Tivemos uma linda conversa com Jefferson, idealizador do Sucatas Ambulantes e Cordão Folclórico de Itaquera. Ele tem uma personalidade ímpar, sereno no falar, com algumas respostas que até parecem construções poéticas, esse homem tem uma visão muito esclarecida do que é a Cultura Popular em sua vida.
Convidamos a todos que se deleitem com essa entrevista que os trará conhecimento, cultura e ancestralidade…
Jornal Empoderado – Como gosta de ser chamado?
Jeferson Cristino, Cristino, para os amigos mais íntimos Jê ou no Carnaval em Jundiaí, Cabelo.
Jornal Empoderado – Conte-nos um pouco os caminhos que te atravessaram e reverberaram para você chegar no seu fazer profissional
Tenho 34 anos, desde de menino descobri o desenho, a arte, que sempre me acompanhou…Mais ou menos aos 16 anos, ingressei profissionalmente, contudo, não possuo um família de artistas, que no começo não compreendiam esta escolha, posteriormente me apoiaram…Então, sendo da periferia, tive que procurar caminhos. Dentro de mim sempre houve o sentimento muito forte de atuar de uma forma que pudesse ser e levar transformação para a minha quebrada.
Trabalhei com caixote na “ponta da feira” vendendo minhas obras ((esculturas, biscuit, entre outros), em feiras de artesanatos, podendo citar uma na Praça do Bom Parto, no Anália Franco (Concreto celular, peças de gesso reproduzidas a partir de matrizes em argila que eu modelava) neste segundo muito mais artísticos, empresas que de alguma forma estavam ligadas ao trabalho artesanal.
Encontro na arte educação uma saída financeira, junto com um projeto da prefeitura, já tinha realizado algumas coisas de forma voluntária (oficinas de biscuit para mulheres que participavam da Escola da Família), não sendo o que eu imaginava exercer, de primeiro momento, entretanto julgo que foi um caminho importante no meu fazer profissional.
Destas todas andanças encontrei com uma linguagem da Cultura Popular em um projeto que acontecia na Casa de Cultura Raul Seixa chamado, Grupo Trecos, Saladas e Bonecos, que faziam oficina de bonecos de rua gigantes (Bonecões), que me identifiquei de imediato com as pessoas e tudo que ali acontecia, tínhamos a mesma visão da arte fora da forma elitizada, ali tive meu start de inspiração de qual caminho eu queria traçar, me aprofundei mais e depois isso reverbera para Sucatas Ambulantes e no Cordão Folclórico de Itaquera.
Jornal Empoderado – Quais as pessoas que são uma inspiração para o seu trabalho?
A cultura popular foi um reencontro com a minha ancestralidade, com o meu verdadeiro eu, com meu povo, meu núcleo social. Para mim, tenho duas pessoas que são importantes, que são Mestres para mim…
Um é o Laércio, o conheci na Escola de Samba União da Vila Rio Branco, em Jundiaí, onde estou a mais de 10 anos, o chamamos carinhosamente de Titi, homem preto, Mestre Sala, Carnavalesco, Professor da rede Estadual em Jundiaí, um artista e tenho muito orgulho.
A outra pessoa que é muito importante que partir a pouco tempo para o Orum, que ainda está muito difícil falar dela, que é a Soraia, uma pessoa que sempre me acompanhou, desde do meu início, lá atrás… Eu deixar o cabelo crescer, e fui conhecido como Cabelo, ela que o trançava, falava algumas coisas que eu ainda não entendia, só depois de anos e anos que nos reencontramos, no Sucatas e Cordão, ela entrou e se reconhecida como Mestra, nossa e para diversos Coletivos da Zona Leste. Ela não me ensinou a bater o bumbo ou fazer um Bonecão, mas foi ela que me ensinou o que tem por trás de tudo isso, de como a gente valoriza e reconhece nossa ancestralidade.
Jornal Empoderado – Como foi idealizado o Cordão Sucatas Ambulantes?
Quando acabou o fomento do VAI no grupo Trecos, que eram formado por três pessoas, o Roberto Ratina, O Kléber e a Sheila, eles se dispersaram, quando me senti órfão, então, continuo a minha pesquisa e fundo o Grupo Folclórico de Itaquera, Sucatas Ambulantes, sendo tudo uma coisa só, querendo atender a minha expectativa do meu fazer artístico, mas também de ter na linguagem da cultura popular uma ferramenta de transformação da quebrada e de colaborar com o desenvolvimento e com os pensamentos mais humanistas. Com o propósito também de reunir a galera para fazer os bonecos, brincar o Carnaval.
De repente surgiu um convite de uma apresentação, fizemos o nosso estandarte e fomos concorrer ao edital, não tínhamos nome ainda do Coletivo, foi surgindo tudo de forma orgânica, natural.
