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Essa matéria, assim como tantas outras, nasceu de um cenário de ideias e ideais sobre o lugar e não lugar da mulher negra, meu lugar, seu lugar, nosso lugar. Me rasgo, me remendo e supero o discurso de que o domínio intelectual é um lugar proibido para nós, mulheres negras. Éramos e ainda somos consideradas: “só corpo, sem mente”.

Somos um corpo com mente, um corpo expandindo consciência e liberdade,  que é do tamanho das percepções de uma vida. Questionamos o casamento como instituição, a maternidade com destino obrigatório e a imagem construída pela sociedade que nos aprisiona na posição de passividade.

O disparador deste debate é a resiliência, onde tudo se contagia com vozes e palavras que ganham repercussão. Ao escrever, deparo-me com o desafio de me construir e interrogar e concordo com Sueli Carneiro, que diz: “ser uma mulher negra é mesmo uma sensação de asfixia social”. Visto que “nosso defeito de cor”, decide onde vamos nascer, como vamos viver, quais serviços vamos acessar e a forma como vamos morrer, ou seja, ser negra é receber dupla carga de preconceito, pelo somatório da cor e do sexo.

Debates a partir da ótica das mulheres negras, sobre o lugar e o não lugar; ser mulher e ser negra; ser e estar na base de todas as pirâmides sociais; a desumanização; a violência e o apagamento da sua existência, geram novas perspectivas e levam ao processo de descolonização do olhar, do outro.

Sob os múltiplos olhares, saímos da base e mostramos que não temos interesse só em elaboração, mas em mudar o mundo. Essa mudança não vai acontecer só escrevendo ou teorizando. As minhas e suas reflexões, nascem dessa experiência de urgência de uma transformação. Somos advindas do barro, bititas, confluência de corpo e pele, seres pensantes e questionadores. Questionamos  o que significa essa intelectualidade e o que é ser intelectual.

Recordo-me do famoso caso de uma professora de filosofia da USP, que respondendo ao censo disse que sua cor era NEGRA. Foi, então, prontamente contrariada pelo seu entrevistador que reagiu: “- ora, muito bem a senhora é professora universitária ou muito bem é negra. Os dois juntos… não pode ser”!.

Ser mulher e negra é trabalho hercúleo, onde somos força motriz, fortalecendo nossas múltiplas existências coletivas num diálogo onde só podemos mudar aquilo que nomeamos. É o nome em questão é epistemicídio. A principal referência do tema no Brasil é a filósofa Sueli Carneiro, que descreve, em sua tese de doutorado (2005), que o epistemicídio é a representação do racismo na produção intelectual, responsável por negar a capacidade dos povos não brancos de produzir saber. Uma das faces mais cruéis do genocídio negro.

Fica claro que, conversa que não se transforma em ação é só conversa. Criamos um canal de diálogos geracional, para além do ato de denunciar, mas de REAÇÃO. Este canal, programa Sobre Tudo (@sobretudo.programa), o qual sou apresentadora, discute se estamos sendo resilientes ou subserviente. Não se trata de saber o que as pessoas falam, mesmo porque estão falando em público, sem segredo nenhum. Se trata de saber o que fazem e, mais que isso, de saber quem faz o quê.

Falamos sobre violência, vivência, sobrevivência da mulher negra, dos seus feitos, sejam lá quais forem e da sua emersão como ícone de transformação. Feitos são deixados de lado e até banidos de alguns ciclos de conhecimento, principalmente acadêmicos, ocasionando a perda de memória do movimento de mulheres negras. Estas, organizadoras primárias e sustentáculos dos movimentos, segundo Angela Davis.

Insisto na necessidade de romper a bolha. Quando nos fechamos em bolhas, falamos sempre para as mesmas pessoas, ouvimos apenas quem pensa de forma parecida e aplaudimos a nós mesmos. A ruptura nos multiplica em corpos que não inventaram a roda, mas que estão em movimento, que dançam em roda para reverberar a ancestralidade. Corpos que quando inseridos nesta roda, realizam construções diárias e quebram o silêncio.  Não há negação frente as diversas verdades existentes, de tal maneira que mesmo que venham tampar os ouvidos, vozes que urgem serem ouvidas, um eco, um grito, NEGRA SIM, E DAÍ!.

O nome em questão é Lélia Gonzáles

Lélia Gonzalez, para não esquecer! | by Rodadas | Medium

Lélia, uma intelectual, política, professora e antropóloga brasileira, grande nome dos primórdios da luta feminina negra no Brasil na década de 80. Precursora em acrescentar à condição da mulher brasileira o marcador de raça. Sua atuação intelectual e política, a levou a ser integrante da primeira formação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), criado ainda no governo de José Sarney (1985).

A obra de Lélia parece pequena, apenas dois livros completos, entre os quais se destaca Lugar de negro, em coautoria com Carlos Hasenbalg, e um punhado de artigos. No entanto, o legado imateral é imenso.

O nome em questão é Luiza Bairros

Referência do feminismo negro, socióloga e ex-ministra da Secretaria da Igualdade Racial. Encarou o desafio de ocupar os espaços de poder e auxiliou na implementação do Estatuto da Igualdade Racial. Também ajudou a desmistificar o mito da democracia racial (que impedia avanços nas políticas públicas) e foi uma das primeiras a denunciar o genocídio da juventude negra, ainda hoje vigente e se agravando.

Com uma consistente formação acadêmica, fez de seus conhecimentos uma ferramenta para fortalecer a luta pela igualdade racial, tanto na esfera do poder público como através de sua militância no movimento negro e feminista.

