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Eu, o cupim, o joão-de-barro, o castor e a vespa

Vivemos em uma selva de concreto, construída artificialmente, com muito pouco contato com a natureza e muitos materiais industrializados que depredam e poluem a natureza. Além disso, jogamos nossos dejetos nos rios, mares, lixões e ruas, como se nenhum destes lugares fizessem parte do nosso ambiente.

Tudo isso faz parte do que os homens chamaram de evolução. Dominar o planeta e explorar a terra foram objetivos perseguidos até as últimas consequências, sem a preocupação com os resultados que se apresentavam e nos afetavam. Ainda na Idade Média, a sujeira humana alimentou ratos e gerou a Peste Negra que dizimou 1/3 da população europeia e causou cheiro insuportável em Veneza e no rio Sena, na França. Queimadas, mineração, poluição de todo tipo, depredação da natureza, ilha de plástico, extinção de animais, tudo muito normal para o poderoso Homem. Mas e as consequências dessa postura?

Estamos vivendo adoentados, fragilizados, com carência vitamínica, alergias, doenças, sentindo calor demais e frio demais, entre muitas outras reações. Mais que isso, somos escravos de um sistema que nos vende tudo: casa, comida, saneamento, água, vida.

Como falei, nas edições anteriores, a Permacultura é a busca de um equilíbrio com a Natureza. Mas o que isso tem a ver comigo, o cupim, o joão-de-barro, o castor e a vespa? A maneira de bioconstruir nossas casas.

A Bioconstrução é uma maneira de construir na qual a preocupação ecológica está presente desde a concepção do projeto. A ideia é construir sua casa utilizando materiais naturais, reciclados, do entorno e que não agridam o meio ambiente, sempre que possível, com suas próprias mãos participando do processo. A ideia é conceber a casa em harmonia com o ambiente, aproveitando as características do local, pensando em projetos que aproveitem a luminosidade, a topografia, os ventos e com o menor impacto possível, ou seja, cuidando de seus resíduos e reciclando-os, em um circuito virtuoso e sustentável.

Terra, pedras, palha, bambu e madeira são matérias-primas desse tipo de construção. Obviamente, no caso de madeiras, damos preferência à reutilização de madeiras, madeiras de fácil renovação ou madeiras certificadas. Toda bioconstrução também pode ser reciclada. Por exemplo, ao derrubar uma casa bioconstruída, a terra, as pedras, madeiras e palha podem ser reutilizadas em outra construção ou em outra parte do circuito fechado, como no caso da palha na compostagem.

O Ministério do Meio Ambiente disponibilizou a cartilha “Curso de Bioconstrução” com a finalidade de “estimular a adoção de tecnologias de mínimo impacto ambiental nas construções de moradias ou equipamentos turísticos comunitários, por meio de técnicas de arquitetura adequadas ao clima, que valorizem a eficiência energética, o tratamento adequado de resíduos, o uso de recursos matérias-primas locais, aproveitando os conhecimentos e saberes gerados pelas próprias comunidades envolvidas”. A cartilha usa linguagem fácil, desenhos e é bem didática.

Ainda na cartilha é defendido que “a construção de um ambiente sustentável traz autonomia às comunidades. Uma comunidade com autonomia é aquela que tem a capacidade de satisfazer as suas próprias necessidades sem depender de grupos ou pessoas de fora da comunidade.” A intenção da cartilha é ajudar comunidades de locais de ecoturismo e assentamentos rurais a utilizarem estas técnicas e desenvolverem consciência sustentável e autonomia comunitária.

A Bioconstrução recupera as técnicas vernaculares de construção, associando-as às tecnologias sustentáveis da contemporaneidade. Essas técnicas, geralmente, diminuem gastos com transporte e fabricação, construindo com custo reduzido, baixo impacto ambiental, tratamento de resíduos, um excelente conforto térmico e consideram e se adequam às características locais.

A água é um recurso valioso e muito respeitado na Bioconstrução, desde sua captação em minas, mananciais, rios, fontes, sistemas de abastecimento ou chuva, até sua reutilização sempre pensada e presente. Não existe desperdício de água e por isso alguns Bioconstrutores utilizam o sanitário seco, que não usa água e nos quais as fezes e urinas são compostadas e viram adubo.