Jornal Empoderado – O Coletivo Sucatas Ambulantes também faz parte do Cordão Folclórico de Itaquera? Ou existe uma parceria? Como isso ocorreu?
Em 2017, depois de sairmos do Instituto Cultural Humaitá, onde tínhamos uma parceria, como tantos outros, passamos por uma crise de identidade e daí percebemos que Cordão Folclórico de Itaquera sempre foi um grupo de articulação em redes, de comunidades, de juntar coletivos, de juntar pessoas e por sua vez o trabalho de Sucatas Ambulantes é um Coletivo, um trabalho de Samba de Bumbo, de construção de Bonecos, logo, decidimos separar.
Então dentro do Coletivo Cordão folclórico de Itaquera temos também a Companhia Lelê de Oyá, fundada pela Mestra Soraia e o Grupo de Capoeira Guerreiros de Ifé, coordenado pelo professor Léo, do Contramestre Biriba e o Grupo da Damata uma galera que atua com articulação cultural, todos esses possuem o elo de afinidade da cultura popular.
Jornal Empoderado – Existem parcerias com outros Coletivos?
Nosso espaço hoje é cedido pela Cohab, AMEI (Associação de Mães de Especiais de Itaquera), que tem essa parceria conosco de utilização do espaço, que realiza essa parte burocrática com a Cohab e esta neste local a cerca de 30 anos.
Somos parceiros também do Bloco do Jatobá, do Bloco da Família, que são dois coletivos também de Itaquera, que fazemos bastante coisas juntos no Carnaval. Do C.O.R.A.G.E.M, da Casa de Cultura Raul Seixas, do Alma do Reação Arte e Cultura, onde já tivemos nossa sede, já citamos anteriormente o Núcleo Cultural Humaitá,Jongo do Guaianás, Coco Semente de Crioula e com a Inaiá Araújo que coordena o Cordão Tereza de Benguela, de modo geral os coletivos da Zona Leste que respiram a cultura popular.
Jornal Empoderado – O símbolo de vocês é um galo e a cor vermelha, qual o significado?
As cores surgiram sem nenhum planejamento, tínhamos um tecido muito estampado com a predominância do vermelho e outro que era verde, então ficou essas cores por conta disso. Os significados foram surgindo depois, tem sido assim conosco, então hoje a cor vermelha representa a luta, sangue, nossos povos ancestrais, Ogum que é um dos nossos padroeiros juntamente com São Jorge.
O galo no Samba de Bumbo tem essa figura muito presente, ou o galo preto, ou o carijó, que são tradicionais de Santana do Parnaíba, inspirado nisso acabamos criando o Galo Velho. Essa figura é muito mística dentro da cultura popular, e tem muita haver com os Sucatas Ambulantes, porque os bonecos eram feitos de sucatas, porque não tínhamos recursos para fazer, sendo nossa estratégia de alternativa de matérias juntando com o conceito de reutilização, contudo o nome tem um duplo sentido, de quem seriam essas sucatas, eram os bonecos ou a gente que um dia vai virar sucata…E o Galo Velho não tem mais valor, a carne é dura para a alimentação, não domina mais o terreiro…Ele é sábio, tem sapiência. Como sociedade desvalorizamos o que é velho, contudo, eles têm muito valor…
Jornal Empoderado – Como surgiram as oficinas?
As oficinas surgem com o foco de reunir as pessoas e disseminar o conhecimento, como alternativas também para editais, projetos. Estamos sempre ali para atender alguma demanda, de forma espontânea. Anteriormente oferecemos formação para ensinar nossa arte, hoje temos uma galera que tem conhecimento para dar andamento no que precisamos no grupo. Também temos oficinas externas que colaboram com a difusão da Cultura Popular, com o foco no Samba de Bumbo e os Bonecões.
Jornal Empoderado – O Carnaval é um momento emblemático para vocês. Como pensaram sobre a sua realização e a confecção dos bonecos?
Tudo começa mesmo com a confecção de bonecos, por me conhecer mais como um artista visual…Claro que na Cultura Popular flertamos com diversas linguagens e vivenciamos um pouco de tudo. Os bonecos são levados para algumas festas pontuais em vários locais, ao longo do ano, Temos dois pontos altos, a data do dia 31 de outubro que saímos para comemorar mais um ano e o Carnaval.São Paulo é o maior Estado que incide essa brincadeira nos seus blocos de rua, desta manifestação, sendo primo-irmãos dos bonecos de Recife.
Esse ano não tivemos Carnaval, por diversos motivos…A nossa Mestra Soraia já estava em uma situação de saúde complicada, a pandemia, então já não teríamos mesmo. Fizemos uma live, pelo Centro Cultural da Penha e fomos contemplados pela Lei Aldir Blanc com um projeto de documentário com entrevistas, nossa criação tem sido desta forma, com todos os cuidados necessários.
