A utopia de que a internet é um espaço livre e democrático se transformou em um pesadelo de agressões, publicações indigestas, desinformação, fake news, acesso fácil a imagens e notícias aterradoras, sensacionalismo e as mais absurdas mentiras e difamações.
Não estou aqui dando uma de moralista e tenho horror a essa bandeira de defensora dos bons costumes. Contudo aquela ideia linda das múltiplas vozes, onde a democracia e a liberdade imperaria com borboletas e fadas voando, não se cumpriu.
Esse cenário se transformou em um problema para empresas como Google, Facebook, Twitter e YouTube, que apresentam a liberdade de expressão e a segurança nas redes sociais como valores que orientam suas políticas. Contudo os critérios dos algoritmos que regem esse mundo são confidenciais e os protocolos e critérios de segurança totalmente alheios aos seus usuários. Para amenizar a situação, as grandes empresas contratam terceirizados responsáveis por manter ou apagar conteúdos suspeitos de serem ofensivos, violentos, pornográficos ou que propaguem discursos de ódio.
Além de alertar sobre os problemas acima colocados, o jornalista, cientista político, professor de comunicação social e pesquisador do Escritos, Juliano Borges, faz uma análise profunda sobre estes trabalhadores responsáveis pela faxina. Juliano remete ao documentário The Cleaners, (2018), produção brasileira e alemã dirigida por Hans Block e Moritz Riesewieck, linkado em seu texto, para discutir a situação.
Os faxineiros da net são pessoas que trabalham em situação precária, com salários muito baixos, sob sigilo absoluto sobre os critérios que as empresas oferecem para a filtragem e sobre grande pressão. Os trabalhadores desta área são obrigados a analisar 25 mil imagens e vídeos por jornada de trabalho, como meta diária.
De acordo com Juliano eles são “submetidos diariamente a conteúdos extremos como decapitações, linchamentos, automutilações, estupros coletivos, ciberbullying, bombardeios e explosões em cenários de guerra, pedofilia e toda sorte de discursos racistas e de ódio contra imigrantes e minorias”. As consequências são perturbações psicológicas graves que acarretam depressão e suicídios, danos ignorados pelas empresas em favor de uma internet mais “segura”.
Borges ainda chama a atenção para a subjetividade envolvida neste trabalho. A filtragem vai ser afetada pela cultura, orientação sexual, política, religiosa do “faxineiro”. Postagem são banidas por uma moralidade suspeita, como um nu artístico ou como no caso da postagem do Ministério da Cultura (Minc) por ocasião do lançamento do Portal Brasiliana Fotográfica.
A foto de um casal indígena na qual uma índia aparecia com os seios de fora foi banida causando um mal estar internacional e diplomático. A resposta da assessoria de imprensa da rede social foi “Não é fácil encontrar o equilíbrio ideal entre permitir que as pessoas se expressem criativamente e manter uma experiência confortável para a nossa comunidade global e culturalmente diversa”, disse em nota a assessoria de imprensa da rede social”.
Juliano pergunta, “A questão que se segue dessas constatações é: o que então é permitido permanecer nas redes?”
“Discursos xenófobos, racistas ou informações deliberadamente falsas que estigmatizam ou acusam minorias podem ser admitidas nas redes sociais, amparadas pela primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos. Em países como Mianmar, as conseqüências objetivas dessa opção liberal têm sido a legitimação do genocídio de rohingyas.
Linchamentos motivados por histeria coletiva e acusações infundadas têm se tornado cada vez mais frequentes devido à circulação de boatos em contextos tão distintos como México e Índia. (…) Isso expõe diretamente a hipocrisia das políticas de conteúdo das gigantes tecnológicas: apagam imagens de mamilos, mas permitem a circulação de falsas teorias conspiratórias e discursos de ódio, frequentemente impulsionando sua visibilidade.”
A desinformação circulante nesses espaços tem afetado eleições em países como Reino Unido, Estados Unidos, Hungria, Polônia, Brasil e nas Filipinas. “Facebook e Google lucram com a comercialização de dados obtidos de seus usuários, extraídos de seus movimentos em plataformas sociais como Instagram e Youtube” denuncia o jornalista.
Textos como o de Juliano Borges (http://escritos.ibict.br/faxineiros-da-internet/) e filmes como The Cleaners e Brexit, tem chamado a atenção para estas distorções informacionais de nosso tempo.
Eu como jornalista e pesquisadora do assunto tenho estado muito preocupada com isso e tenho buscado em minhas pesquisas e textos acadêmicos caminhos possíveis para resistir a essa realidade.