça, elas são a maioria, mas quero falar das que quebram os modelos estabelecidos, não aceitam “não pode” como resposta, não permitem que outros lhes digam qual o caminho a seguir – as lobas. E sua relação com o espelho.

Imaginemos que eu tenha chegado ao ponto de grudar meu ouvido em uma porta, olhar pelo buraco de uma fechadura em busca da solução ou indicar um livro. Significa que, detrás desta porta uma cena se apresenta como “para ser vista”, uma conversa como “para ser ouvida”. A cena – mulheres negras e maduras no desfile intitulado “Espelho, Espelho Nosso”, produzido por quem vos escreve. Com a realização da produtora Djembe Produções em parceria com a Emperifa para o Sesc Itaquera. A conversa – A loba que nos habita . A solução – reescrever o passado de maneira atual, criar uma narrativa para validar o antigo como novo e quem sabe, falar do óbvio como uma grande revelação. O livro, “Mulheres Que Correm Com Lobos”, de Clarissa Pinkola.

A famosa frase “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?”, atribuída à rainha má da fábula da Branca de Neve, nos diz muito sobre nossa relação com o espelho, ele sempre pesou mais nas bolsas das mulheres negras. Com algumas adaptações, essa história vem sendo recontada geração por geração, é fatídico como nossa cultura transformou a mulher numa espécie de “animal doméstico”.

Eis o vestido vermelho, que remete à mulher livre e dona de si, a “La Loba”, que nos oportuniza reconhecer arquétipos que a reconecta, por meio de histórias em que és a protagonista e heroína de si mesma. Ela não permite que alguém lhe diga o quanto deve pesar, quando deve ter filhos ou como deve agir para que outros a possam aplaudir.

Acredite, envelhecer nos transforma na mulher que realmente somos e que esteve escondida, morta em vida, ou que teve partes mutiladas ao longo da trajetória. Ser loba é reconhecer a submissão que há para consigo, para além da submissão que há para com o mundo.

A velhice, se não chega a ser um tabu para a indústria da moda, é praticamente ignorada por ela. Há pouco tempo a moda descobriu que as mulheres envelhecem, digo mulheres – em vez de pessoas – porque é sobre elas que recaem as complexidades do envelhecimento e as pressões de se manter eternamente jovem. Entretanto, a invisibilidade recai em dobro quando estas são mulheres negras e sua condição de ser mulher. Hoje nossos corpos falam, nossas bocas amordaçadas gritam, somos autoras e não objetos, muitos rounds se passaram até o cenário atual.

Parece não haver na literatura um consenso sobre a partir de que idade as mulheres começam a ser consideradas “velhas”: se a partir dos 50 anos ou ainda mais cedo, quando temos apenas 40 anos de idade. A terceira idade ainda está sendo construída. Na sociedade industrial do século 20, uma pessoa com 50 anos estava velha. Na sociedade do conhecimento do século 21, os velhos têm 80. Aquela frase de que os 50 são os novos 40 e que os 60 são os novos 50 está ultrapassada. Agora, os 60 são os novos 60.

Há anos coloquei os pés na produção e nunca mais tirei. Cheguei aos 45 anos, a chamada idade da loba, a idade que diz respeito à emancipação feminina. Olho em torno, tenho idade suficiente para ser mãe de muitas das modelos presentes na maioria dos castings que realizo.

A imagem envelhecida que o espelho me devolve é inconsistente com a imagem que tento conservar em minha memória. Sem qualquer manifesto, ela antecipa e confirma meu envelhecimento. Ora sou a “tia”, outrora sou a “menina”, contudo concordo com Beauvoir – me tornei uma outra, enquanto permaneço eu mesma e reescrevo vozes.

