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Racismo e ditadura: a abertura dos arquivos do caso Robson Silveira da Luz

No dia em que o golpe Civil-Militar completou 58 anos, a resistência do movimento negro paulista escreve mais uma página de sua história. Após 43 anos da brutal tortura de Robson da Silveira da Luz – que resultou em sua morte-, o caso é objeto da Tese de Doutoramento de Lucas Scaravelli, pelo programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade de São Paulo. Os arquivos do caso nunca vieram a público, e foi no último 31 de março que os arquivos foram abertos para que Lucas desse andamento em sua pesquisa, fundamental para discutir racismo no judiciário paulista.

            O caso de Robson da Luz, foi o primeiro crime de tortura contra pessoa negra, ocorrido nos anos de chumbo, no qual os culpados foram condenados e a família indenizada. Se trata, portanto do primeiro caso em que o Estado de São Paulo reconheceu ter torturado e assassinado um homem negro inocente. Na época do crime, havia uma agitação do movimento negro por conta de toda violência policial contra pessoas negras,  e a morte de Robson foi o estopim para a histórica manifestação nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo. Momento no qual se originou o Movimento Negro Unificado-MNU, em 1978. Este ato é importante para dar visibilidade à página da história que conta a trajetória negra de resistência na Ditadura Civil-Militar. E por tal motivo, o desarquivamento contou com inúmeras lideranças negras, do movimento negro e demais movimentos sociais.

            Estavam presentes no ato de retirada do processo a viúva de Robson, Sueli da Luz, o advogado de acusação Celso Fontana  e entidades negras e do movimento social: Movimento Negro Unificado, Coletivos de Entidades Negras, Soweto Organização Negra, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil Guaianases, Instituto Diversidade Cultural Igbadu – INDICI, Coalizão Negra, Geledés e Marcha das Mulheres Negras/SP.

            O momento é muito importante por unir a velha guarda do movimento com a juventude negra que segue em busca de contar a história que ninguém conta: a nossa. Lucas está enfrentando a tarefa de ocupar a Universidade Pública para escrever um capítulo sobre o racismo institucional no Estado. Para José Adão de Oliveira, uns dos fundadores do MNU, o momento é histórico pois “é a oportunidade que nós estamos tendo de avançar no sentido de contribuição para as melhores práticas nas relações étnico-raciais, tendo como objetivo o bem-viver para todos. Inclusive, na relação com os agentes de segurança”. Parafraseando Charles Chaplin, Adão diz: “Vós não sois máquinas. Ou seja, os policiais não são máquinas de matar”. Adão ainda ressalta a força e a importância da presença de Sueli da Luz, que não “pirou” e seguiu por luta de justiça. Ele afirma que Sueli “representa todas as mulheres que perdem seus filhos e companheiros para a violência policial”. Adão também lembrou do ato de estudantes negros, na PUC/SP, contra a ditadura.

            Lenny Blue, uma das fundadoras do MNU, e integrante da Marcha de Mulheres Negras de SP, disse que “infelizmente, por meio desta morte aconteceu um novo tempo nas relações entre nós negros, pois foi um redemoinho de atos e posturas que reafirmam nossa luta por soberania e contra o racismo e o genocídio que nossos jovens enfrentam. Como advogada, ela diz que a importância desse caso não é a indenização, pois a vida não tem preço. Para ela, “a importância é a reparação moral e política. É o Estado reconhecer o racismo, pois ele está assumindo isso quando paga”.

            O advogado assistente de acusação, Celso Fontana, esteve presente e declarou sua emoção em estar mais uma vez ao lado de Sueli, viúva de Robson. Para ele o caso é uma bárbara sessão de tortura e morte. Fontana contou que depois da sessão de tortura, os policiais acharam que Robson estava morto e o levaram para o hospital. Mas ele ainda estava vivo, e, com dificuldade, contou à família que ele tinha sido torturado pelos policiais. E graças ao esforço do Carlos Cardoso – outro advogado de acusação dos policiais – e dos familiares, houve uma persistência em organizar a acusação contra os policiais. Eram dois investigadores e um delegado de polícia. Os três perderam o cargo, foram condenados, mas eles não foram presos, sumiram. Celso Fontana diz que quem trouxe a  discussão de racismo para o caso, foi o Movimento Negro, não foi uma sustentação da acusação dos policiais. Ele afirma que o Movimento Negro foi protagonista na busca por justiça para Robson.

           Lucas Scaravelli compartilhou as dificuldades que teve para acessar os arquivos do caso.  “Foi bem difícil acessar aqui, eles não querem que a gente entre aqui. Não querem pessoas pretas que querem organizar e contar a nossa história pela nossa própria voz, né? A gente conseguiu desarquivar com a ajuda dos advogados do caso, e com o apoio da militância do movimento social negro.” Ele ainda completa que esse arquivo não estava aberto e quando não se tem acesso ao quantitativo de pessoas negras que foram assassinadas na ditadura, não é possível contar a história de resistência negra à ditadura. “Temos que mudar isso, pois nós sabemos quantos brancos de classe média foram mortos e suas memórias são lembradas – e todo respeito à dor deles – mas a nossa história não é contada, nossa resistência à ditadura não é contada, precisamos ter nossas memórias desse período da história”, explica.

Perguntado sobre a tarefa de continuar na luta contra o racismo do Estado, Lucas diz que o bastão foi passado para sua geração. “O movimento negro existe desde de Palmares, mas é importante nossa geração saber que a reorganização do movimento negro na ditadura  é o que possibilitou a nossa entrada na universidade hoje, então estar aqui pesquisando esse tema, é uma saudação aos nossos mais velhos”, diz Scaravelli.

Além de fotos com as cópias do processo, houve palavras de ordem e comemoração da abertura dos arquivos. Foi entoado hino pelos presentes onde se bradou “Por mais que não conte a história, não esqueço meu povo. Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo”.

Em meio a emoção do momento, nossos Griots deixaram um recado para a nossa geração. Lenny Blue disse estar muito orgulhosa. “você são mentes brilhantes e nos ensinam muito. Estamos no caminho certo e é importante que estejamos de mão dadas. Que a gente não permite que outras pautas nos separem”, disse ela emocionada. Sueli da Luz pede aos presentes que nunca abaixem a cabeça diante da violência e do racismo. Já José Adão de Oliveira fala da necessidade da manutenção da memória dos acontecimentos históricos. “Contem a nossa história, usem as ferramentas da Universidade para poder reescrever o livros das páginas de História”.

NOTA

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