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Tomei cuidado para não me perder no emaranhado dos meus pensamentos, delicadamente tentei encontrar o começo do novelo sem pressão para não criar mais um nó, um exercício de foco e resiliência para não confundir minhas opiniões, com meus pontos de vista, evitando interpretações distorcidas. Enquanto população negra somos heterogêneos, vivemos na era da hibridização cultural e somos diversos. Temos pontos de vista em comum, o que não significa uma homogeneidade de pensamento, nem mesmo entre nós, mulheres negras, mas continuamos desatando nós e nos tornando iyálódes dentro das bolhas que criamos.

Neste jornal, a liberdade não é mero slogan, tampouco uma bandeira que se levanta apenas nas épocas em que os ventos lhe são propícios. A pandemia mexeu comigo mais do que pensei, não pude me negligenciar e tomei a liberdade de parar, por isso minha ausência. A música, rompe meu silêncio através do seu poder de dar voz e ritmo ao amor, à dor, à denúncia, ao devir. É quase impossível não pensar em movimento, do corpo ou dos pensamentos, para manter-me minimamente equilibrada.

Usei playlists prontas, criei, desfiz e tudo o que eu ouvi reproduzia a música de mulher preta (MMP), nem todas populares. Popular, é o que se vende maciçamente, o que agrada multidões. Sendo assim, não interessa a rigor para à mídia o popular e sim, a popularidade. Tenho o privilégio de lhes apresentar as Iyálódes (abaixo) que  cantam outras Iyálódes , tanto o lado A quanto o B, como nos discos de vinil onde o B-side trazia o lado autêntico, a essência e o A-side continha as canções mais comerciais. Repertório que vai de Maria D’ Apparecida a Dona Odete, de Liniker a Maria Bethânia, de Mart’nália  a Iza.

Elas cantam músicas de compositoras negras que fizeram sucesso em outras vozes, músicas que fizeram sucesso nas vozes de intérpretes negras e músicas que enaltecem a mulher negra. São mais de 25 músicas que cantam, contam e narram histórias, assim como diz Conceição Evaristo: “(…) história silenciada, aquilo que não podia ser dito, aquilo que não podia ser escrito, são aquelas histórias que incomodam, desde o nível da questão pessoal, quanto da questão coletiva. A escrevivência quer justamente provocar essa fala, provocar essa escrita e provocar essa denúncia, é uma maneira da gente comprovar que o trabalho coletivo tem as suas dificuldades, mas ele produz um efeito, ele produz resultados.”

Escrever na pandemia exige muito de mim – ajustar as ideias, aceitar os clarões meio aos bloqueios criativos, buscar a expressão verbal adequada e a constante substituição de palavras por outras mais exata, após cada releitura.  Escrevo com a intenção de durabilidade, eternizar a matéria, para que não se torne obsoleta assim como tantas outras notícias que foram imprensadas em um papel que hoje forra a gaiola do passarinho ou o chão para os cachorros.

Após inúmeros encontros ora no palco do Teatro Café da Fábrica de Cultura Parque Belém, outrora em estúdio, Novembro chegou e com ele a estreia do show BRASILIDADE – MUITO PRAZER, ÁS IYÁLÓDES. Atracamos no espaço cenográfico, na Alameda da Cultura (foto destaque da matéria), na Expo Internacional Dia da Consciência Negra no pavilhão oeste do Anhembi e posteriormente no palco da Fábrica de Cultura Brasilândia. Criou-se uma agenda para 2022, mas a variante Ômicron do coronavírus, deixou claro que não temos o controle. Estamos enlouquecendo com promessas e eventos projetados para o futuro, uma produção em compasso de espera. Até lá os encontros acontecem no Teatro Café da Fábrica de Cultura Parque Belém, domingo 16/01 abriu alas para os que virão, trazendo a multiplicidade dos diferentes Brasis em religiosidade, vivências e experiências. Observe que o plural não é empregado no sentido de representar mais de uma nação, a ideia é representar a pluralidade do país.

