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Por problemas técnicos esta postagem ficou muito tempo na espera. Mas espero que gostem.

Desta vez vou contar um pouco da minha experiência de encontro com a Permacultura e Bioconstrução.

O sonho começou lá atrás, quando ainda namorava meu marido, muito longe de saber onde viríamos dar, mas com a vontade de passar a parte madura de nossa vida no interior, administrando uma pousada. Na época pensávamos em Maringá – RJ, onde íamos todos os anos acampar.

Os filhos vieram, gostando de banho de rio como nós, mas o corre-corre da vida moderna não nos deixou tempo para amadurecer o sonho e ele ficou guardadinho lá no peito. O banho de rio e estar perto da natureza sempre foram presentes nas nossas vidas e dos nossos filhos desde muito pequenos.

Os filhos foram crescendo e a decepção com o que a cidade oferecia, em termos de qualidade de vida, foi se tornando assunto entre nós. Não era mais possível compactuar com os valores da cidade grande, com o consumo desenfreado, exploração do outro, desemprego, moradores de rua, desigualdade, violência e morte. Cadê o amor?

Meus filhos são artistas e agregam muitos outros artistas ao nosso redor e assim eles criaram um coletivo artístico chamado Sercópia. O grupo tem músicos, escritores, cineastas, escultores, desenhistas, designers, rapers, atores, grafiteiros, todo tipo de artista. Conversar sobre um lugar construído a partir do amor, em contato com a Natureza e vivendo o coletivo foi crescendo e tomando forma.

Somos uma família grande, eu, meu marido e quatro filhos, nora, genro, afilhados, amigos chegados, coletivo. O tal sonho de morar no interior se transformou no sonho do coletivo, de fazer algo fora do sistema, artístico, amoroso. De papo em papo, de pesquisa em pesquisa, nasceu a ideia da Vila Sercópia, que está em fase de início de construção.

Como?

Temos consciência de nossos privilégios e branquitude, e isso certamente ajudou. Mas o sítio veio de uma herança absolutamente inesperada, daquelas que parecem novela. Uma história longa, cheia de brigas de família, abusos, distanciamento, dores… mas que nos trouxe a oportunidade de viver um sonho que parecia muito distante.

Já falei por aqui como foi nossos primeiros contatos com a ideia da Permacultura e a prática da Bioconstrução. Estamos avançando e aprendendo muito, o sonho e as etapas são lindos, a vontade de chegar nos motiva e nos faz aproveitar o caminho. Mas não são só flores, o caminho é de desprendimento, reprogramação do corpo e da mente, sustos, erros, acertos, vitórias, empoderamento e decepções. Mas uma coisa é certa, a bioconstrução nos dá a oportunidade de, literalmente, alisarmos cada pedacinho da nossa casa. Cada parte desse lar tem um tanto de amor, suor, lágrimas e risos, e isso fica pra sempre impregnado nas paredes.

Aprendemos a negociar com a natureza em vez de querer domá-la. A humanidade, desde muito tempo, vive domando a natureza. Doma e oprime pessoas, animais, plantas, terra, água e ar. Destrói em vez de cultivar. Fazendo de conta que se esquece que matar a Terra é o suicídio da raça humana. A natureza se cria e recria, faz isso a bilhões de anos, só aqui nesse pedacinho minúsculo do cosmos em que vivemos. Somos um suspiro, menos que um grão de areia diante dessa imensidão, mas nos achamos maiores e mais poderosos.

Para nós, essa transição é um reencontro com nossa alma, com o todo de que somos parte, de que fomos apartados. Eu, a andorinha, a formiga, a folha do sombreiro, a manga, o riacho, o mar, o céu, as minhocas e a terra somos parte de um ser vivo, que pulsa, somos um. Ainda assim não olhamos com amor para as pessoas que passam por nós, não percebemos a fome no olhar de quem pede, fome de comida, mas também fome de vida, de carinho e de conversa. Amamos nossos pets mas poluímos o ar, as águas e a terra. Vemos nosso país matar áreas enormes de florestas e não fazemos nada, a não ser nos indignar, reclamar ou nem isso. Junto com a florestas, vão os animais, as águas e o ar. Vai a minha vida e a sua.

