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Entrevista com Ketty Valêncio, proprietária da Livraria Africanidades

Falamos com a bibliotecária e livreira e  proprietária da Livraria Africanidades, um empreendimento de pequeno porte, com o acervo especializado em literatura negra e feminista. Foi uma das responsáveis pelo Mercado Negra, uma feira de economia solidária realizada apenas por mulheres negras. Pesquisadora e uma das idealizadoras do projeto  “Mulheres de Palavra: um retrato de mulheres do rap de SP. Atualmente faz parte do coletivo Mulheres Negras na Biblioteca. 

Livraria Africanidades é um empreendimento de pequeno porte, com formato de loja virtual e itinerante, com o acervo especializado em literatura afro-brasileira e feminista. 

Sua missão é “promover o resgate e a valorização das identidades negras brasileiras e africanas através do universo dos livros e da cultura”, assim para iniciar o processo de protagonismo de cada um/uma da sua própria história.

 

Jornal Empoderado – Como a ideia de criar uma Livraria especializada e exclusiva em obras de autores negros surgiu? Da ideia a implementação foi quanto tempo?

Surgiu através das minhas angustias e inquietações.

Por ser uma leitora assídua na minha vida escolar e acadêmica, eu não conseguia me ver e também se identificar com as narrativas que me permeavam. Com o passar do tempo, tive o privilégio de descobrir o legado de pessoas negras que produziram e também possibilitaram a circulação de escritos negros. Assim pude renascer e percebi que deveria pegar este bastão, pois somos apenas continuidade de quem vieram antes de nós.

Para colocar na prática este sonho, demorou em torno de três anos.

Jornal Empoderado – O recorte inclui autores brancos que tratam da temática negra?

Sim, eu tenho no acervo a participação de alguns autores brancos, porém a ideia é que eles ou elas sejam a minoria. Normalmente estas narrativas são incluídas quando o trabalho é indispensável e que abordam o papel da pessoa negra como protagonista.

Jornal Empoderado – Qual é a sua formação acadêmica e experiência profissional?

Eu sou graduada em Biblioteconomia e Ciência da Informação e tenho pós-graduação em MBA- Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão e em Gênero e Diversidade na Escola.

As minhas experiências profissionais são bem ecléticas, pois antes de ter a formação acadêmica, eu trabalhei em várias profissões, já fui recepcionista, vendedora, carteiro e entre outros. Depois de graduada, apenas trabalhei como bibliotecária em diversas áreas, como universitária, escolar e outras. Estas minhas experiências profissionais foram enriquecedoras e me ajudaram a ser quem eu sou.

Jornal Empoderado – Qual a sua percepção do tempo em que ficou em Perdizes, por que resolveu mudar para o Imirim, e qual a sua percepção dos impactos dessa mudança para o seu negócio e seu público?

Foi muito importante a minha permanência em Perdizes, pois foi a minha primeira experiência como proprietária de um espaço físico em um território considerado branco. Lá eu pude perceber que a minha matéria prima, que são as memórias pretas, elas são realmente provocativas, grandiosas e comerciais. Outro fator importante foi que eu pude reconhecer o meu público e perceber que ele está com sede de conhecimento para saber mais da sua própria história. Porque antes algumas questões comerciais de empreendedora eram baseadas dos meus achismos e gosto pessoal.

Jornal Empoderado – Em Perdizes, qual a percepção das pessoas brancas que entravam na Livraria? Alguma diferença no Imirim?

Acho que a grande diferença é que em Perdizes as pessoas brancas frequentavam mais o espaço, do que na região atual, localizada no Imirim.

Jornal Empoderado – Quais os títulos mais procurados?

As obras de autoras negras, principalmente Angela Davis e Jarid Arraes. Outros livros bastante procurados são as obras de literatura negra infantil.

Jornal Empoderado – Como você faz a curadoria do que vende?

Normalmente esta curadoria é baseada no meu gosto pessoal, pois vendo obras que eu leio e acho fantásticas. Porém têm algumas perguntas minhas internas que eu faço, como por exemplo, está obra é importante para a Livraria Africanidades? Para quem ela é importante? Quem é a autora ou autor? E entre outros.

Também faço pesquisas de obras que não vendidos em outros espaços, de autores que não são populares para o meu público de pessoas negras e etc.