Quem leu, Mulher Negra ( https://jornalempoderado.com.br/mulher-negra/), sabe que muitas das minhas matérias nasce de um cenário de ideias e ideais sobre o lugar e não lugar da mulher negra, desta vez, na música. Questiono o “lugar de escuta”  e não o “lugar de fala”, uma vez que a opinião pública fica à mercê das “fake News”, onde até os terraplanistas encontraram o seu “lugar de fala”. De um lado sempre tem alguém que “late” chamando atenção para os problemas e do outro alguém que “morde” quando identifica os erros e as falhas.

O diretor e produtor musical, Fábio Aleixo, da DJEMBE PRODUÇÕES E ENTRETENIMENTOS, insatisfeito com a falta de visibilidade da mulher no cenário musical e da representação estereotipada que subalternizam, calam e inferiorizam de mulheres negras na música, em especial na música brasileira, reúne vozes e movimenta toda a cadeia produtiva da música.

Aleixo, idealizou e concebeu o projeto ELLAS (mulheres na música) em 2019, mas foi em 2021 que o recorte racial uni-se ao gênero, discutindo a emancipação e contribuição da mulher negra na música popular. Essa discussão iniciou-se em 5 de Julho, mas foi em 12 de Setembro que o Teatro Café da Fábrica de Cultura Parque Belém, que se concretizou o show BRASILIDADE – MUITO PRAZER, ÁS IYÁLÓDES.

A Djembe discute, anuncia, reivindica e afirma  o papel da MULHER NEGRA, no cenário fonográfico e na construção da música popular, para além do mais mercadológico, inserção na mídia e investimento de gravadoras nessas cantoras. Ressaltando a música e a mulher negra para além de um objeto de entretenimento.

O show se adapta a cada apresentação, inserção gradativa das músicas junto ao repertório e o rodízio de vozes. Até esse momento, o novo elenco se une aos que, já em ação, ampliando o diálogo. Sob os cuidados do Fábio Aleixo (Produtor Musical), Fabiano Maranhão (Pesquisador de Manifestações de Matrizes Africanas), Paulo Henrique (Diretor de Palco e Roteirista) e eu, que vos escrevo (Produtora Cultural e de Moda), o show traz a mulher negra como referência na música, numa nova narrativa construindo um novo caminho. Cito o poeta andaluz Antonio Machado: “Não há caminho, se faz caminho ao andar” e nesta caminhada agradecemos ao Clayton Luis, hair stylist responsável pela equipe do Salão Vem Pro Silvias (https://www.instagram.com/vem_pro_silvias/), a Michele por fornecer a make especializada na pele negra da Minha Cor (https://www.instagram.com/daminhacor/)  Cidinha Raiz e a Virada Feminina (https://www.instagram.com/viradafeminina_oficial/) pelo patrocínio, visto que o projeto busca fomento.

Lílian Campesato, pesquisadora do projeto AmplifyHer, que visou dar voz à experiência de mulheres na música no Brasil, ressalta que o recorte étnico-racial evidenciou uma discrepância no acesso a recursos econômicos. As mulheres brancas afirmaram que o acesso a esses recursos foi fundamental para o desenvolvimento da sua prática, e as mulheres negras afirmam que a falta de acesso foi marcante na sua trajetória. https://jornal.usp.br/cultura/estudo-investiga-os-desafios-enfrentados-pelas-mulheres-na-musica/

As Iyálódes, são frutos de uma necessidade de dar expressão a diferentes formas da experiência de ser negra e mulher, vivida através da raça e do gênero. São mulheres negras que cantam outras mulheres negras, anunciando a emancipação numa réplica de um diálogo dentro de outros diálogos, uma verdadeira confraria de intérpretes que se reúnem trazendo a representatividade e coletividade.

