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Milton Gonçalves, um desbravador das causas negras na arte brasileira

A morte de Milton Gonçalves para mim aconteceu no momento em que ele teve o seu AVC em 2020, ali já sentia que ele já tinha ido para um outro plano.

Queria salientar três momentos de Milton que de fato marcou a existência dele para a nossa causa e nos fazem eternamente gratos a ele, em 1975 Janete Clair, a maior novelista de todos os tempos o chamou para fazer a novela Pecado Capital e o mesmo aceitou, mas pediu um favor com a sua sabedoria de lutador engajado; Milton queria fazer um papel que não diminuísse como negro, ele não queria ser um bandido ou empregado doméstico, Janete então criou para Milton o Doutor Percival, um medico renomado internacionalmente em psiquiatria na clássica novela Pecado Capital.

Em 1981, Milton fez o personagem Otto (vejam que ousadia, um nome germânico) que era casado com uma mulher branca, Letícia (Beatriz Lyra) em Baila Comigo, só que Milton era muito cobrado pelos negros na rua, pois ele era casado, mas nunca tinha uma cena romântica com ela, nem um selinho ao menos. Sabendo dessa frustração de Milton, Beatriz teve uma empatia impressionante e numa cena simples, sem combinar com ninguém tascou um beijo em Milton em cena para de fato ter uma representatividade em um casal inter-racial, a cena foi rodada com o beijo e foi marcante, mas Beatriz dias depois foi criticada nas ruas por racistas pelo beijo, tempos difíceis…

Em 1985 Milton interpretou o promotor público Lourival Prata, em Roque Santeiro e aparecia na cidade de Asa Branca para prender o coronel Sinhozinho Malta (Lima Duarte) e o promotor ouvia de Sinhozinho várias ofensas racistas durante a novela, de uma forma odiosa e criminosa, aquilo me marcou demais, pois o promotor ficava de cara erguida e atuante e consegue num determinado momento prender o famoso coronel.

Milton fez outros maravilhosos trabalhos em Mandala sendo deputado filho de Grande Otelo, ou ainda o histórico Pai José em Sinha Moça além de ter conseguido se tornar protagonista no final da carreira como o Papai Noel no especial Juntos a Magia Acontece de 2019, mas a maior contribuição que Milton fez para o país reflete na frase de Lázaro Ramos dita ontem em seu enterro: “eu queria ser ele”.  Todos de fato queriam ser como Milton, um desbravador, um gênio do seu tempo.

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