Pesquisar sobre o assunto, entender as possibilidades, reconectar com nossas origens, com as sabedorias ancestrais, com os povos da terra (como diz Ailton Krenak) vai nos aproximando da possibilidade de resgatar a vida. Esse caminho da Permacultura me abriu a possibilidade de esperançar como dizia Paulo Freire.

“⁠É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”. (Paulo Freire)

Copio aqui um trecho do livro Pedagogia da Esperança de Paulo Freire (1997) em que ele replica uma conversa com um campesino, depois de uma preleção de Freire em que foi confrontado com a realidade – sua e deles. Não é um trecho curto, mas é um trecho que demonstra como a esperança se esvai na realidade opressora, dominadora e destrutiva. Tocou Paulo Freire e me toca cada vez que leio. Espero que toque você também.

Ao terminar, um homem jovem ainda, de uns 40 anos, mas já gasto, pediu a palavra e me deu talvez a mais clara [sic] e contundente lição que já recebi em minha vida de educador. (…) Pediu a palavra e fez um discurso que jamais pude esquecer, que me acompanha vivo na memória do meu corpo por todo este tempo e que exerceu sobre mim enorme influência. (…)

“Acabamos de escutar”, começou ele, “umas palavras bonitas do dr. Paulo Freire. Palavras bonitas mesmo. Bem ditas. Umas até simples, que a gente entende fácil. Outras, mais complicadas, mas deu pra entender as coisas mais  importantes que elas todas juntas dizem”. 

“Agora, eu queria dizer umas coisas ao doutor que acho que os meus companheiros concordam.” Me fitou manso mas penetrantemente e perguntou: “dr. Paulo, o senhor sabe onde a gente mora? O senhor já esteve na casa de um de nós?”. Começou então a descrever a geografia precária de suas casas. A escassez de cômodos, os limites ínfimos dos espaços em que os corpos se acotovelam. Falou da falta de recursos para as mais mínimas necessidades. Falou do cansaço do corpo, da impossibilidade dos sonhos com um amanhã melhor. Da proibição que lhes era imposta de ser felizes. De ter esperança.

Acompanhando seu discurso eu adivinhava os passos seguintes, sentado como se estivesse, na verdade, me afundando na cadeira, que ia virando, na necessidade de minha imaginação e do desejo de meu corpo em fuga, um buraco para me esconder. Depois, silencioso por uns segundos, passeou os olhos pelo auditório inteiro, me fitou de novo e disse:

– Doutor, nunca fui à sua casa, mas vou dizer ao senhor como ela é. Quantos filhos tem? É tudo menino?

– Cinco – disse eu – mais afundado ainda na cadeira. Três meninas e dois meninos.

– Pois bem, doutor, sua casa deve de ser uma casa solta no terreno, que a gente chama casa de “oitão livre”. Deve de ter um quarto só para o serrar e sua mulher. Outro quarto grande, é pras três meninas. Tem outro tipo de doutor que tem um quarto pra cada filho e filha. Mas o senhor não é desse tipo, não. Tem outro quarto para os dois meninos. Banheiro com água quente. Cozinha com a “linha Arno”. Um quarto de empregada bem menor do que os dos filhos e no lado de fora da casa. Um jardinzinho com grama “ingresa” (inglesa).O senhor deve de ter ainda um quarto onde bota os livros – sua livraria de estudo. Tá se vendo, por sua fala, que o senhor é homem de muitas leituras, de boa memória.

Não havia nada a acrescentar nem a retirar. Aquela era a minha casa. Um mundo diferente, espaçoso,
confortável.

