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Eu poderia falar hoje sobre a ótima série Dear White People, da Netflix e dos inúmeros assuntos pertinentes dos quais ela trata, (por favor assistam essa série).

Da série, falarei em um outro momento porém o que ela aborda, precisa ser discutido urgentemente e sempre. Hoje o tema é antirracismo.

Antes de abordar o tema, preciso dizer que não sou uma mulher branca mas que minha ancestralidade negra e miscigenação não me tornam também uma mulher preta. Meu tom de pele mais claro (a tal “moreninha”), me colocou num lugar de privilégios do qual tenho plena consciência.

Eu não sou o alvo. O joelho não está sobre meu pescoço.

Por esses privilégios e a partir deles, pauto minhas atitudes antirracistas em um processo ético e empático de escuta.

Dessa forma, nosso tema será tratado aqui, pela ótica de uma mulher preta. Mulher de quem tenho imenso orgulho e em quem  me inspiro!

A entrevista que vamos ler a seguir é com a ativista social Ana Maria Leone, não por acaso é também minha amiga pessoal.

Nascida em uma região, que ela mesma intitula como arretada do recôncavo baiano, na cidade de Governador Mangabeira, em 1968, Ana vem para o Rio de Janeiro em 1980 trazida por uma tia e algum tempo depois se torna empregada doméstica.

Como muitas mulheres negras no Brasil, Ana Leone foi submetida a relações precarizadas de trabalho. Ser empregada doméstica e mãe de dois meninos, se tornou sua primeira luta política, antes mesmo da militância.

Como participar da educação dos filhos que deixava em casa enquanto criava as crianças das mulheres brancas sem ser engolida e invisibilizada pela mística da casa grande e senzala?

Tentando responder esse e outros questionamentos, Ana entra na faculdade em 2012, após estudar em formato de supletivo, já que ficara longo período afastada dos estudos em consequência das jornadas de trabalho intermináveis.

É assistente social, pós graduada em políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher, pela Puc-Rio. Coordenadora da UNEGRO Caxias (RJ) e Do Fórum Municipal dos Direitos da Mulher de Duque de Caxias, onde sou sua suplente e também comunicadora Social na radioativa.net.

E hoje vai nos contar seu olhar sobre o Movimento antirracista atual, dando um urgente e pertinente recado à branquitude.

O reencontro

Ana Leone tem uma das falas mais emblemáticas para mim, apoiadora da pauta antirracista.

Ela costuma dizer que entende o Movimento Negro como um reencontro com parentes que assim como ela sentiram a urgência do pertencimento.

Ana não sabe ao certo de onde sua família se originou no Continente Africano, muito menos sabe os nomes ou histórias de seus ancestrais sequestrados e levado à escravidão em várias partes do mundo.

Por isso, cada irmão preto discriminado, violentado e morto nas favelas e periferias do Brasil e do mundo, é para ela, um familiar.

A estrutura racista de nossa sociedade impulsiona o grito dessa Baiana dentre a movimentação nos coletivos que participa.

“Cara gente branca”, com vocês, a fala potente da mulher preta.

Jornal Empoderado – Ana, você é otimista em um avanço na  luta antirracista hoje no Brasil, impulsionada pela movimentação mundial em torno do tema?

Ana Leone: Sim! Eu sou otimista desde o momento em que conheci e entrei no movimento social. Quando busquei conhecer o movimento negro, mesmo imatura apesar de ter uma irmã ativista eu pecebi que precisava lutar. Estar junto. Iniciei em 2015 na pré marcha das mulheres negras que preparava a marcha de 2016 em Brasília e foi ‘pra’ mim extraordinário. Me deu força! Acredito sim, que estamos avançando, com luta e pela luta ao conhecermos e replicarmos a história de nosso povo. História de escravidão, de luta, resistência nos quilombos, da força das mulheres negras. Uma luta histórica e contínua no enfrentamento à desigualdade. Precisamos resistir como fizeram nossos?ancestrais?arrastados da África!

