Pesquisar
Close this search box.

» Post

Chile: um país onde o povo está mudando o curso da história

A revolta social de 2019 conseguiu neste fim de semana sua segunda grande vitória eleitoral. A esquerda e os movimentos sociais dominaram a Assembleia Constituinte e impediram o poder de veto dos saudosistas do pinochetismo. Nas municipais e regionais, mulheres lideraram PC e Frente Ampla em vitória retumbante contra a direita.

Parece outubro de 2019, mas já é maio de 2021. Há dois anos, o povo chileno decidiu que pretende ir até as últimas consequências para demolir de vez as estruturas deixadas pela ditadura de Pinochet, e neste domingo, 16 de maio, essa resolução mostrou que continua plenamente vigente.

Depois da vitória arrasadora no plebiscito de outubro de 2020, desta vez foi a vez de ir às urnas para escolher os representantes desta que será a primeira assembleia constituinte da história do país, e o resultado foi uma grande vitória da esquerda e dos movimentos sociais, que elegeram mais de dois terços dos representantes.

Entre as diferentes listas constituintes, a grande vencedora foi Apruebo Dignidad, conformada pelo Partido Comunista, Frente Ampla e Federação Ecologista Verde. Esse conglomerado obteve 1,1 milhão de votos, o que valeu a eleição de 28 constituintes – 17 divididos entre os quatro partidos da Frente Ampla, além de 7 do PC e 4 dos Verdes.

Logo atrás ficou a surpreendente Lista del Pueblo, com cerca de 950 mil votos, elegendo 27 assembleístas. O resultado dessa lista foi o mais repercutido no país, devido ao simbolismo da sua proposta: se trata de uma iniciativa que reuniu diferentes movimentos sociais, movimentos contra privatizações, contra a previdência privada, pela educação e saúde gratuitas, movimento por moradia, movimento sindical, coletivos feministas, coletivos LGBTQI, grupos defensores dos indígenas, lideranças comunitárias, entre outras. A Lista del Pueblo representa justamente essa força social chilena que foi a faísca da revolta social de 2019 e seu resultado é o mais representativo de um novo Chile que está nascendo.

Por isso mesmo, também tem um enorme simbolismo o fato de que a Lista del Pueblo tenha tido um resultado melhor que o da Lista del Apruebo. Os nomes podem levar a alguma confusão, pelo parecido, mas não se enganem: a Lista del Apruebo reúne o Partido Socialista e o Partido Democrata Cristão, integrantes da antiga Concertación, e são consideradas a centro-esquerda chilena. 830 mil votos, e 25 vagas na Assembleia Constituinte. Embora ainda carregue a responsabilidade de ser “o partido de Salvador Allende”, o Partido Socialista viu sua lista ser castigada pela memória dos cinco governos dessa centro-esquerda após a ditadura (2 com a socialista Michelle Bachelet, um com o socialista Ricardo Lagos, um com o democrata-cristão Frei Ruiz-Tagle e um com o democrata-cristão Patricio Aylwin), nos quais foram feitas somente reformas superficiais ao modelo ultraneoliberal legado pelo ditador Augusto Pinochet.

Por sua parte, os saudosistas do pinochetismo, unidos em uma só lista de direita unida, chamada Lista Vamos por Chile, obtiveram 1,2 milhão de votos, elegendo 37 assembleístas. Com essa representação, a direita não consegue alcançar um terço das vagas na Constituinte, o que é decisivo, já que se todas as novas leis elaboradas durante a assembleia deverão ser aprovadas com maioria de dois terços. Portanto, mesmo que a direita vote unida, não terá poder de veto.

Além disso, também é destacável o fato de que os povos originários chilenos conquistaram 18 vagas na Assembleia Constituinte.

A igualdade de gênero foi garantida por lei, mas o resultado inclusive superou essa expectativa: 81 mulheres foram eleitas para a constituinte, enquanto os homens foram 74. Assim, o Chile terá a primeira constituição da história da humanidade escrita majoritariamente por mulheres.

Outro dado chamativo é a juventude: a idade média é 45 anos, sendo que 41% dos assembleístas tem menos de 40 anos.