Jornal Empoderado – Sendo um trabalho dentro da comunidade, levando cultura popular, você classificaria que o Cordão Sucatas Ambulantes é de relevante para a Zona Leste, principalmente em Itaquera? Por quê?
Acredito que sim, que é relevante, que tem uma grande importância, assim como vários outros trabalhos também de outras linguagens. Eu acredito na pluralidade, nos pequenos núcleos que se juntam por afinidade. Tem que ter a galera do RAP, do Grafite e tem que ter a galera da Cultura Popular…Em Itaquera, especificamente, neste formato que temos, somos uma referência, temos outros grupos que atuam com cultura popular, contudo possuem outras visões, outra forma de fazer…
Na Zona Leste conseguimos potencializar outros grupos, que são parceiros, como aqueles que já citamos anteriormente: Juntos somos mais fortes Mantendo essas ideias vivas, mantendo a cultura viva, de uma visão não acadêmica, mais prática.
Esses espaços são para descarregarmos o estresse do dia a dia, do capitalismo, desta metrópole sendo nosso momento de entrega e conexão com a ancestralidade, entrando em contato com outras perspectivas das formas de ver a natureza, o natural, sendo importantes e uma forma de resistência, uma forma de resistir. De não deixar o cimento passar por toda a terra.
Jornal Empoderado – Você acredita que as práticas realizadas empoderam as pessoas na sua comunidade?
Nosso entendimento sobre comunidade vai além da questão territorial, existem comunidades dentro das comunidades, dentro dos núcleos, então quanto moradores de Itaquera, como a maioria que participa do grupo são, somos uma comunidade, mas nos reunimos também como Cordão Sucatas Ambulantes e Cordão Folclórico de Itaquera, porque as pessoas participam dos quatro coletivos, ou por mais de um deles, circulamos por todos esses ambientes, essa é a nossa comunidade.
Observo que essas pessoas, principalmente as que estão tanto tempo com a gente, conseguem ver o desenvolvimento de suas vidas. Umas voltaram a estudar, que encontraram força e coragem para encarar uma faculdade, para mudar de emprego, para denunciar, para largar o marido agressor, para separar, para casar,para encontrar forças para lutar contra doenças graves, enfim…Então esse grupo é uma ferramenta, o que empodera é a convivência com os pares, com as pessoas que estão todas ali se reunindo não apenas para tocar, ou fazer algo, mas sim para um fortalecer o outro e isso que empodera e ampliamos os horizontes viajando juntos e vendo outras realidades e vemos na experiência do outro a nossa inspiração.
Eu sou o resultado disso, toda a minha organização de vida eu consegui ter o conhecimento e o continuar a partir do convívio com todas essas pessoas, sendo assim um privilegiado.
Jornal Empoderado – Jornal Empoderado – Quais foram as adaptações que o Cordão Sucatas Ambulantes tiveram que fazer para se manter durante a pandemia?
Percebemos nossa deficiência tecnológica para poder dar andamento nos projetos e com a Aldir Blanc pretendemos fazer isso. Foi um período de aprendizado (técnico e sobre nós mesmos), como a maioria das pessoas, aprendemos a fazer live, reunião virtual e nos faz muita falta a aglomeração, mas nós defendemos o isolamento social. Não tem como substituir o que fazíamos antes, não dá para ser igual, por isso existe a inovação para que o grupo não pare e esteja minimamente dando conta dos nossos anseios de produzir arte e se encontrar.
Jornal Empoderado – Vocês apoiam algum projeto social?
O próprio Cordão e o Sucatas com todas suas parcerias já é o apoio ao projeto social, temos apoiado a AMEI, a comunidade e nossos parceiros.
Jornal Empoderado – Deixe uma mensagem final aos nossos leitores:
Para que todos fiquem em casa, usem máscaras, que tomem a vacina, que respeitem esse momento que estamos vivendo. Que aproveitem este tempo para olhar para si, para dentro, ser um tempo de transformação, individual e coletiva, então vamos se cuidar, do corpo, mente e espírito que também é muito importante. Dito isso, que nossos ancestrais protejam todos nós e que tudo fique bem o mais breve possível, que possamos logo nos encontrar em uma batucada aí para que possamos dançar juntos, sambar juntos e brincar juntos. AXÉ!
Terminamos essa poética entrevista com esse ponto do Galo Velho.
“Meu galo é velhinho mas canta bonito, não tem Quero-Quero e não tem Tico-tico…”
Que saibamos cada dia mais respeitar nossos mais velhos, a Cultura Popular como forma de arte e resistência e essas pessoas, como o Jeferson que mantem ela viva, pulsante e contagiante.
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