Por Profa. Hainra Asabi
“Sou Hainra Asabi Alves Costa, 41 anos, professora da rede pública do Estado de São Paulo, desde 2011. Mestre em sociologia pela Unesp. Mulher preta e travesti.
Venho suplicar a ajuda de dodes. Estou buscando formas de realizar minha cirurgia de redesignação sexual, popularmente conhecida como mudança de sexo.
Após inúmeras tentativas de acessar o ambulatório de pessoas trans e travestis da capital de São Paulo, o hospital das clínicas, sem sucesso ao longo de mais de três anos, pois alegavam que não há mais vagas nem para os primeiros atendimentos. Em conjunto com trabalhadores da saúde do município de Santo André e vários (as) ativistas, foi criado o Ambulatório do processo transexualizador do SUS do município de Santo André. Mesmo antes da existência do Ambulatório de Santo André, iniciei o acompanhamento com médico endocrinologistas na rede conveniada do IAMSPE em 2017, médico psiquiatra particular em 2017, médico psiquiatra da rede própria do IAMSPE e psicóloga particular. A própria resolução do conselho nacional de saúde prevê tratamento mínimo de 2 anos para pessoa trans e/ou travesti ser submetida ao procedimento cirúrgico de adequação sexual, conhecido popularmente como cirurgia de mudança de sexo. Fui incluída na fila de procedimento do SUS, que leva em média de 12 a 16 anos para realização do procedimento, que faz uma média de 12 procedimentos por ano. Mas sempre me pergunto, porque estou na fila do SUS, se tenho convênio médico?
Ciente da demora da realização do procedimento pelo SUS, em 2019 comecei a juntar dinheiro e meios para realizar a cirurgia na Tailândia. Fiz vaquinha, muita gente ajudou, fiquei surpresa, vendi os bens que tinha, mas veio a pandemia e como os fechamentos dos aeroportos ficou inviável. Quando li em um grupo do facebook, ao qual faço parte, de pessoas travestis, em específico, onde as meninas se organizam para trocar ideia, entre pessoas que querem e precisam fazer a cirurgia. Neste grupo de troca de informações: onde fazer o procedimento; quais os caminhos adotados por cada uma; a experiência que tiveram; como fazer o procedimento na Tailândia. Neste mesmo grupo havia várias meninas que fizeram suas cirurgias pelo convênio, aqui no brasil mesmo, onde temos vários especialistas renomados neste tipo de procedimento. Juntei tudo que tinha e fui tentar realizar a cirurgia pelo meu convênio, IAMSPE – Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual. Me pediram inúmeras informações, gatei o que tinha e o que não tinha, após a negativa do convênio entrei com ação na justiça, onde tivemos êxito.
Iniciamos com a ação na justiça no início de 2021, onde apresentamos laudo do médico endocrinologista, dois laudos de médicos psiquiatras, laudo da psicóloga, laudo da unidade de saúde pública do município de Santo André a qual eu estava referenciada. Busquei um escritório renomado e com experiência em ações contra convênios médicos, o Elton Fernandes Advogado especializado em saúde. Em 15/03/2022 o juiz do fórum de Santo André determinou que o IAMSPE, realizasse o procedimento cirúrgico. Em abril de 2022 inicia a segunda etapa da luta judicial, o cumprimento da sentença. Em 18/3/2023 o Juiz da 2º Vara da Fazenda do município de Santo André – S.P. Em maio de 2022 o juiz concede mais 15 dias para que o IAMSP realize o procedimento. Em vista do não cumprimento, em julho de 2022 e dado mais trinta dias, pelo magistrado, para que o convênio realize a cirurgia, prazo não respeitado. Em setembro de 2022, mais um prazo é concedido, desta vez de trinta dias, novamente não respeitado.
Em 09/11/2022 o magistrado concede três meses, em resposta ao pedido do IAMSPE, que apresentou inúmeras trocas de e-mail com o hospital da clínicas, referência no procedimento da cirurgia de ressignificação sexual. Passado em três mês a única resposta a qual o convênio foi capaz de nos dar foi “impossibilidade de dar prosseguimento junto ao HCFMUSP e da possibilidade de inclusão da paciente através do Ambulatório Integrado para Travestis e Transexuais, para que a mesma possa dar início ao acompanhamento.
Quando todos os critérios forem atendidos, a paciente será incluída na lista CROSS de pessoas “prontas”, com a definição da data para a primeira consulta pré-cirúrgica”. A resposta é um desrespeito a minha pessoa, por desconsiderar todo meu processo e busca por tratamento, um desrespeito a todos os profissionais que apresenta devidamente seus pareceres técnicos, um desrespeito a toda mulheres trans e travestis por supor que o único lugar que estas devem ser atendidas e o Ambulatório de São Paulo, um desrespeito a todas as inúmeras jurisprudência existentes, desrespeito ao conselho nacional de saúde, desrespeitos ao entendimento da ANS – Agência nacional de Saúde Suplementar. Desrespeito à pessoa humana, pois ao dar este tipo de resposta sem a mínima fundamentação, a mínima argumentação me sujeita ao lugar de não humana ou sub humana.
O escrito do Drº Elton Fernandes, vai apresentar esta semana nossa posição ao magistrado da 2º Vara da Fazenda Pública do município de Santo André. Onde vamos pedir mais uma vez que o IAMSPE seja obrigado a cumprir a determinação judicial de está fazendo um ano.
Não consigo mais encontrar palavras que sejam capazes de expressar o que estou sentindo, uma mescla de dor, raiva, sentimento de injustiça, impotência sobre minha própria vida e existência, mas um sentimento de busca por justiça gigante.”
Para saber mais sobre o caso leia matéria completa aqui!
Nota: Ageadecemos a Regina Lúcia, do MNU que nos apresentou mais um caso importante.
Imagem de capa: iStock
Nota2 : Não deixe de curtir nossas mídias sociais. Fortaleça a mídia negra e periférica. Clique aqui!