O DONO DO MORRO, A MOTO, A PISTOLA E O “BICHO FEROZ’
Jorge Luís dos Santos, 32, conhecido como Jorge Luís de Acari ou Jorginho de Acari, apontado pela polícia como líder do tráfico de drogas no complexo de favelas de Acari, na zona norte do Rio, na década de 90, é uma das personagens que protagonizaram a história estrutural do Rio de Janeiro nas últimas décadas. Jorge Luís foi encontrado enforcado em sua cela, no Rio em 96 após ser preso dois dias antes em Salvador (BA), onde até então vivia confortavelmente em um condomínio de casas em Salvador.
Na época da morte, como eu disse, no ano de 1996, o diretor do ICE (Instituto de Criminalística Carlos Éboli), Mário Bonfatti, disse que tudo indicava que Jorginho havia se matado, já que segundo a mulher de Jorge Luís, Márcia, também conhecida como musa de Acari, ele já havia tentado se suicidar algumas vezes, sendo a última tentativa cerca de três anos antes da morte de fato.
Os policiais relataram que o traficante foi encontrado enforcado com sua camisa em cela individual da Divisão de Recursos Especiais da Polícia Civil, na Barra da Tijuca, por volta das 5h30 da manhã.
Jorge Luís de Acari que era conhecido em todo o Rio como o líder do crime organizado naquela região, tinha acusações de sequestros e de alugar armas para assaltos, entre outros crimes. Uma das histórias mais contadas a respeito de Jorge Luís, envolve o roubo e o resgate de uma moto e de uma arma pertencentes ao atual presidente Jair Bolsonaro, na época deputado federal pelo RJ.
O roubo aconteceu em 1995 enquanto Jair Bolsonaro panfletava na zona Norte do Rio.
O atual presidente defensor do armamento da população do Brasil, com a justificativa de autodefesa, curiosa e contraditoriamente, declarou na ocasião, segundo nota de jornal da época que mesmo armado, se sentiu indefeso.
No assalto, os criminosos levaram uma motocicleta Honda Sahara 350 e uma pistola Glock 380. Logo após prestar queixa, Bolsonaro seguiu em diligência junto com duas viaturas policiais rumo à Favela do Jacarezinho, localizada próxima ao local do assalto porém nada encontraram por lá mas três dias depois, integrantes do 9º Batalhão da Polícia Militar resgataram a moto de Bolsonaro, sem placa nem retrovisores, com pneus carecas (pois um dos ladrões havia vendido os originais, trocando-os por outros mais antigos), na Praça Roberto Carlos, na favela de Acari.
Na verdade diz-se que a moto acabou aparecendo oferecida por um devedor, a Jorge Luís de Acari que por conta da repercussão do caso reconheceu a moto e a arma e visando a manutenção das boas “relações” entre o contrapoder local e o Estado, teria procurado uma liderança da comunidade, o famoso e ainda atuante Deley de Acari ou Wanderley Cunha para intermediar a entrega da moto ao deputado.
Em entrevista a revista Época Deley relata, “O capitão Décio montou nela e foi embora para o batalhão”. Segundo Wanderley, após contato direto com o deputado, fora combinado com os policiais do batalhão da área um local para a devolução dos pertences. Os policiais apareceram então, em dois carros. Um deles era o coronel Alves, comandante do 9º Batalhão da PM, fardado que mantinha uma relação amistosa com a comunidade. S Deley relata que o comandante era um Brizolista e por isso o clima era sempre ameno com ele. Os outros, eram policiais do serviço reservado da PM, chamados P2 e estavam à paisana.
A arma de Bolsonaro foi entregue ao coronel e a moto foi guiada pelo capitão Décio até o batalhão. Mas como no Brasil para toda história real existe uma oficial desenhada a interesses próprios, e em se tratando de Bolsonaro fantasia e realidade se misturam como num fantástico mundo particular, a narrativa do então deputado e hoje presidente é um pouco diferente e um tanto quanto mais heroica para os policiais, que teriam recuperado os pertences numa grande e brava operação policial, após intensa troca de tiros.
Essa história toda e principalmente a ‘oficial inventada’, nos remete a trilha sonora do Rio de Janeiro, o samba! Mais precisamente um samba do saudoso Bezerra da Silva que do alto de sua representatividade e ousadia cantava: “…Você com revólver na mão é um bicho feroz (Feroz). Sem ele anda rebolando e até muda de voz…”
ANOS 90 E O TRÁFICO NO RJ
Jorge Luís era amigo e companheiro de grupo de Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, um dos mais perigosos e emblemáticos traficantes cariocas dos anos 90. Uê era fundador da facção Amigos dos Amigos (ADA), e herdeiro de Darcy da Silva Filho, o Cy de Acari.
