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Um mês se passou e a história ainda não acabou, está longe de findar e todos nós sabemos disso. Nas redes sociais ainda ecoam postagens: podada uma flor, nascem muitas em seu lugar. Marielle Viva! #somostodasmarielle e #mariellepresente.

A vida se perpetua no legado e na voz que ecoa.

A última postagem de Marielle Franco no Facebook, ainda no dia 14 de março, às 19:09h, foi uma transmissão da “Roda de conversa Mulheres Negras Movendo Estruturas”. A primeira frase dela é “O mandato de uma mulher negra, favelada, periférica, precisa estar pautado junto aos movimentos sociais, junto a sociedade civil organizada, junto a quem está fazendo algo para nos fortalecer onde a gente, objetivamente, não se reconhece, não se encontra, não se vê. A negação é como eles apresentam o nosso perfil. (…) Porque a gente sabe que está ativa, está militando, está resistindo o tempo todo”.

O que veio logo depois foi mais que noticiado. Mas aqui o tema não será este e sim da vida, do legado da Vereadora, Militante, Mulher, Negra, Mãe, Lésbica, Periférica e tudo mais que construiu essa mulher de luta e, quem sabe possamos dizer, de guerra.

De menina a mulher

Marielle Franco nasceu no dia 27 de julho de 1980 no Rio de Janeiro. Filha de Marinete e Antonio, carregava também a genética dos Silvas, tão brasileiros. Nasceu na Maré e aos 11 anos começou a trabalhar (isso não era estranho nos anos 90) e usava o salário para ajudar com os gastos da escola. Foi educadora infantil em uma creche e integrou a equipe Furacão 2000, um dos grupos precursores do funk no Rio.

Participou da primeira turma de pré-vestibular da Maré e, no mesmo ano, se tornou mãe. “Iniciei minha militância em direitos humanos após ingressar no pré-vestibular comunitário e perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré. Aos 19 anos, me tornei mãe de uma menina. Isso me ajudou a me constituir como lutadora pelos direitos das mulheres e debater esse tema nas favelas”, colocou Marielle em seu site.

Em 2002 entrou na PUC, com bolsa integral do Programa Universidade para Todos (Prouni) para cursar Ciências Sociais e depois fez mestrado em Administração na UFF. “Entrava na sala com seu jeitão despojado, em um vestido sempre floral, solto. Com uma atitude simpática, mas como se sempre estivesse pronta para a luta. Uma presença marcante, sem dúvida. À vontade na sala de aula da universidade pública, tirava as sandálias e colocava os pés na cadeira da frente”, lembra Maurício Cabral, colega de uma das aulas do mestrado.

A vida política

Em 1998 começa a militar, impactada pela morte da amiga, e os direitos humanos entram em sua vida. Algum tempo depois, Marielle participa da campanha de Marcelo Freixo para a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) e se torna sua assessora parlamentar, trabalhando com ele por 10 anos. Nesse período ela assume a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e nessa posição se aproxima das famílias de vítimas da violência.

Uma roda feminista de uma universidade da Região da Leopoldina, começa em 2016, promovendo encontros em escolas públicas com debates sobre as problemáticas femininas. É nesse projeto que Thayná Matos, aluna de piscologia e moradora da Maré, conhece Marielle – uma figura emblemática, sorridente, acompanhada da filha. Pouco tempo depois Thayná participou de reuniões que procuravam entender o que a população da Maré – mais precisamente da região da Nova Holanda – esperava de um vereador. Em uma das reuniões Marielle apareceu. Thayná lembrou daquela pessoa que tinha conhecido nas rodas, com quem tinha dançado e rido: “tudo que a gente falava ela anotava. E eu me perguntava: o que aquela mulher tanto escrevia naquele caderninho?”, lembra a estudante.