Municipais e regionais

Em paralelo com a eleição constituinte, o Chile também teve eleições para governos municipais e regionais, pleitos que deveriam ter acontecido em 2020 mas que foram adiados devido à pandemia.

Nesse caso, novamente a esquerda novamente teve grandes vitórias, lideradas novamente pelo bloco Partido Comunista/Frente Ampla/Verdes. Porém, há de se destacar que as mulheres foram as principais figuras das vitórias mais importantes, derrubando a direita de suas prefeituras mais emblemáticas.

Como era de se esperar, a batalha por Santiago foi a mais importante, e quem ganhou foi uma jovem líder comunista: Irací Hassler impediu a reeleição do conservador Felipe Alessandri e será a nova prefeita da capital chilena. Em Viña del Mar, um dos balneários de elite do país, reduto eleitoral da direita, a Frente Ampla conseguiu uma vitória histórica, com a líder feminista Macarena Ripamonti. As mulheres do PC e da Frente Ampla também venceram em cidades importantes como San Miguel (Érika Martínez), Ñuñoa (Emilia Ríos), Quilpué (Valeria Mallepin) e Villa Alemana (Javier Toledo).

Nas eleições para governador, destaque para um homem: Rodrigo Mundaca, da Frente Ampla, eleito governador de Valparaíso já no primeiro turno. Se trata de um dos líderes do movimento contra a privatização e pelo direito à água no Chile, e sua vitória também é símbolo desse novo país que emerge da revolta social.

Na Região Metropolitana de Santiago, outra representante da Frente Ampla pode se tornar governadora: Karina Oliva, que obteve 23% dos votos e chegou ao segundo turno, onde enfrentará o democrata-cristão Claudio Orrego (que teve 25%). Além dos votos de outras candidaturas de esquerda que ficaram pelo caminho, Oliva talvez tenha a seu favor, também, uma torcida especial vinda do Brasil, depois que várias fotos dela com a camiseta do Doutor Sócrates circularam pela internet, pois a candidata é admiradora da Democracia Corinthiana.

Todas essas vitórias da esquerda e dos movimentos sociais podem potenciar um outro triunfo eleitoral no futuro, já que em novembro deste ano, o Chile terá eleições presidenciais. Nesse sentido, o nome que ganhou a noite foi o de Daniel Jadue, um descendente de imigrantes palestinos e pré-candidato presidencial do Partido Comunista.

Jadue é prefeito da comuna de Recoleta, uma das mais humildes de Santiago. Concorreu à reeleição neste domingo e venceu com 64% dos votos, além de ter sido o principal cabo eleitoral de Irací Hassler na vitória comunista em Santiago, e também dos candidatos constituintes eleitos pelo bloco PC/Frente Ampla/Verdes.

Entre os presidenciáveis chilenos, Jadue é o único que teve vitórias para comemorar nesta jornada. Antes desta eleição, seu nome estava entre os três primeiros em todas as pesquisas eleitorais, inclusive liderando algumas delas. Depois do resultado deste fim de semana, é muito provável que as próximas medições sejam ainda mais favoráveis a ele.

Ainda falta muito para o Chile completar seu processo de transformação, e não se pode duvidar da capacidade da direita de buscar e talvez encontrar formas de sabotar esse processo, mas o que se viu neste fim de semana foi mais um passo na direção de uma revolução que nasceu nas ruas, em outubro de 2019, e continua avançando com essa força das ruas, mesmo em tempos de pandemia e confinamento.

Foto: REUTERS

NOTA

Não deixe de curtir nossas mídias sociais. Fortaleça a mídia negra e periférica

Esta gostando do conteúdo? Compartilhe!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

» Parceiros

» Posts Recentes

Categorias

Você também pode gostar

plugins premium WordPress

Utilizamos seus dados para analisar e personalizar nossos conteúdos e anúncios durante a sua navegação em nossos sites, em serviços de terceiros e parceiros. Ao navegar pelo site, você autoriza o Jornal Empoderado a coletar tais informações e utiliza-las para estas finalidades. Em caso de dúvidas, acesse nossa Política de Privacidade