Após o resultado das eleições de 30 de outubro, estudantes dos colégios Farroupilha e Israelita, ambos de Porto Alegre, divulgaram mensagens e vídeos com ofensas a colegas eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As mensagens viralizaram na internet, e logo ganharam manchetes dos jornais: estudantes do Colégio Farroupilha ofendem em um grupos de WhatsApp, bolsistas que declararam apoio ao presidente eleito. No Colégio Israelita, os alunos disparam ofensas classistas aos colegas que votaram no partido do PT. Os discursos repletos de ódio , preconceito e xenofobia, fazem parte de duas escolas privadas frequentadas por uma classe mais abastada da capital.
Após denúncias, o Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu investigação para apurar casos de manifestações discriminatórias. O Colégio Farroupilha declarou em nota que considera inaceitável a conduta de alguns estudantes, sendo que estes não representam os valores da instituição. Penalidades de conduta e convivência serão aplicadas. O Colégio Israelita repudiou o discurso de ódio e se compromete a aplicar penalidades dentro da legislação e dos regulamentos internos. Os vídeos trazem agressões verbais e ameaças, humilhações relacionadas à relação social, e poder aquisitivo dos alunos, além de mencionar eleitores do PT, pessoas negras e pessoas acima do peso.
Em um trecho da live podemos ver o discurso de ódio:
“Se tu está achando que os mercadinhos de esquina eram caros na tua favela, tu não tem noção de como é nos supermercados que a gente vai, amore […] R$ 600 do auxílio não é nada, a gente compra papel higiênico folha dupla”.Todos vocês nordestinos deviam tomar no c***, pobre vagabunda […] e outra coisa, não vem reclamar depois que tu for demitida, tá bom? Não vem reclamar depois que meu pai te demitir, tá bom fofinha?”. O live transmitida demonstra a certeza da impunidade que a estudante chega a relatar em um trecho: “Tá, então que me gravem, não vai mudar nada na minha vida, vai levar o que pro tribunal? O juiz que vai atender o caso é da minha família”.
A Promotoria Regional de Educação da Capital requisitou às escolas a identificação formal dos alunos envolvidos e quais medidas estão sendo tomadas. Além disso, o Ministério Público reforça a importância da família, e que atitudes como estas podem refletir comportamentos de familiares. Solicita a convocação de uma reunião com as escolas envolvidas nos episódios.
Os dois episódios refletem o momento pelo qual o Brasil esteve passado nestes últimos anos, que os envolvidos sejam punidos de acordo com regras de cada instituição, e que sirvam de lição para que se tornem pessoas melhores. E que as escolas revejam os valores que estão sendo passado, o que realmente importa. É necessário fazer um resgate urgente pela humanidade, um repensar em nossos valores, o lugar da escola como educadora e formadora de um cidadão consciente.
Segue nota repúdio ao episódio do Núcleo de Estudos Judaicos da UFRGS:
“Manifestamos profundo repúdio ao episódio de racismo, classismo, elitismo e xenofobia por alunas e alunos do Colégio Israelita de Porto Alegre. Somos judeus antifascistas, democratas, frutos da educação judaica e dos seus valores de justiça social e acreditamos ser imprescindível que haja uma profunda reforma nas organizações judaicas do RS, que não podem permanecer omissas diante de manifestações de cunho fascista.
A educação judaica tem como fundamentos a Memória e a História. O impedimento da regressão à barbárie, o “Nunca Mais” pretendido no ensino do Holocausto – tão fundamental na Educação – se torna uma tarefa complexa, pois não podemos reduzir o Nazismo ao que ocorreu entre 1941 e 1945. Tomar Auschwitz apenas como um campo de extermínio não permite inseri-lo na História, apenas reforça o congelamento dessa memória no tempo e no espaço – o que nega a possibilidade de relação entre o passado e o presente.
A sacralização da memória de um trauma não permite a interlocução histórica do evento e sua discussão. Portanto, apoiamos uma educação comprometida com o imperativo do “Nunca Mais”, cujo foco esteja nas origens de um movimento que desembocou no genocídio organizado. Guetos e campos de concentração foram o resultado de um fenômeno maior, iniciado muito antes de tijolos e arames farpados.
Precisamos de letramento social, racial e de classe diante da complexidade do contexto bárbaro do Brasil. Para isso, a comunidade judaica necessita ampliar e fortalecer o diálogo com movimentos sociais populares e grupos minorizados. É um trabalho ético desfascistizar a sociedade.
Estaremos atentos aos desdobramentos do caso e esperamos que consequências cabíveis mediante a situação sejam colocadas aos envolvidos.
Ao mesmo tempo, reiteramos que traumas coletivos não são uma escola de Direitos Humanos. O compromisso com a Memória é de todos. Dito isso, é fundamental refutarmos práticas e discursos antissemitas como resposta ao caso, lembrando os perigos da generalização e dos estereótipos, alinhados exatamente ao conteúdo do vídeo.”