A futura psicóloga passou a fazer campanha espontânea para vereadora, “porque a Marielle me dava um gás, tipo assim, ela é uma das nossas, é alguém que vai falar por nós, que é feminista, que é negra, que veio do Complexo da Maré e agora vai! A gente nunca teve tanto orgulho de ser da Maré, por conta dela falar que ela era cria da Maré”. Os moradores da Maré se sentiam representados, ela continuava indo lá, ouvindo-os e tomando notas no tal caderninho. Foi a quinta vereadora mais votada no Rio de Janeiro, eleita pelo PSOL com 46.502 votos, a segunda mulher mais votada para vereadora no país.

“Quando uma de nós consegue fazer alguma coisa, com apoio da gente… (pausa porque a emoção foi mais forte) A última mensagem da Marielle para mim foi: ‘Vem! Não desiste da luta’. Foi muito duro ver sobre ela esse recado de que você não é nada, você não pode ter voz. Estamos acuados e não é a favela que está coagindo a gente”, desabafa Thayná.

O mandato político

Em pesquisas do Projeto FARMi (Financiamento de campanhas eleitorais, ação política, repercussões midiáticas e informacionais), os dados mostram que Marielle teve votos em 100% das seções, o que, segundo a pesquisa de Josir Cardoso Gomes, demonstra a capilaridade e não o bairrismo de sua candidatura. (Disponível em: http://farmi.pro.br/marielle-franco/)

Em nova pesquisa do mesmo projeto, Carla Viola faz um retrato preciso da atuação parlamentar de Marielle Franco. Segundo o artigo, como vereadora, “Marielle conquistou a presidência da Comissão da Mulher da Câmara em fevereiro de 2017 e iniciou 25 proposições, que são matérias a serem levadas à apreciação da Câmara ou Comissões”. Além disso, propôs 17 Projetos de Lei (PL), que depois de votados, aprovados e sancionados pelo chefe do executivo, no caso o prefeito, se transformam em lei. A vereadora também propôs 4 Projetos de Decreto Legislativo (PDC), que se aprovado tem efeito regulatório e não precisa da aprovação do prefeito. (desses 3 foram propostos em conjunto com outros vereadores). “Marielle propôs, ainda, em conjunto com outros vereadores, um Projeto de Lei Complementar (PLP), um Projeto de Resolução (PRC) e um Requerimento de Informação (RIC) – este último trata-se de uma petição por escrito feita pelo parlamentar solicitando informação sobre uma matéria municipal”, complementa o artigo. (Disponível em: http://farmi.pro.br/marielle-proposicoes/)

Mas sobre quais assuntos tratavam as proposições da vereadora? O artigo de Carla Viola demonstra muito bem, com dados específicos dos pontos e interesses abordados por Marielle Franco.

Atuação da Vereadora Marielle Franco

Entre os objetivos dos Projetos e proposições feitas pela vereadora estão assuntos como: aborto; apoio à pais que trabalham à noite; menores infratores; apoio à construção de habitações para famílias de baixa renda; direitos da comunidade LBGTT; encarceramento dos jovens negros; direitos das mulheres; violência sexual; casas de parto; transporte público; contratos de gestão de saúde; autorização de eventos audiovisuais em locais públicos e privados, e outros.

Alguns destaques:

  • TRANSPORTES: Regulamentar o processo de concessões do serviço público de transporte coletivo de passageiros por ônibus (PL em tramitação); aumentar a alíquota do Imposto sobre o serviços de transporte coletivo de passageiros e serviços públicos de transporte coletivo operados, exclusivamente por ônibus (PL em tramitação), regulamentar o processo de concessões do serviço público de transporte coletivo de passageiros por ônibus (PLC em tramitação); autorizar o serviço de transporte de passageiros por motocicleta (mototáxi) na Cidade do Rio de Janeiro, PLC que originou a Lei Complementar nº 181, de 5 de dezembro de 2017.