O nome em questão é Victoria Santa Cruz

Cantora, poeta, coreógrafa e desenhista peruana, que dedicou a vida na difusão da cultura afro-peruana. Em um combate contínuo ao racismo, tornou-se uma das poucas mulheres latino-americanas negras a lecionar na Universidade Carnegie Mellon nos Estados Unidos.

Seu nome é muito associado ao poema Me gritaron negra. O poema cantado recusa a rejeição social dirigida às pessoas negras e aborda o difícil processo de auto aceitação enquanto pessoa negra, os meios de comunicação propagam um ideal de beleza branco. Victoria nos organiza, oferecendo duas posições: uma no coro ou, outra, na escuta.

O nome em questão é Nina Simone.

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Cantora. Compositora. Pianista. Mulher. Negra.  Nina, me inspira e indica que não basta o “pranto, a dor ou a revolta”, nos convida ao processo de transcender: TRANSCENDAM, SAIAM DOS SEUS LUGARES COMUNS!

Nina Simone, Eunice Kathleen Waymon, cresceu em compasso com os conflitos raciais, transformou sua arte em política, tornando-se ativista, um símbolo de expressão dos direitos civis e da luta do movimento negro. Afirmava: “Eu podia cantar para ajudar meu povo e isso se tornou o principal esteio da minha vida. Nem o piano clássico, nem a música clássica, nem mesmo a música popular, mas a música dos direitos civis.” e “Eu te digo o que a liberdade significa para mim: Nenhum medo! Realmente nenhum medo”.

O nome em questão é Rosa Parks.

Rosa Park, ativista negra norte-americana, símbolo do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.  Em 1º de dezembro de 1955, recusou-se frontalmente a ceder o seu lugar no ônibus a um branco, tornando-se o estopim do movimento que foi denominado boicote aos ônibus de Montgomery e posteriormente viria a marcar o início da luta antissegregacionista.

Ela disse: “Alguns dizem que não me levantei só porque estava cansada, não é verdade. Eu não estava fisicamente cansada, ou pelo menos não mais do que depois de qualquer outro dia de trabalho. Mas eu estava cansada de desistir”. Homenageada diversas vezes, em sua vida pela importância de sua atuação na defesa dos direitos da comunidade afro-americana e na sua luta contra o racismo.

O nome em questão é Angela Davis

Angela Davis in Brazil: The right to live is a basic right | English

Mulher, negra, feminista, marxista, intelectual, ativista que se tornou um dos principais nomes da luta antirracista, luta pelos direitos civis, abolicionista penal e do feminismo negro. Apesar de pedir que o protagonismo dessas lutas não seja personificado nela, Ângela reconhece que a sua trajetória no passado a tornou uma referência mundial quando o assunto é mulheres, raça e classe.

Reconhecemos que não pode haver nenhuma democracia sem a participação plena das mulheres negras. “Quando as mulheres se movimentam e se engajam em prol da liberdade, elas nunca representam a si mesmas sozinhas, elas representam todos que são membros de suas comunidades”, defende Davis, que cita sua famosa frase: “Afirmamos que quando as mulheres negras se erguem, o mundo inteiro se ergue conosco”.

O nome em questão é Carolina Maria de Jesus.

Carolina de Jesus » Recanto do Poeta

Moldada no barro que originou toda a sua família, barro da cor de bitita – palavra originária do termo feminino “mbita”, da língua xichangana, falada em Moçambique, ou “bita”, em corruptela, que significa “panela de barro”, induzindo a pensar que, como atesta o Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, o “diminutivo feminino singular desse termo gera a palavra “bitita”. Logo, “bitita” (apelido de infância da escritora) é, portanto, designativo de algo vindo do barro, cuja cor é ocre ou preta.

Era mineira e mudou-se para São Paulo, onde vivia em condições precárias na extinta Favela de Canidé, catadora de latinhas e papelão, no pouco tempo que sobrava ela se dedicava a escrever sobre a sua vida. Descoberta por um jornalista, seus textos ganharam o jornal Folha da Noite (versão noturna da Folha de S. Paulo), seus escritos ganharam forma e viraram o livro “Quarto de Despejo – Diário de uma favelada”, se tornando um best seller, traduzida em 16 idiomas e vendido em mais de 40 países.

Carolina Maria de Jesus tem sua jornada associada à desordem social, pois não aceita para si o rumo de vida orientado pelos outros, força a porta, besunta o corpo de coragem e ousadia, se reescreve. Sua literatura traz o dom da revolta e da revolução,  sai da condição de “iletrada” para escritora; da condição de invisibilidade para a fama. Sua literatura descoloniza olhares.

A produção dessas mulheres feministas negras é vasta e percorre um grande número de autoras não esmiuçadas aqui por falta de espaço. Dentre elas, podemos citar Sueli Carneiro, Beatriz Nascimento, Jurema Werneck, Edna Roland, Conceição Evaristo, Cidinha da Silva, dentre tantas.

“Quando as mulheres negras se rebelam, o mundo se rebela conosco”, que comece a REBELIÃO.

NOTA

Não deixe de curtir nossas mídias sociais. Fortaleça a mídia negra e periférica

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7 respostas

  1. Que leitura inspiradora, potente Fabi! Vida longa a nós mulheres negras que sabe a responsabilidade de manter viva toda nossa ancestralidade em meio a lutas dores e sabores. Adorei a matéria, guardar para sempre que me sentir frágil revisitar e revigorar .

  2. Lendo , refletindo e entendendo ;
    Sinto orgulho em saber que dentre tantas Mulheres que lutaram por direitos roubados , você mantem viva a chama da esperança de um sistema igualitario e respeitoso para nossas guerreiras de cada dia . A luta continuará, sabemos disso .Porém temos a certeza que a cada dia estamos mais fortes pois temos pessoas como você que nao deixará essa chama morrer .

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