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40 ANOS: VELHO PRA AQUILO E MUITO NOVO

Já repararam como somos tratados aos 40 anos? No Brasil, é como estar em um limbo social: velho demais para algumas coisas, novo demais para outras. É um paradoxo que revela as contradições de uma sociedade. Parece piada, mas é enlouquecedor. Não dá nem pra rir. É tipo você viver 40 anos se fodendo, tentando fazer tudo certo, e quando olha pro lado, percebe que ninguém tá pronto pra te acolher em lugar nenhum.

Quer mudar de profissão? Louco.
Quer se aposentar? Vagabundo.
Quer começar a faculdade? Vai estudar pra quê agora?
Quer arrumar um trampo novo? Já passou da idade.
Quer abrir um TikTok? Tá pagando mico.
Mas tem que saber mexer no aplicativo do banco, fazer Pix, comprar online, ficar atento nas fake news, votar certo, cuidar de filho, de mãe, de tudo. Tudo ao mesmo tempo. É uma exigência sem limite, irmão.

Agora, imagina ser mulher nisso tudo?
Aí é 10 vezes pior.
Mulher de 40 é julgada se casou, se não casou, se teve filho, se não teve, se trabalha fora, se não trabalha. Se apanha em casa, perguntam o que ela fez para “desencadear” aquilo. Se separa de um homem traste, a culpa é dela porque “não soube segurar o marido”.
É uma crueldade.
Uma sociedade inteira botando peso em cima de quem já carrega o mundo nas costas. E aí me perguntam por que tem tanta gente ansiosa, deprimida, explodindo aos poucos.

A real dos dados

Vamos falar de grana?
Hoje, no Brasil, quase 40% da população economicamente ativa vive com até 1 salário mínimo, segundo dados do IBGE. E salário mínimo hoje é R$ 1.412. Imagina viver com isso por 480 meses (40 anos). Daria cerca de R$ 720 mil — se você NUNCA gastasse um centavo, o que é impossível.
Mesmo assim, com R$ 720 mil acumulado em 40 anos (o que ninguém consegue), você não compraria uma casa digna em São Paulo hoje.

E sabe quantos brasileiros têm casa própria?
Menos de 65%, e isso somando casa própria financiada. Ou seja: uma parte enorme ainda tá no aluguel ou morando de favor. E quando você é preto, de quebrada, essa chance cai mais ainda.

Você acha justo julgar alguém que mora com a mãe aos 40?
Ah, mas o cara “não cresceu”, né? Vai ver ele sustentou a casa a vida toda. Vai ver a mãe ficou doente. Vai ver nunca teve oportunidade pra juntar nem 1 real. Vai ver ele foi pai cedo, perdeu o emprego, estudou tarde, cuidou dos irmãos, segurou a barra de meio mundo.
Mas não. Preferem achar que ele é só um encostado.

E a tal da faculdade?

A maioria da gente que tem 40 hoje saiu da escola nos anos 90 ou começo dos 2000. Naquela época, uma faculdade particular custava um salário mínimo inteiro, e o Prouni ainda nem existia. FIES? Só pra quem se enforcava de vez. E vamos ser sinceros: nas quebradas, a gente nem sabia direito o que era USP, FGV, essas porra toda.

Muita gente foi descobrir essas siglas com 30 anos. A informação não chegava. A internet era cara, limitada. O jovem preto, periférico, não sonhava com medicina, cinema, direito. Sonhava em não morrer na esquina, em ter um emprego com registro, em não ser confundido com ladrão.

Hoje, querem que a gente tenha diploma, inglês, Excel avançado, idade máxima de 25 anos, experiência de 10, carteira assinada e sem filhos. Me diz: ONDE VIVE ESSE POKÉMON?

Recomeçar é proibido?

Se você tá aos 40 querendo recomeçar, te olham torto.
“Agora que você quer abrir um canal no YouTube?”
“Agora que vai estudar roteiro, cinema, fotografia, moda, psicologia?”
“Vai virar influencer? Para, né?”

Mas qual é o problema de tentar? Quem botou essa data de validade no sonho dos outros?

Vou te contar: é a tal da meritocracia. Esse câncer que diz que quem tentou e não conseguiu, é porque não se esforçou. Como se “esforço” fosse remédio pra desigualdade. Como se o trampo pesado da quebrada tivesse as mesmas chances do estágio bem pago do filhinho de papai.

E enquanto isso, os ricos ganham herança, nome limpo, apoio familiar, redes de contato, imóveis, empresa do pai, terapia desde criança e ainda fazem textão dizendo que acordaram cedo pra correr no parque. Ah vá.

A contradição é o inferno

Aos 40, você é novo pra ser levado a sério e velho demais pra começar algo novo.
Você é novo pra reclamar e velho pra sonhar.
Novo demais pra aposentadoria e velho demais pra ser trainee.
É uma prisão.

Mas deixa eu te dizer: 40 anos é foda.
É quando você já não aguenta mais agradar os outros.
É quando a frustração vira coragem.
É quando o medo vira raiva.
E a raiva, se você canalizar bem, vira motor. Motor de mudança. Motor de vida.

Você pode começar agora, pode errar agora, pode tentar.
Você pode estar onde quiser.
Com 40 anos, você ainda tem energia, visão, força, cicatriz, história.
Você sabe quem é pilantra de longe.
Você sabe o que quer e o que não aceita mais.
Você pode dançar, cantar, jogar videogame, maratonar série, fazer terapia, cuidar do corpo, do espírito, da quebrada.
Você pode AMAR de novo. Você pode ser você. Pela primeira vez, talvez.

E se ninguém te aplaudir… aplaude você mesmo.

Aos 40, a gente precisa parar de pedir permissão.
A gente precisa se olhar no espelho e dizer: “Fiz o que deu, com o que tinha. E agora, vou fazer mais.”

Essa sociedade não quer ver a gente feliz.
Mas a nossa felicidade, o nosso recomeço, a nossa coragem de ainda tentar, mesmo com tudo contra, isso é um ato político, revolucionário, de resistência.
É um tapa na cara da meritocracia, do racismo, do machismo, da homofobia, do elitismo.

Então vambora.
Não somos velhos demais.
Não somos novos demais.
Somos exatamente o que precisamos ser. E ainda temos muita luta pela frente.

Texto: Solano.
Revisão e edição: Brenda Evaristo.

NOTA

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