A Bioconstrução permite a criatividade e adequação da moradia às necessidades de seus habitantes. Desta maneira, as formas, o tamanho, as divisões, os aspectos térmicos e as funcionalidades podem ser customizadas. Um exemplo disso é a questão térmica. Nas regiões mais quentes serão aplicadas técnicas de construção e ventilação que permitam um ambiente interno mais fresco e arejado. Já nas regiões mais frias, as técnicas irão conferir um tipo de isolamento que mantenha o calor dentro da residência. Nas duas situações o custo com eletricidade, e outros tipos de aquecimento, é reduzido.

Na Bioconstrução os resíduos são considerados recursos. O lixo orgânico da cozinha vai para a composteira, pode ir para o minhocário e depois aduba a horta onde os alimentos são produzidos, voltando para a cozinha e recomeçando o ciclo. O mesmo acontece com o esgoto e águas de pias, ralos e chuveiro (águas cinzas). O esgoto é tratado em sistemas de biodigestores, que geram gás (que pode ser utilizado para cozinhar), depois são filtrados em caixas de passagem (podendo também ser usadas como adubo) e por fim, se juntam às águas cinzas em um sistema de evapotranspiração ou circulo de bananeiras. O esgoto também pode ser tratado por um sistema de filtragem, filtragem por raízes e evapotranspiração, ou ainda voltar para horta como irrigação. Novamente fechando o ciclo em um circuito fechado.

Além disso o uso da energia solar, eólica, de calefação ou das águas, também podem ser utilizadas nas casas para aquecer a água do banho, acender lâmpadas ou até suprir toda necessidade de energia da casa. Por exemplo, o fogão a lenha pode ser construído para, além de cozinhar, aquecer o ambiente e esquentar a água do banho.

Muitos tipos de Bioconstrução utilizam a terra como principal recurso, por isso falamos que sempre precisamos de um bom chapéu (telhado) e uma boa bota (fundação). Exatamente por serem de terra, as paredes “respiram”, trocando umidade e calor com o meio externo, por isso são mais saudáveis, mais térmicas, não costumam dar mofo e geram conforto.

Vou apresentar alguns tipos de Bioconstrução.

Foto: Casa ecológica na Bahia – Irina Biletska
  • Superadobe e Hiperadobe: esta técnica consiste no empilhamento e compressão de sacos com terra. Foi criada pelo arquiteto iraniano Nader Khalili, pensando em construções que pudessem ser feitas na lua e na Terra. Como materiais utiliza sacos de ráfia (em rolo ou sacos individuais reaproveitados), arame farpado e terra local sobre uma fundação de pedras ou concreto. Normalmente utiliza bastante terra, mas, por isso mesmo, é bem rápida e barata. Ela confere um isolamento térmico muito bom, por ter paredes grossas e as casas podem ter formatos arredondados ou mais retos.

Casa em adobe
  • Adobe: é um material de construção muito antigo e ainda pode ser vista em muitas construções do tempo Colonial, como em Ouro Preto e em todo Brasil. Ela é feita com tijolos de barro e palha moldados que secam naturalmente, sem serem cozidos, como o tijolo das construções modernas. Confere excelente conforto térmico. Esse tipo de construção precisa de formas (que podem ser de metal ou madeira), areia, argila e palha para os tijolos. É preciso calcular quantos tijolos serão utilizados e fazê-los com antecedência, pois precisam de, no mínimo, 10 dias para secarem, sendo virados a cada dois dias.
  • Adobe de palha: Esta técnica é parecida com a anterior, contudo utiliza mais palha e menos areia e argila. As formas são maiores e os tijolos ficam mais leves, mas o uso de mais palha é mais adequado para regiões secas, inclusive as mais frias. Confere ótimo isolamento térmico.

“Cob Cotage”, situada em Mayne Island, Canadá
  • Cob: Essa técnica remete à esculturas em barro e permite soltar a criatividade. A tradução da palavra inglesa Cob é maçaroca. Nessa técnica argila, areia e palha são misturadas e moldadas com as mãos em bolas que vão sendo empilhadas, permitindo formar paredes e mobiliário com formas e detalhes variados. Nesta técnica a imaginação é que manda.