– Agora, veja, doutor, a diferença. O senhor chega em casa cansado. A cabeça até que pode doer no trabalho que o senhor faz. Pensar, escrever, ler, falar esses tipos de fala que o senhor fez agora. Isso tudo cansa também. Mas – continuou– uma coisa é chegar em casa, mesmo cansado, e encontrar as crianças tomadas banho, vestidinhas, limpas, bem comidas, sem fome, e a outra é encontrar os meninos sujos, com fome, gritando, fazendo barulho. E a gente tendo que acordar às quatro da manhã do outro dia pra começar tudo de novo, na dor, na tristeza, na falta de esperança. (…) a dureza da vida não deixa muito pra escolher.

Isto é saber de classe, digo eu agora.

Perceber minha branquitude, meus privilégios é também perceber que essa sociedade rouba possibilidade, dignidade e esperança. Ela impõe limites que deixam pessoas sem possibilidade de sonhar como minha família e meu grupo sonharam. Arrancam a verdade de que existe conhecimento em todos nós, em todas as origens, em todas as vivências e que é possível aprender, pesquisar, conhecer além do que se conhece. A revolução está, principalmente no conhecimento e no Reconhecimento.

A Permacultura me ensina que este campesino, que impactou Paulo Freire tinha conhecimento. Mais que isso, poderia ter usado o conhecimento que tinha e buscar mais, melhorando, ao menos um pouco sua condição de vida. Isso é esperançar.

Não esqueço o impacto que sofri, quando ainda adolescente, lá nos anos 80, uma professora nos contou o quanto havia ficado chocada com sua viagem ao Nordeste. Ela nos falou das belezas do litoral e da pobreza extrema do interior. Nos contou das crianças correndo atrás do carro pedindo ajuda. Da tristeza que ela sentiu ao ver aquelas cenas. Muito piores que as que vemos hoje, mesmo depois da fome ter voltado ao nosso país depois de ser banida. Isso tudo encheu o coração da minha professora de tristeza, mas o maior choque (e nunca mais me esqueci dessa história nem da indignação nos olhos dela) foi se deparar, pouco adiante na estrada da fome, um restaurante que parecia um oásis no Sertão. Um estabelecimento grande, com plantas verdejantes no entorno e, pasmem, um chafariz com piscina. Ela então perguntou ao dono de onde vinha tanta água, já que a seca assolava os moradores de logo ali? “Do poço artesiano”.

Iniciativas de Assentamentos tem mudado essa realidade. É o caso do Assentamento Marrecas que vem possibilitando novas realidades, apesar de não ser ligado à Permacultura.

Hoje eu sei que em baixo da seca, existe água, que existe solução para esta seca. Mas por que tantos anos e nada, ou quase nada foi feito? E por que quando a Transposição saiu do papel, foi alvo de muita pedra, mas em sua inauguração, feita pelo governo atual, aplausos? “A certeza de que não falta água no Nordeste não é nova. Já em 1984, o Projeto Radam, do Ministério das Minas e Energia, constatava através de sensoreamento remoto a existência de um potencial de 220 bilhões de metros cúbicos de água nas áreas mais afetadas pelas secas. Desse total, 85 bilhões de metros cúbicos estavam na superfície da terra e 135 bilhões subterrâneas, sendo 15 bilhões em rochas sedimentares, mais fáceis de perfurar para alcançar o lençol freático (Super Interessante)”.

 

Agrofloresta (PretaTerra)

Através da Permacultura e da Bioconstrução podemos dividir e compartilhar este tipo de conhecimento. Podemos resgatar nas pessoas os conhecimentos que delas foram sequestrados, apagados e/ou inferiorizados. É possível resgatar a esperança de uma vida melhor, que pode fazer por si e por sua comunidade. Não é preciso adotar os métodos construtivos capitalistas. Não é preciso abandonar as possibilidades da sua redondeza. É possível construir com os insumos do seu redor, sem destruir a natureza. É possível refazer faunas e ter alimento com a agrofloresta. É possível coletar a abundância em vez de produzir a escassez. É possível restaurar nascentes e águas.

É possível esperançar e resgatar a Vida.

Vamos?

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