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Ações afirmativas: as barreiras entre alunos e bolsas

A PUC-SP aprovou, em 2017, a proposta de inclusão social – cotas étnico-raciais nos Programas de Pós-Graduação da PUC-SP -, onde foi deliberado que 30% das bolsas institucionais disponíveis a cada semestre, seriam destinadas a alunos pretos, pardos e indígenas.

Ainda que essa pareça uma porta de entrada para que alunos prejudicados pela desigualdade social existente em nosso país, decorrente principalmente do racismo institucionalizado, pudessem ingressar de forma efetiva em cursos de pós-graduação da instituição citada, não foi o que ocorreu, pelo menos de forma ágil, no segundo semestre deste ano.

Movimentações em agências de fomento (sejam questões de remanejamento ou cortes de investimento por parte do Governo Federal) têm diminuído e dificultado a efetividade das bolsas. Só em 2019, se somados todos os bloqueios, o MEC sofreu um corte total de R$ 6.182.850.753, o que causa um impacto direto em universidades públicas e programas voltados para cotistas.

Lana Carolina /Arquivo pessoal

Na PUC-SP, como conta a pesquisadora Lana Caroline, não foram disponibilizadas bolsas para os ingressantes no segundo semestre de 2020. “Em meio ao processo seletivo, eu estava acompanhando as notícias em relação aos cortes do Ministério da Educação (MEC). Alguns dias depois da divulgação do resultado, fui informada que os programas não teriam bolsas imediatas, e que também não havia previsão, devido ao corte de bolsas. Além disso, as bolsas que estão com os alunos com matrículas ainda abertas, serão recolhidas, o que me fez questionar a garantia das cotas raciais. A questão é que os 30% das cotas são empregadas no momento da distribuição das bolsas de agência de fomento, ora, se não há bolsas pelas agências, não há como garantir uma política de cotas raciais”.

Assim, Lana iniciou contato com o coletivo Neusa Santos, o qual hoje faz parte. “Nosso principal pedido era que, mesmo não existindo bolsas pelas agências, a PUC-SP pudesse manter o processo de cotas, promovendo a democratização desse espaço, tornando-o mais diverso, para que outras pessoas também pudessem ocupar esse ambiente”.

Ainda segundo a pesquisadora, as aulas tiveram início no dia três de agosto, e até o momento as matrículas não foram regularizadas. Sabe-se que sete integrantes do coletivo terão o que a instituição denomina como abatimento de mensalidades, estendido até dezembro e sendo renovado semestralmente. “É muito importante que pelo menos sete estudantes pretos poderão cursar pós-graduação na PUC-SP. Mas ainda é preciso lutar pela implementação efetiva das cotas. Se não houverem bolsas pelas agências de fomento, que estão sendo retiradas pela destruição da política de educação do nosso país, então que a própria universidade possa bancar essa política de ações afirmativas, uma vez que é uma instituição comunitária, que tem abatimento de impostos e até mesmo recebe incentivo de empresas privadas. Então,  temos sim o conhecimento de que esta é uma universidade extremamente elitizada, mas também sabemos que, em 2017,  implementou essa política de cotas. O que pedimos hoje é o seu cumprimento”.

Coletivos: A luta de pesquisadores pelo direito à educação

Estudantes se reúnem para reivindicar direitos que, teoricamente, já estão defendidos por Lei e deliberados por Instituições. Os denominados ‘coletivos’ são cada vez mais comuns e necessários. A psicóloga Winnie Santos, de 33 anos, é mestre em psicologia social, uma das fundadoras do Coletivo Neusa Santos, e falou sobre a importância da luta de alunos para que as conquistas de seus direitos não caiam no esquecimento.

 

 

Winnie Santos/Arquivo pessoal

Especificamente sobre a PUC-SP, Winnie explicou que a deliberação da política de cotas ocorreu apenas em 2017, antes disso não existia nenhum sistema de inclusão na pós-graduação. Assim, entende-se que era tudo muito novo, tanto para os programas, quanto para a própria reitoria. Com sua experiência na Instituição, pôde identificar a logística da universidade e seu funcionamento. “Durante o mestrado eu tive bolsa integral e me dedicava exclusivamente aos estudos, então estive bastante presente nas representações estudantis, comissões, e participei também de reuniões do colegiado. Com isso, pude entender que os programas de pós-graduação dentro da universidade são autônomos, sendo possível implementar de forma diferente as políticas de ações afirmativas, e que alguns estavam mais avançados e outros menos, o que acabava refletindo na possibilidade de ingresso e permanência de discentes negros e indígenas na instituição. Foi assim que percebemos a necessidade da criação de um coletivo que poderia ajudar na construção, manutenção e fiscalização das políticas de inclusão e permanência de negras e negros”, explicou.

Desafios

O intuito do coletivo é, de fato, questionar e trabalhar diversas questões que promovam a inclusão e auxiliem na manutenção e efetividade das políticas de ações afirmativas. “O número de professoras e professores negros, por exemplo é muito pequeno. Quando pensamos em disciplinas, precisamos de conteúdos que falem sobre questões raciais, o que também é  escasso, e precisa ser implantado. Assim, de forma organizada, um coletivo do movimento negro dentro da Instituição (PUC-SP), nos possibilita trazer eventos para discutir temáticas raciais, trazer pensadores africanos e latino-americanos, não apenas os europeus, fazendo um trabalho de descolonização através  do debate, entre outras coisas. É muito importante mostrar como o racismo atinge diversas áreas, do curso de direto à administração. Não podemos deixar de lado tudo o que envolve as questões raciais, pois seria como apagar mais da metade da população. Existem outros problemas muito específicos, como a cobrança de taxa para matrículas, para que se possa concorrer às bolsas, entre outras questões que são excludentes e precisam de nossa atenção. O racismo estrutural precisa ser debatido dentro da academia. A luta é dura, mas estaremos presentes, fazendo nossas reuniões, discussões e questionamentos e reivindicações. Nosso grande objetivo é fazer com que negros e negras tenham acesso à educação e que,  quando ingressarem,  encontrem um ambiente seguro, sem constrangimentos, ou restrições”.

Segundo Winnie, a movimentação realizada coletivamente para que a inclusão de negras e negros permanecessem na Instituição  que ocorreu no meio do ano, resultou em uma resposta satisfatória .“Compreendemos essa conquista como algo muito positivo.  Porém sabemos que o Programa de Inclusão é uma política a ser discutida e aprimorada neste espaço acadêmico. Não só tivemos um retorno da PUC, que compreendeu que nesse momento a política de inclusão deveria ser repensada, mas tivemos também grande apoio por parte de integrantes da sociedade civil, que contribuíram para o pagamento das matrículas de alguns membros  do Coletivo.  Sendo assim reforçamos  a ideia de que essa luta não é só nossa e nem para a inclusão de um grupo isolado de pessoas, mas pela possibilidade de acesso muitos que ainda estão por vir. Essa luta não começa conosco e não acaba por aqui “.

  A artista visual Charlene Bicalho, Doutoranda em Comunicação e Semiótica, também deu seu depoimento sobre o ocorrido: “A decisão de ingressar no Coletivo faz parte do entendimento de continuidade do trabalho de outros estudantes e pesquisadores racializados dentro da PUC-SP. Entretanto, nossa permanência se apresenta como responsabilidade de todos, racializados ou não, discentes, docentes e gestores. Isentar as mensalidades, até dezembro, de sete estudantes não silencia a necessidade dos estudantes não contemplados e muito menos a necessidade de mudanças estruturais urgentes e profundas”, concluiu.

 

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