  • ABORTO: instituir programas de atenção humanizada ao aborto legal e juridicamente autorizado no âmbito do município do Rio de Janeiro (PL em tramitação)

  • INFRATORES: Efetivação de medidas socioeducativas em meio aberto no âmbito do município – aplicáveis aos menores infratores, são quatro medidas: Advertência, Obrigação de Reparação de Dano, Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e Liberdade Assistida (PL em tramitação); instituir o dia municipal de luta contra o encarceramento da juventude negra (PL em tramitação)

  • LGBTTS – Incluir os dias da luta contra a homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia (PL em tramitação), o dia da visibilidade lésbica (PL rejeitada)

  • MULHER: criar a campanha permanente de conscientização e enfrentamento ao assédio e violência sexual no município do Rio de Janeiro (PL em tramitação), o dossiê Mulher Carioca, que consiste na elaboração de estatísticas periódicas sobre as mulheres atendidas pelas políticas públicas sob ingerência do Município do Rio de Janeiro (PL em tramitação); instituir programa de espaço infantil noturno – atendimento à primeira infância – no âmbito do município do Rio de Janeiro (PL em tramitação); estabelecer diretrizes para a criação do programa centro de parto normal e casa de parto, para o atendimento à mulher no período gravídico-puerperal (PL) que originou a Lei nº 6.282, de 21 de novembro de 2017.

  • EXECUTIVO: sustar os efeitos do Decreto RIO “P” nº 483 de 1º de fevereiro de 2017 que nomeava o filho do Prefeito Crivella, Marcelo Hodge Crivella, para exercer o Cargo em Comissão de Secretário Chefe da Casa Civil, da Secretaria Municipal da Casa Civil (PDC em tramitação); declarar persona non grata no município do Rio de Janeiro Paulo César Amêndola de Souza, coronel reformado da Polícia Militar do Rio de Janeiro e notoriamente conhecido por sua atuação ativa durante o período da Ditadura Militar, nomeado pelo Prefeito Marcelo Crivella para Secretaria Municipal de Ordem Pública (PDC em tramitação).

O LEGADO

Marielle não era de se curvar, por várias vezes enfrentou adversários dentro e fora da Assembleia e não se intimidou. Como se vê em sua trajetória e proposições, não tinha medo de enfrentar os grandes, muito menos de defender as causas que permearam sua história, como os problemas de ser mulher, de ser mãe solteira e jovem que trabalha e estuda, de ser homoafetiva, da periferia, negra, de origem humilde. Todos esses assuntos e outros que atravessavam essas realidades eram de seu interesse. Brigou contra interesses de poderosos, defendeu causas que ainda causam polêmica e suscitam ódio nos mais conservadores, que teimam que a realidade não pode mudar.

Lutou incansavelmente contra o racismo, pelo direito à favela, nas Comissões dos Direitos Humanos, presidiu a Comissão de Defesa da Mulher e, por fim, integrou uma comissão composta por quatro pessoas, cujo objetivo era monitorar a intervenção federal no Rio de Janeiro, sendo escolhida como sua relatora em 28 de fevereiro de 2018.

Marilda da Silva, da UNESP, foi professora da então mestranda Marielle em 2013. Ela lembra e lamenta: “Marielle foi uma aluna que mais me ensinou do que eu a ela. Era uma pessoa com uma experiência sensível, uma pessoa que tinha uma projeção pessoal para as causas sociais muito significativa. É uma pena que a sociedade brasileira ainda não aceite as pessoas que possam melhorá-la em grande escala. Digo isso com tristeza mas gratidão, por ter conhecido uma pessoa tão especial e tão íntegra”.

(Anna Brisola é Jornalista, Mestre em Ciência da Informação, Pesquisadora do Grupo Perfil-i e integrante do Projeto FARMI)

NOTA

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5 respostas

  1. Parabéns por, nestas breves palavras, captar a essência, o simbolismo e a luta de Marielle; que este texto possa contribuir para a manutenção de seu legado e ser uma fonte de referência até o dia em que se torne “apenas” um documento e não um manifesto contra toda a forma de opressão que ainda se faça presente.

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