Não somente naquela região mas em quase todos os territórios com incidência do crime organizado no Rio, nas décadas de 80 e 90, a relação desses grupos e de seus líderes com a comunidade era pautada em ações paternalistas e assistencialistas que faziam com que esse homens não controlassem somente o comércio de drogas mas que consolidassem seu domínio sobre todo um território negligenciado pelo Estado, tornando-os muitas vezes, as figuras mais importantes e respeitadas, por consideração ou temor nessas localidades. A imagem desses homens era costurada por histórias reais e inacreditáveis, que mexiam e mexem com o imaginário da sociedade, como a fuga/resgate de helicóptero de José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha de dentro do presídio de Ilha Grande em 1985, lendas sobre terem o corpo fechado e artimanhas como Flávio Negão ser na realidade um homem branco e franzino.
Desta forma e assim como quase todos esse traficantes da época, Jorge Luís era querido por moradores e conhecido pelo acolhimento a comunidade. Não faltava gás nem alimento para os que viviam ali e nem para visitantes que vinham de comunidades da Baixada Fluminense buscar seu amparo. Seu sepultamento em um cemitério da Zona Norte do Rio, refletiu isso em números e repercutiu em todo o Brasil, já que o velório foi decorado com faixas de luto e teve a presença de aproximadamente, 3.500, 2.500 balões de gás hélio, dez pombas brancas e 16 ônibus fretados para levar os moradores ao enterro. O comércio da comunidade baixou as portas.
A trajetória de Jorge Luís, UÊ, Cy, Escadinha, Flávio Negão entre outros famosos líderes do tráfico desse período tem sua base junto ao surgimento da primeira e maior organização criminosa a “dominar” territórios de comunidades vulneráveis no RJ e de onde originaram-se todas as outras através de dissidências, o Comando Vermelho..
O C.V. nasceu como falange vermelha, durante o regime militar, nos anos 1970, quando detentos comuns que assaltaram bancos foram mantidos juntos a alguns presos políticos no presídio de Ilha Grande com a justificativa de que esses detentos teriam infringido a lei de segurança nacional, sendo separados em uma ala para punir este crime. Ao começar a a comercializar cocaína há a primeira mudança na falange com o afastamento da maioria dos presos políticos e a mudança de nome para Comando Vermelho.
Os anos 90 foram cruciais para a estruturação organizacional do que se tornou hoje o crime, a contravenção e a política no Rio de Janeiro.
Foi também uma década em que a “guerra” as drogas ganhou o formato da criminalização da pobreza e das consequências trágicas disso como as chacinas de Vigário Geral e da Candelária e desaparecimentos forçados como dos jovens da própria favela de Acari. Foi também seleiro de grupos paramilitares com finalidades e métodos controversos de combate ao crime, os chamados grupos de extemínio, hoje conhecidos como milícias que se tornaram parte dominante dessa estrutura adoecida do estado do Rio de Janeiro, inclusive no que tange o comércio de drogas. Mas essa história é longa e repleta de detalhes e vou abordar melhor em outra pauta…
A MUSA
Jorge Luís também ganhou fama por ter tido quase 30 filhos com mais de 20 mulheres. Aos 32 anos, antes de morrer, vivia com Márcia Frigues Vieira, de 18 anos, que morava com o traficante desde os 12. O casal tinha um filho, Jean Patrick. No dia seguinte à morte do marido, ela denunciou a jornalistas que policiais costumavam extorquir a família. Márcia chamou a atenção da imprensa pela beleza durante o velório, beleza que a comunidade já conhecia e tinha coroado dando a ela o título de musa de Acari. A viúva figurou as capas de jornais durante dias, pelas denúncias que fazia, pela curiosidade a cerca da vida com Jorge Luís e pela beleza.
A estudante Márcia Frigues Vieira e sua mãe, Terezinha Maria Frigues de Lacerda, 43, foram encontradas mortas, a tiros no quilômetro 178 da via Dutra, altura de Nova Iguaçu (Baixada Fluminense), pouco tempo depois da morte de Jorge Luís.
A casa onde morava, na favela, havia sido presente do traficante, que também pagava seus estudos, incluindo um curso de informática.
Moradores de Acari disseram na época que Márcia foi morta por vingança pois os traficantes suspeitavam que ela teria contado onde Jorge estava escondido em Salvador, outras hipóteses para o crime foram a disputa pelo patrimônio e pelo poder deixado por Jorge Luís e Márcia estar chamando muita tenção da imprensa e consequentemente da polícia.
O Rio de Janeiro é uma crônica sem parte final!
Imagens: Gooogle
Fontes: Folha de São Paulo, portal Terra e revista Época.
Respostas de 2
Muito boa matéria, bem escrita e conta uma parte da história do Rio de Janeiro!
Obrigado, Aline Pires. Continue nos acompanhando!