Esse estranhamento acontece ou acontecerá, diariamente a dupla é colocada na corda bamba. O conto La Otra, da escritora Mariana Frenk-Westheim (2001), dá o exemplo: “Um dia a senhora NTS se viu no espelho e se assustou. A mulher do espelho não era ela. Era outra mulher. Por um instante pensou que fosse uma brincadeira do espelho, porém descartou esta ideia e correu a se olhar no grande espelho da sala. Nada. A mesma senhora. Foi no banheiro, no corredor, nos pequenos espelhinhos que carregava na sua bolsa, e nada. Aquela mesma senhora desconhecida estava lá. Decidiu sentar e fechar os olhos. Sentia vontade de fugir para um lugar bem longe onde não pudesse encontrar-se com aquela pessoa. Porém, era mais prudente ficar por perto, não deixá-la sozinha. Observá-la. Parou para refletir: quem poderia ser essa senhora? Talvez a que morou antes de mim neste apartamento? Talvez a que morará aqui quando eu sair? Ou quem sabe, a mulher que eu mesma seria se minha mãe se tivesse casado com seu primeiro namorado? Ou quem sabe, a mulher que eu mesma teria gostado de ser? Lancei uma rápida olhada no espelho e decidi que não. De jeito nenhum eu teria gostado de ser essa senhora. Depois de pensar muito tempo, a senhora NTS chegou à conclusão de que todos os espelhos da casa tinham enlouquecido, agiam como atacados por uma doença misteriosa. Tentei aceitar a situação, não me preocupar mais, e simplesmente parar de me olhar no espelho. A gente pode viver muito bem sem se olhar no espelho. Guardei os pequenos espelhos de bolsa para tempos melhores,e cobri com panos os maiores. Um belo dia, quando por força do hábito estava me penteando frente ao espelho do armário, o pano caiu, e ali estava a outra me olhando, aquela desconhecida. Desconhecida? Parece-me que já não tanto assim. Contemplo-a durante longos minutos. Começo a achar que tem um certo ar de família. Talvez esta dama compreenda minha situação e por pura bondade tente se adaptar a mim, a minha imagem que por tanto tempo habitou meus espelhos. Desde então, olho-me ao espelho todos os dias, a toda hora. A outra, não tenho dúvidas, se parece cada vez mais comigo. Ou eu com ela?”.

Da rejeição cultural da velhice, da estigmatização das rugas, do cabelo branco e do corpo trabalhado pelos anos, à celebração. Celebramos o desabrochar, palavra no mínimo curiosa para essa fase da vida, que sempre esteve associada a murchar.

Diante de tantas ramificações, a moda permanece voltada às jovens que estão correndo atrás da beleza perfeita, do vestido matador, do sexo inflamado, do amor idealizado. A mulher madura já passou por toda essa ansiedade, tem várias mulheres dentro dela que ainda querem vivenciar outras experiências e vivências. Cito Simone Beauvoir, em seu tratado “A Velhice”, que denuncia: “(…) não sabemos quem somos se ignorarmos quem seremos: aquele velho, aquela velha; reconheçamo-nos neles”. Se tudo der certo, vamos envelhecer, estamos envelhecendo.

De um lado, o casting não refletiu rostos recém-saídos da puberdade. De outro, a passarela deixa de ter como ponto de partida a data de fabricação das mulheres. Nada cheira a naftalina. O serviço de futurologia costuma ser caro, mas anda cada vez mais certeiro, a previsão de que o futuro é velho.

Os desfiles são iniciativas necessárias e louváveis, mas que obviamente não resolvem o problema. Ao longo do processo de produção, o que mais ouvi é que a idade para elas é só um número na carteira de identidade, que nem lembram que existe. Não as governa. O desfile contradiz a versão da história única que se perpetua por gerações e o efeito Mandela, uma memória coletiva de algo que nunca aconteceu ou existiu – de que o espelho é o inimigo que te vence com o tempo.