Essa movimentação mundial é muito importante pois o racismo com as diferenças sociais e culturais é uma condição mundial que precisa ser ultrapassada. A luta nos Estados Unidos desde a década de 60 com Martin Luther King, Malcon X, os Panteras Negras com nossa incrível e incansável Angela Davis nos inspira. Nós negros nascemos ativistas mesmo quando não sabemos.

Jornal Empoderado – Leone, você vê toda essa movimentação midiática em torno do racismo como uma inclinação real a reflexão ou como uma apropriação da pauta como acontece com a apropriação cultural? Isso se intensificou desde a morte de George Floyd?

Ana Leone: Pergunta bem legal. Porque o que vemos após a morte do Floyd, apesar da diferença cultural dos Estados Unidos pra gente, traz a tona o que vivemos também aqui. Questões que vivemos. A violência policial contra o povo negro é real e mata muita gente aqui.Precisamos falar disso em prol da mudança mas a mídia se apropria sim da pauta tão como da cultura,  por audiência, likes, visualizações…

Fora que você pode ser dizer não racista mas se colocar em risco num protesto, ter atitudes antirracistas é o que precisamos de fato. Cansamos de frases feitas. O branco na linha de frente é algo muito forte que aconteceu nos protestos americanos e que coloca a reflexão num outro lugar, de combate ao racismo estrutural e institucional! A mídia se aproveita, se apropria mas acaba sendo aliada, na marra mesmo.

A globo precisou refazer sua bancada de comentaristas brancos…colocando os jornalistas negros para o debate do racismo por conta da pressão e da movimentação! E é isso…

Jornal Empoderado – Para finalizar nossa entrevista, na sua opinião, quais as atitudes dos brancos que podem de fato apoiar a pauta e provocar uma movimentação de mudança?

Ana Leone: É estar do nosso lado, refletindo, apoiando e divulgando a construção das pautas. É se comprometer. Os artistas brancos têm cedido suas redes sociais para negros discutirem a pauta com a legitimidade que possuem. Isso é bacana! Mas precisar ser um compromisso contínuo em práticas afirmativas antirracistas e não uma “onda antirracista”. Entende?

A gente precisa que a branquitude se aproprie do viés da reflexão e do apoio, pela escuta. Se apropriar de informações e desconstruir a mística da Isabel (princesa portuguesa), em que o branco sempre salva o negro e aponta o caminho.

Não foi assim lá na lei áurea e nem em nenhum momento de nossa história. Construímos esse país. A branquitude precisa se envergonhar disso, compreender isso. O negacionismo do racismo só consolida as desigualdades. Os brancos precisam questionar, se questionar. Os negros?São a base da pirâmide. Não saímos do navio negreiro ou das senzalas. O gatilho mira na gente, o joelho sufoca a gente…

Os brancos precisam revisar a estrutura da sociedade conosco e reconhecerem essa dívida histórica.

Obrigada Ana Maria Leone! Seguimos juntas.

Para encerrar a matéria,  trago um trecho do poema da personagem Reggie Green, da série Dear White People, no qual ele expressa o sentimento de ter uma arma da polícia apontada para seu rosto, sem ter cometido crime algum.

“Existem verdades que damos como garantidas

Que todos os homens nascem iguais

Que eles são dotados pelo criador de direitos inalienáveis

Entre eles, vida, liberdade e busca pela felicidade

A menos que seja negro e tenha uma opinião, o que você ganha é uma bala

Uma bala que me deixa aflito, uma bala que perfura minha pele e acaba com os meus sonhos

Uma bala que silencia o que eu falo com a minha mãe só porque eu sou mais um

Uma bala

Conseguiu me render

Uma arma na cara, você odeia esse lugar

Pele clara, pele branca, pra mim não é a pele certa

Me julgar sem ter cometido crime

Com um dedo inconsequente no gatilho pronto pra provar sua voz e refutar a minha(…)”

 

Imagens: acervo pessoal de Ana Leone.

 

 

 

 

 

NOTA

Não deixe de curtir nossas mídias sociais. Fortaleça a mídia negra e periférica

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