Jornal Empoderado – Quais as dificuldades e alegrias de ser uma livreira?

As minhas principais dificuldades são que o livro ainda é muito caro, que há obras bibliográficas que são bem difíceis de serem encontradas, também tem escritos negros internacionais que não são traduzidos para o idioma português e etc.

As alegrias são em trabalhar como agente cultural e social, de disseminar está riqueza que são estes escritos e também a história de seus criadores. Estar próxima do grande público para trocar informações, muitas vezes exercer o papel de confidente e psicóloga e no final apenas ser uma grande guardiã dessas memórias.

Jornal Empoderado – Nós ouvimos com frequência que as novas gerações pouco leem no Brasil. Você confirma isso?

Como você vai ler algo que não se identifica? Que a maioria das vezes te coloca no papel de inferioridade e invisibilidade. Corpos subalternos leem?

A maioria das pessoas que são clientes da livraria são pessoas jovens e por isso acho que está afirmação é bem perigosa, pois ela pode ser contagiante. Um exemplo disso, é que durante muito tempo pessoas negras acreditaram e infelizmente ainda alguns acreditam que não éramos capazes de produzirmos conhecimento.

A partir da minha experiência, acho que ocorre mesmo é o processo de apagamento histórico de memórias de povos originários da nação brasileira e também de memórias de mulheres, principalmente de mulheres pretas. Histórias que não estão nos espaços de saberes considerado legitimado, como escola, biblioteca pública e outros. Daí com essa ausência de narrativa ocorre um abismo, pois a maioria da população brasileira é negra, de baixa renda e formada por mulheres. Nisso para mim há uma grande mensagem e intenção de quem deve ser leitor e leitora nesse país, como disse o pensador: “Conhecimento é poder”. Por isso o negócio é politico e é um grande projeto genocida.

Jornal Empoderado – No seu entender, qual é o papel do escritor brasileiro hoje?

O escritor é um grande contador de história. Ele tem o poder de colorir, de construir e derrubar muros e de trazer a magia. Sua função é rasgar o silêncio, cutucar as feridas ou descrever um mundo homogêneo, ou seja, suas escolhas sempre serão politicas e assim influenciará alguém ou até mesmo gerações. Por isso que seu papel inconscientemente sempre será social, de retratar os reflexos da sociedade atual, mesmo dentro de uma ótica ficcional.

Jornal Empoderado – Você tem mantido contato com outros livreiros como você? Com esse recorte específico? Quais as trocas?

Atualmente não, pois por falta de tempo. Mas no passado tive algumas trocas bem enriquecedoras, como respeito, construção de uma relação sem disputa, empatia e de escuta e entre outros ensinamentos.

Jornal Empoderado – Você já escreveu?

Sim, já escrevi, porém não sou escritora, apenas sou uma mediadora de memórias pretas.

Mas eu sei que o poder da escrita é curativo e por isso é importante relatar, documentar as nossas vivências. Mesmo que a pessoa não tenha a pretensão de seguir o mercado editorial como autor ou autora, assim como eu, porém ela deve ser protagonista da sua própria história.

Jornal Empoderado – Cite 10 obras fundamentais do acervo pessoal da Ketty Valencio:

Muito difícil está pergunta, mas vamos lá.

  1. WERNECK, J.et al (ORG.). O Livro da Saúde das Mulheres Negras.
  2. DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe.
  3. HOOKS, bell. Meu Crespo é de Rainha.
  4. DANTICAT, Edwidge. ADEUS, HAITI.
  5. NTSHINGILA, Futhi. SEM GENTILEZA.
  6. ARRAES, Jarid. Heroínas Negras Brasileiras: Em 15 Cordéis.
  7. MIANO, Léonora. Contornos do Dia que Vem Vindo.
  8. BALBINO, Erika.O Osso: Poder e Permissão.
  9. PINTO, Neusa Baptista. Cabelo Ruim?.
  10. SOUSA, Noémia de. Sangue Negro.

Foto de capa da matéria: Maria Ribeiro

https://www.youtube.com/watch?v=W3AvYpyeOJA&feature=youtu.be

 

“Não há maior agonia do que guardar uma história não contada dentro de você.” 

(Maya Angelou)

Imagens: Erika Balbino

NOTA

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