O desfile em questão tornou-se um produtor de sentidos e reflexos, quase um aniversário, onde o aniversariante celebra cada mimo com entusiasmo. Depoimentos de bastidores definiram o desfile como um acontecimento pessoal, marcado pela convivência intergeracional e a mudança das regras do jogo, gerando reflexos em torno da ruptura entre a cultura estabelecida e a contracultura. Estes, colocaram por terra a ideia de que as mulheres maduras não procuram produtos voltados a elas, bem pelo contrário, elas procuram a ponto de notarem a falta deles e a falta de interesse do mercado em oferecer esses produtos.

Desde que demos o start nessa pauta, questionamos o ciclo do “body-shaming” (vergonha do corpo) e se depender do tamanho do murmúrio, o impacto será dos maiores. O público formado majoritariamente por mulheres (50+), assistiu ao desfile das marcas de roupa – Namibia Sim, Confecção Identidade, Ayo Black, 100 Porcento Negro –  e acessórios – Afrostyle, Balaio da Gata Preta, Odara Artesanatos e Ouros da Terra –  ao som do DJ Rodrigo Rosa, que promoveu o Baile dos Rosas (um esquenta) e uma trilha sonora digna de (re)criar histórias do começo ao começo: das mulheres livres.

O resultado? Não se economizaram sorrisos, elogios, aplausos e o ecos da frase “Eu sempre me amei”.

Abrir e fechar desfiles nunca teve a ver com a data de fabricação, muitas marcas acreditam que ter seus produtos afiliados a essa “imagem” negativa da velhice é um investimento arriscado. Acredita-se ser mais fácil incutir na cabeça destas mulheres que, com um jeans e um tênis, parecerão mulheres de 30.

De um lado, temos a Síndrome do Peter Pan, um fenômeno instalado, onde a mulheres acabam minimizando a grandiosidade de sua verdadeira idade para parecer aquilo que é imposto. Do outro, há uma negação de crescimento, amadurecimento e – a palavra mais temida – envelhecimento. É difícil levar a sério as falas sobre a relação libertadora entre idade e espelho quando diante do espelho aos 50+ e dizer: “Puxa, essa não sou mais eu, eu não sou mais aquela menina”. Quando deveria dizer: “Que interessante, sou eu em nova configuração, sou muito mais do que aquela menina”.

Foi no final do século 20 que o conceito de beleza deixou de ser cosmético e externo, tem um valor mais emocional do que simplesmente estético. A mensagem passada pela maquiadora Andressa Nunes e sua equipe formada pelas maquiadoras Izis Sarina e Francielle Limeira, não é “olha como elas parecem ter menos idade”, mas aceitar quem são. Os cabelos brancos possuem uma crença cultural enraizada de que é sinal de desleixo. Não se trata de cabelo branco ou preto, mas da simbologia que carregam. As que assumem os brancos são mulheres fora da curva.

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10 respostas

  1. Meu Deus, Fabiana!!!
    Mulher! É o próprio Eu falando…
    É a fala da Deusa.
    Estou embevecidamente agradecida por ter feito parte desse momento.
    Me considero uma molécula nesse Todo, maravilhoso que você expôs de forma MAJESTOSA.

    1. Majestosa, somos nos mulheres que nos permitimos ser para além do olhar do outro e através da nossa capacidade de outragem, continuar sendo uma em várias.

  2. Que texto sensível, reflexivo e muito representativo! Tenho a honra de reconhecer-me em você em coragem, sensibilidade e liberdades, essas estou descobrindo a cada passo que dou com minha ancestralidade, porque quando evoluo, todos vem comigo. Uma honra fazer parte Fabiana, de seu sonho e agora “nosso” realizar !!!

  3. sinto-me privilegiada pelos seus movimentos em prol da nossa visibilidade e sempre que tenho conhecimento dos avanços dos projetos, emociono-me, elevando ao Pai de todos nós, que abençoe nossos esforços no exercício de compreender Seus desígnios e, especialmente, à mulheres como vc, rogo bênçãos de amor, paz, prosperidade. Axé, querida! Seu trabalho permanece impecável!!!

  4. Gentee que dia incrível, foi uma honra participar disso não tenho palavras pra descrever.
    Que matéria incrível olha essa representação

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