Taipa de mão feita pelo Atelier Arquitetura com Terra
  • Taipa de mão: também chamada no Brasil de sopapo ou pau-a-pique. Nessa técnica a estrutura da casa é feita com madeira ou bambu, formando os vãos e estruturas das portas, janelas, paredes e telhado. O telhado é montado e depois as paredes são montadas por uma trama de galhos, madeira ou bambu, que é preenchida com argila ou uma mistura de argila, areia e palha (que dá mais resistência e menos trincas). Esperamos secar e fazemos mais uma camada, desta vez sem a palha para tapar as trincas (reboco grosso). Por fim, em uma terceira camada damos o acabamento com uma mistura mais fina de argila e areia (reboco fino). Não pense que esta casa vai ficar com aquela aparência das fotos nos livros que falavam dos barbeiros. Atualmente essa técnica tem sido usada em diversas residências, até nas cidades. Ela também guarda as vantagens térmicas da terra, é relativamente fácil, rápida e bem barata, se forem usados materiais locais.

Taipa de pilão feita pelo Orlando da Família D’Terra
  • Taipa de pilão: é uma técnica bastante antiga e muito utilizada no mundo inteiro e no Brasil colonial. Nessa técnica a terra é socada com um pilão dentro de uma forma de madeira ou metal, chamada de taipa. A terra é aplicada em camadas e pilada até ficar bem firme e encher a taipa. A taipa é solta e a parede é deixada para secar, para depois ser feita outra camada. Normalmente as camadas são de 10 a 15 cm e a taipa vai subindo a cada 50 ou 60 cm, podendo, em alguns casos, ser de metro em metro. Essa paredes podem ser feitas toda de uma única cor ou variar os tons de terra formando uma parede mais colorida.

Solocimento na nossa Vila Sercópia
  • Solocimento ou Tijolo Ecológico: é um tijolo cru, feito de argila, cimento e água (pode conter areia) e prensado um a um em uma prensa modular que molda cada tijolo. Os tijolos devem ser umedecidos no mínimo 3 vezes ao dia, por 7 dias e depois deixados secar. Eles funcionam e aparentam como os tijolinhos maciços cozidos, mas são crus, e por isso considerados mais ecológicos porque não passam pela queima. Alguns deles possuem encaixes que facilitam a montagem das paredes, mas precisam ser usados inteiros ou ao meio para um bom encaixe e acabamento, então as paredes já devem ser projetadas pensando no tamanho dos tijolos. São colados com argamassa em uma mistura específica.

Parede de fardos de palha antes de emboçar by Buidnaturaly
  • Fardos de palha: Essa técnica protege a casa do frio e calor, uma vez que suas paredes são grossas e têm camadas de ar dentro. É uma construção rápida e barata. A palha é um resíduo abundante em alguns lugares, como plantações de trigo. Nessa construção a fundação precisa isolar os fardos de palha do chão. Os fardos são empilhados e amarrados uns nos outros e em estacas, bambus ou canos, que montam a estrutura da casa. Estas paredes precisam receber um reboco de terra muito bem feito, vedado, para isolar a palha e evitar qualquer infiltração. Ela também pode ser construída entre uma estrutura de madeira e amarrada também nesta estrutura.

Para Bioconstruir

É preciso desenvolver ou resgatar o conhecimento, por isso, apostilas, cartilhas e cursos são oferecidos. Falaremos destes recursos de aprendizagem mais adiante, mas, se quiser, recorra a cartilha do Meio Ambiente.

Bioconstruir é empoderador e algumas técnicas permitem construir solo, em mutirão ou com profissionais. Para nós mulheres, construir nossa casa é uma sensação indescritível, porque a maioria de nós foi criada com um grande tabu em relação à construção. Posso falar por mim que tem sido uma experiência incrível. Mas vamos trazer outras mulheres para falar dessa experiência em breve.

Na cidade ou no campo, na construção ou na reforma, bioconstruir é uma atitude realmente sustentável e uma mudança de paradigma na nossa relação com o meio ambiente, com os recursos, com as outras pessoas e conosco.

Seguimos nessa jornada com vocês.

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