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Luto: Alzira Rufino deixa um legado para a história das mulheres do Brasil, em especial, para as mulheres negras!

A intelectual negra morreu aos 73 anos de idade, no Hospital Ana Costa, em Santos\SP.

Por Eliane Almeida

Conheci Alzira Rufino em 2003. Fiquei sabendo que a Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos buscava por uma jornalista negra para fazer parte da equipe de comunicação da organização. Situada no bairro do Boqueirão, região nobre da cidade de Santos, a organização focada no bem viver de mulheres negras escurecia o bairro, predominantemente branco. Ocupava um sobrado lindo, pintado de coral, com um jardim à frente sempre florido e com muitas folhagens verdes. No espaço que seria uma garagem caso o sobrado fosse uma residência, havia cadeiras confortáveis onde se podia descansar e conversar com as meninas que atendiam sempre com um sorriso no rosto.

A primeira sala era repleta de mesas que serviam tanto de apoio para os materiais das aulas de turbante ou para as aulas de tranças. Em outros momentos, serviam de apoio para os livros e cadernos utilizados pelas professoras nas formações sobre educação antirracista. Aos finais de semana, essas mesmas mesas eram o local onde era servida a feijoada.

Ao subir as escadas era possível se deparar com réplicas enormes das fotos de Pierre Verger retratando pessoas incorporadas de diversos orixás em territórios que não se podia decifrar se eram em África ou em território brasileiro. Eram fotos do livro Fluxo e Refluxo que abriam o caminho até a biblioteca que ficava no andar de cima do belo sobrado.

A biblioteca abrigava quase mil livros. Muito antes da lei 10.639/2003, lei que torna obrigatório o ensino sobre cultura africana e afrodescendente em todos os níveis, a Casa de Cultura já formava professores em educação étnico-racial. Após a criação da lei, a Organização Não Governamental passou a se dedicar a divulgar a importância da lei e a criar atividades de nível nacional e internacional para formação de todas as pessoas que tivessem interesse, em especial professoras e professores negros.

Alzira Rufino era mulher das letras. A Revista Eparrei era a menina de seus olhos. Divulgava ali as ações da Casa, cobertura de eventos nacionais e internacionais. Fez a cobertura completa da Conferência de Durban, em 2001. Cobriu a festa de aniversário de 90 anos de Abdias Nascimento. Alzira Rufino escrevia suas poesias e era ali, na Eparrei, que soltava aos ventos sua mulheridade.

Ela foi além de seu tempo. Pioneira em várias frentes: tinha um olhar crítico em relação às violências vividas pelas mulheres negras e criou um núcleo jurídico para auxiliar aquelas que precisassem de ajuda para se afastarem de seus agressores. Havia também uma psicóloga para dar apoio a essas mulheres. A saúde era outra prioridade para Alzira. Enfermeira que era, teve um olhar sensível para a violência obstétrica e para os cuidados necessários a aqueles que são portadores da anemia falciforme.

Alzira Rufino fez parte da fina nata das mulheres negras que construíram o feminismo negro no Brasil. Ao lado de Lucia Xavier, Jurema Werneck, Edna Roland, Macaé Evaristo, Regina Adami, Olívia Santana, e tantas outras, construiu a base para a luta antirracista no país. Nos últimos tempos, Alzira Rufino andava reclusa. A não valorização do seu papel de formadora política por suas ativistas mais próximas, pois todas nós que ali atuamos saímos formadas, a deixava muito magoada.

Foi Alzira Rufino quem me apresentou a potência de ser mulher e fazer política. Política de verdade, para o povo negro, sem vinculações partidárias. As ações eram focadas na população negra. Aprendi ali as dores e as delícias de ser mulher negra. Aprendi que letramento racial é algo que se constrói e que permanece em construção.

Obrigada Alzira Rufino. Obrigada pelos ensinamentos, pelos estímulos e pelas iniciativas. E como você mesma disse um dia: resistimos. Sim! Eu, Mulher Negra, Resisto!!!

Uma edição onlime da Revista Eparrei!

NOTA

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