Por meio de um empréstimo musical a Djembe configura um encontro geracional, onde a mais nova pede a benção a mais velha e vice versa, a vivência de uma se torna a da outra. A mais nova recolhe em si as vozes do passado para lembrar de sua ascendência. Para além do lugar de fala e escuta, elas transformam o palco um lugar de canto, de expressões e de reflexão. Dizer-se NEGRA, implica revelar-se, não dizer-se negra para ser mais aceita e sofrer menor restrição social, é um caminho trilhado por muitas que cantaram e cantam.

As intérpretes que compõem o espetáculo habitam o mesmo território, compartilham experiências de vida que as diferenciam, rompem o silêncio escolhendo onde erguer a voz e onde seu silêncio vai ser a melhor forma de resistência e proteção. A música é utilizada como ferramenta de autodefinição e autovalorização, respondendo a quem ainda dúvida de que somos mulheres.

Para muitos, somos a mãe preta, que é a matriarca ou subserviente; a negra de sexualidade exacerbada que provoca a atenção masculina; a mulher dependente da assistência social; e a negra raivosa, produtora da violência, não a receptora. E novamente recorro a célebre frase dita pela abolicionista afro-americana Sojourner Truth (1797-1883), “E eu não sou uma mulher?”.

Em outra matéria citei o romance – Um Defeito De Cor, 2006 por Ana Maria Gonlçalves, que produziu um relato em que a voz de uma mulher negra constituiu a primeira pessoa da narrativa. Gerando uma erupção de “vozes” ignoradas e silenciadas, sim! deixamos de figurar como objetos, “coisificação”, nas obras artísticas e em trabalhos acadêmicos de autoria branca e nos tornamos agentes, protagonistas, sujeitos de posse do texto sobre nós mesmas. Como não se emocionar?. Assim como Ana Maria, afirma que se entendeu como negra durante a escrita da obra, muitas outras ainda não se encontram como mulher negra na música e na vida.

Outra problemática na música é o “calar”, Bia Ferreira eleva a voz na música – Não Precisa Ser Amélia e canta: “Que eu nunca me cale” e chama pro jogo todas as mulheres no trecho: “O jogo só vale quando todas as partes puderem jogar | Sou mulher, sou preta, essa é minha treta | Me deram um palco e eu vou cantar”.

A potência deste discurso é tão intensa quanto o risco assumido por esse corpo ao falar, o poder feminino traz a voz capaz de mover estruturas. Elza Soares,  na música – Dentro De Cada Um declara a revolução: “A mulher de dentro de cada um não quer mais silêncio | A mulher de dentro de mim cansou de pretexto |A mulher de dentro de casa fugiu do seu texto”. Se a pandemia tirou os vagões dos trilhos, podemos ir a qualquer lugar, a final Deus é uma mulher.

A escolha da música popular movimenta a roda, um movimento audacioso que reúne vozes femininas, para além de extensão e timbre, a COR, a cor da pele – NEGRA. Revela o viés indenitário, o contexto diaspórico e cultural, numa diversificação na escuta de estilos musicais. Enegreço que a Djembe, não discute a cor da voz, mas a cor do corpo, que abriga a voz e propõe um verdadeiro aninhamento, costurado á tríade de apropriação de si,  fala a partir de seu local e o encadeamento das trajetórias. Acarretando em discursos musicais empoderadores, visto que, o próprio ato de produzir uma fala rompe uma interdição, especialmente quando realizado por mulheres negras.

Luedji Luna, apresenta em sua música “Um Corpo No Mundo” o seguinte trecho: “Eu sou um corpo/Um ser/Um corpo só/Tem cor, tem corte/E a história do meu lugar/Eu sou minha própria embarcação/Sou minha própria sorte”. E relata que um encontro com outros corpos negros em diáspora , despertou nela o desejo de saber qual daquelas Áfricas ela poderia chamar de sua.

Na medida em que essas vozes buscam visibilizar a importância da mulher negra na MPB, as músicas dialogam não apenas com suas autoras/compositoras, mas com as pessoas que estão recebendo a mensagem e que têm o poder de decodificá-las, interpretá-las ou não, o público. Exigindo que se repense a música como vínculo e lugar de enunciação de uma ação no corpo e do corpo, os corpos coreógrafos representados pela Celynha Moreira e Hadiya Mwangaza Cruz  tornaram-se uma performance musical, nas músicas: Água Forte de Karla da Silva, Dentro De Cada Um da Elza Soares e Povoada da Sued Nunes.

