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01 DE AGOSTO E CONTINUO NEGRA.

Eis-me aqui, noite a dentro mergulhada na leitura, quase todos passamos o dia assim – lendo mensagens, navegando por site, vendo pequenos textos. Encontro-me em plena concentração como em todos os outros momentos de bricolagem, analisando e repensando. (Re)construo o sentido que dou as minhas montagens e o que quero abordar.  Abordo com insistência as bagagens extraviadas e os signos – mulher negra, existir, sobreviver, viver. Não, não são trocadilhos ou narrativas superficiais. Tomo para mim, a frase da escritora Carolina de Jesus: “Se existe reencarnação, eu quero voltar sempre Preta”.

Sueli Carneiro, escancara que não houve “terra nostra”, nossas intimidades foram violadas, examinaram nossas dentições, mediram nossas pernas e calcanhares para legitimar uma cotação de durabilidade “das peças”. Não éramos gente: éramos “peças”, alojadas no “quarto de despejo”. Metáfora criada por Carolina Maria de Jesus para descrever o lugar onde os pobres eram e são despejados como se fossem lixos e desemparados.

A formulação cartesiana “penso, logo existo” defende a lógica de que – para existir, devemos pensar conforme essa lógica estabelecida pelo outro, ciente de que aquela/e que não pensa nos moldes estabelecidos simplesmente, não é digno de existência. Logo nós mulheres negras consideradas por muitos, corpos sem mente, não existimos.

Sob essa roupagem obrigo-me a destrinchar as ideias, ideais e valores a cada rascunho, abordo disputas de narrativas e a  decolonialidade. Não anulo o múltiplo, o plural e o diverso, encaro como ato de liberdade. Parafraseando Nilma Lino Gomes, “descolonizar é fomentar a democracia e fazer luta antirracista”. Desvelar o racismo é descolonizar currículos. É ser de fato sujeitos e sujeitas de uma história a ser elaborada e reconhecida.

Tomo por referência a pauta de mulheres negras a partir de suas narrativas, a medida em que, nos autorepresentamos, nos validamos e nos reconhecemos pela constituição do coletivo. Eis “julho das pretas”, ação criada em 2013, pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, mês que tem o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha nesta terça-feira (25), como data central.

A 8º Marcha da Mulheres Negras pede reparação e bem viver, constitui o coletivo, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana, fomentando a importância do debate acerca do racismo, do machismo e da violência. Evoca-se o adrinka, Sankofa através da expressão “nossos passos vêm de longe”.  Em Olhos d’água, o conto, Conceição apresenta “o tempo presente como porta para pensar o tempo passado” e reforça que “é vivendo, se vendo e vendo o outro como partícipe que mantém seu olhar pairando no passado e no presente, questionando-se sobre o futuro”. Colocando em declínio o ditado popular “Quem vive de passado é museu”.

Corroboro com a amálgama, onde o falar de si é falar do coletivo. Lélia Gonzalez nos anos de 1980, pautou que tornar-se uma pessoa preta é reconhecer que a vida será um tanto quanto mais dura, injusta e de uma luta sem fim. Reconhecer-se mulher negra, vai muito além de um conceito biológico: tem a ver com ancestralidade, resistência e pertencimento, essa somatória é mais que matemática.

Sob esse viés, parto do princípio de que nós, mulheres negras, estamos ecoando nossas vozes e a despeito desse cenário, enunciando o protagonismo feminino negro. Não abro espaço para trocadilhos ou narrativas superficiais, tornar-se corpo-testemunha é ouvir e guardar memórias, marcas e historias. É tornar-se receptáculos de gestos codificados, ás vezes ressignificados. É transformar o corpo em tela, onde quem somos se manifesta, desafia, questiona e partilha diferentes visões – a visão do “outro” enquanto sujeito – mulher – negra.

Não, não aprendemos a falar. Fomos silenciadas e ainda somos, viver a itan gera a urgência de remover a “máscara do silenciamento” usada por Anastácia, hoje usada por tantas outras Marias. Bell Hooks descreve a transição do silêncio para a fala como um gesto revolucionário, que impõe um rito de passagem no qual a mulher negra deixe de ser objeto e se transforme em sujeito.

Escrever simboliza a ruptura da corrente, permite-me a produção e lugar de fala enquanto mulher negra. Nós, Marias estamos “marcadas”, Milton Nascimento nos recorda – “(…)Quem traz na pele essa marca (…)”. Entendam o feminismo negro não é aditivo de outros feminismos, não nos cabe a opção – de não ser, não existir.

Abdias do Nascimento, discute as questões raciais e a alusão às feridas. Feridas, que se exibem ao mais superficial olhar. Nos mulheres negras, somos asfixiadas todos os dias, apagadas, invisibilizadas e inferiorizadas. Não nos cabe ingenuidades, não somos todas iguais enquanto mulheres.

Assumo a premissa de que continuo/continuamos preta(s) após o dia 25, pasmem! sou e somos negra o ano todo e não responde a um momento determinado. Trago Bia Ferreira para essa prosa através da música – Não precisa ser Amélia, no auge da denuncia o grito ecoa e simboliza o #julhodaspretas: “Cê tem a liberdade pra ser quem você quiser / Menos preta, indígena / Não se apropria /Quer ser preta dia a dia / Pra polícia cê num é”.

Hoje é tempo de rememorar, cortar o tempo cronológico e eternizar momentos. Eis minha bricolagem.

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NOTA

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2 respostas

  1. Amei a leitura que você me enviou amiga @ Fabiana Silva, maravilhosamente precisa em cada palavra . Parabéns!!! Vou compartilhar já ….
    Axé 🪘pra quem é de Axé 🪘
    Amém 🙏🏽 pra quem é de Amém 🙏🏽
    Somos todos iguais , somos todos irmãos 👏🏽👏🏽👏🏽🌻🪘🙏🏽

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