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“Nunca conheci alguém que, fazendo coisas terríveis, pudesse cruzar seu olhar com o meu em paz. Encarar o rosto de outra pessoa é fazer duas coisas: reconhecer a humanidade do outro e assumir a sua. Quando iniciei minha longa marcha para longe de casa, descobri que havia pessoas no mundo que não me conheciam, não me amavam e não se importavam se eu estava viva ou morta”.
(
“O livro dos Negros” – Lawrence Hill)

A engenhosidade do racismo, e de qualquer sistema de opressão, é fazer com que um ser humano que é livre, cheio de potências para criar, inventar e se reinventar na vida e com habilidades para lidar com o desprazer, é justamente fazê-lo acreditar no contrário: que não é livre, que é impotente e não criativo, um ser qualquer que não é digno de direitos e prazeres.

Há uma sagaz e estratégica, estrutural e perversa forma de inverter este “olhar” para um “ver” que é desumano, que retira toda a humanidade daquele indivíduo ao ponto de fazê-lo não existir em sua própria existência. Estando em vida, anda “morto” em sua afetividade, sonhos e possibilidades.

Ver e olhar são aspectos distintos. Ver está ligado às habilidades fisiológicas da visão. Olhar é algo além, pois transcende a função da visão. O “olhar” exige envolvimento, sensação e percepção, habilidades afetivas e sociais. Olhar nos olhos do outro é legitimar sua existência, ao passo que, você também legitima sua própria existência. É fazer o outro existir e, ao mesmo tempo, existir para si próprio. O ser humano é um ser de relações, um ser social. Que interage, aprende e apreende, assimila e se desenvolve na interação com o outro. Olhar nos olhos lembra o outro que ele é um ser humano vivo: que pulsa, que transpira, respira e aspira por realizações em sua vida, assim como você!

O “ver” é função e habilidade de quem tem olhos. “Ver” é perceber o que se quer, inclusive, de qualificar que o outro não é como você. O “ver” faz coisificar, objetificar, distanciar. Torna o outro um ser inanimado, como uma estátua, está ali, mas sem vida, parado no tempo e no espaço.

Penso nas mulheres e nos homens que limpam os ambientes de trabalho. Nas mulheres que trabalham “em casa de família”. Penso nos garis que higienizam as ruas. Penso nas pessoas que trabalham com coleta de materiais recicláveis.

Penso nos porteiros e porteiras de condomínios, nas pessoas que trabalham com atendimento presencial ou por telefone. Nas pessoas que fazem panfletagem nas esquinas e nos faróis. Nos empreendedores de vendas diversas em diferentes espaços.

Nos moradores e moradoras de ruas e ocupações. Penso nas populações que habitam as periferias (…) homens, mulheres e crianças que, em sua grande maioria, são invisíveis na sociedade. Em cada exemplo dado, a população negra constitui a grande parte. Essas pessoas, a sociedade vê ou olha? E você?!

Nas periferias não é só arma de fogo que mata. Os “tiros” de um sistema opressor abatem a dignidade, a esperança, os sonhos, a alma e a humanidade. Atravessa a subjetividade, cria crenças e bloqueios psicológicos que fazem ponte para sintomas físicos.

Observa se baixa autoestima, senso de desvalia, falta de confiança, sensação de culpa e egoísmo, sensação de fracasso, repressão de emoções, depressão, ausência de autocuidado e autoafeto, estas e tantas outras reações que causam impotência extrema de ser e de existir em dada realidade. Fatores psicológicos que enraízam na alma, trasbordam para o físico e prejudicam o caminho.

Mas, “caminho se faz caminhando”! E o caminho essencial é restaurar o “olhar”, e começando por si próprio. Olhar-se com respeito a quem você é e por sua história, por suas dores e feridas, e mais ainda por suas alegrias e conquistas.

Todos nós temos conquistas, o valor por sua conquista é seu, seja ela qual for! Restaurar a paz consigo para então “olhar” para o outro, quer seja um familiar, um amigo/a, ou um vizinho/a. Olhar para sua humanidade, para sua singularidade e potência, olhar com respeito.

Nós, mulheres e homens de pele negra, em seus variados tons de melanina, temos um saber ancestral que é horizontal, circular, de trocas, de alegria, de dança, de viver com esperança. Resgatando isso em você para, apoiado em suas raízes e com seus pés em sua realidade, contribuir para que o “olhar” aos nossos e nossas seja conjugado: eu olho, tu olhas, ele/ela olha, nós olhamos, vós olhais, eles/elas olham.

Tecendo assim uma grande costura de afetos em torno de nossas crianças, dos mais jovens, e sempre honrando os mais experientes, a ressignificarem suas dores, criando novas memórias e possibilidades de cada pessoa ser cada vez mais visível.

Samanta Santos da Fonseca
Psicóloga Clínica|CRP 06/12393-3
|Mulher negra sonhadora e apaixonada pela vida e suas possibilidades|

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E-mail: smtsantosfonseca@gmail.com
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