Cada música cantada por elas, representa uma ponte, conta uma história: a de dois lados que se unem em determinado tempo e espaço, assegurando as travessias seguras às futuras gerações. Uma mulher dentro da outra, realizamos um aninhamento, somos o ser que vem de outro ser. A bisavó, avó, a mãe, a filha, assim como descreve Conceição Evaristo no poema “Vozes-Mulheres”, vozes que vão passando de geração em geração. A filha que, nessa linha de gerações, é a última apresentada, não mais ecoa as vozes, mas, sim, “recolhe todas as nossas vozes”. Assume a responsabilidade de incorporar as vozes de tantas mulheres negras que foram caladas e que tiveram seus gritos engasgados nas gargantas. Justificando o encerramento do show ao som de Povoada de Sued Nunes.

 

FICHA TÉCNICA:
BRASLIDADE – MUITO PRAZER, ÁS IYÁLÓDES
PRODUÇÃO E REALIZAÇÃO:
DJEMBE PRODUÇÕES E ENTRETENIMENTOS @djembeproducoes
INTÉRPRETES (FORMAÇÃO ATUAL):
MARIA JÚLIA |LUZIA ROSA | KAREN FEITOSA| NATÁLIA RIBEIRO | SARA APARECIDA (CRIOLEZA)
IDEALIZAÇÃO E DIREÇÃO:
FÁBIO ALEIXO
PRODUTOR MUSICAL:
FÁBIO ALEIXO
PRODUTORA EXECUTIVA E CRIATIVA: 
FABIANA SILVA
DIREÇÃO MUSICAL E ARRANJO:
ESTEVÃO ANDRE
DIREÇÃO DE PALCO E ROTEIRISTA:
PAULO PAIE
PESQUISADOR DE MANIFESTAÇÕES DE MATRIZES AFRICANAS:
FABIANO MARANHÃO
FONOAUDIOLOGO E PREPARADOR VOCAL:
MIQUEIAS CAETANO
FONOAUDIOLOGA
DANIELA MÁXIMO
IDENTIDADE VISUAL
MAURÍCIO PEREIRA FRANCISHELLI
CANTORAS
KAREN FEITOZA
LUZIA ROSA
MARIA JÚLIA (MAJU)
NATÁLIA RIBEIRO
SARA APARECIDA (CRIOLEZA)
TÉCNICO DE SOM
GILDASIO O. JUNIOR
ROADIE
SAMARA CRISTINA DAS NEVES SOUZA| RENATO FOLDIAK LA FARINA
BANDA AYO (FORMAÇÃO ATUAL)
VALENTINA FACURY FARIAS DA SILVA (PERCUSSÃO)
KELLY APARECIDA ADOLPHO (CAVAQUINHO)
ESTEVÃO ANDRÉ DA SILVA (TECLADO)
PAULO PIRES VIGILATO (CONTRA BAIXO)
FERNANDO CARVALHO ROSA (GUITARRA)
LUCAS GREGORIO GOMES BASTOS (BATERIA)
CORPO COREÓGRAFO
CELIA APARECIDA MOREIRA (CELYNHA MOREIRA)
HADIYA MWANGAZA CRUZ
FIGURINO E ACESSÓRIOS
CLAUDETE SANTOS – COLLECTIONS @claudetesantos.collections
SILVA & SILVA LULUZINHA BOUTIQUE @fabianasilva9536
HAIR
CLAYTON LUIS @vem_pro_silvias (SILVIA’S HAIR THERAPY)
MAKE
LUANA KARLA (LUKKA) @lukkamakeup
MICHELLE VICENTE @michellenegucha (assistente de make)

NOTA

Não deixe de curtir nossas mídias sociais. Fortaleça a mídia negra e periférica

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