Em 14 de abril de 1912, era fundado o Santos Futebol Clube. O estádio leva o nome de Urbano Vilella Caldeira Filho, em homenagem a um homem que dedicou toda a vida ao time.
Santos, de Pelé, Santos de tantas glórias e títulos. Jogar no Santos é uma honra para qualquer jogador, dentre eles há o Edmilson de Jesus Souza. Nascido em 20/01/1965 chegou no Santos na categoria de base em 1984 e seu retornou deu-se em 1990, como profissional.
Edmilson estudou, tornou-se treinador e hoje é o primeiro presidente negro do Esporte Clube Moleque Travesso, localizado no bairro do Jabaquara, zona sul da capital paulista.
O Jornal Empoderado teve a honra em conversar e saber um pouco mais sobre ele, e é claro, que vamos compartilhar essa linda história com nossos leitores.
Jornal Empoderado – Como foi sua carreira de jogador e qual foi o momento mais marcante?
“Minha carreira iniciou-se aos 15 anos na categoria de base do Suzano, onde atuei em dois campeonatos juvenis. Em 1984 fui contratado pelo Santos para iniciar no juniores, ficando três anos na categoria de base e saí como profissional para sentir o que seria desbravar o futebol pelo país.
Atuei em 14 clubes, sendo que retornei ao Santos em 1990 como profissional e saí em meados de 1992, quando fui contratado por um clube de Portugal, Leixões Esporte Clube e depois Clube Desportivo Trofense, permanecendo uma temporada e meia em cada equipe.
Retornei ao Brasil em 1995 para jogar o Campeonato Paulista pelo São José, defendendo posteriormente o Inter de Limeira, Atlético Goianiense (série B) e outros clubes. Finalizei minha trajetória como jogador no ano de 2000.
Vários fatos importantes permearam minha carreira como atleta, porém o mais marcante foi meu retorno ao Santos por fazer parte de um elenco do qual cinco jogadores estavam na Seleção Brasileira e aquele momento estava em evidência, pois o clube tinha atletas de excelência e o convívio diário com esses jogadores me trouxeram uma base muito grande de conhecimento profissional, afirmando ainda mais minhas convicções de que permaneceria dentro do esporte.
E assim fui observando aqueles atletas de ponta e busquei conhecimento teórico para me moldar e me fortalecer na construção de minha formação como ser humano”.
Jornal Empoderado – Quando percebeu que deveria parar de jogar?
“A maioria dos atletas quando param de jogar, acontece em algum momento de dificuldade física ou emocional. No meu caso, não foi assim. Tive uma carreira intacta fisicamente, sem nenhuma lesão que me limitasse.
Embora houvesse propostas para jogar, parei aos 35 anos, por decisão própria, pois desejava iniciar uma nova etapa em minha vida, uma vez que já estava satisfeito com o que tinha feito no futebol, o que me impulsionou para outros objetivos profissionais. Portanto, tudo aconteceu sem dor ou frustração.
Essa decisão já estava claramente amadurecida e eu estava tranquilo e consciente de que caminhava para o início de um novo ciclo”.
Jornal Empoderado – Você foi treinador, qual ou quais foram as maiores dificuldades encontradas?
“Eu não fui um treinador, eu sou um. Tenho a formação e licença para atuar na área, porém encontrei muitas dificuldades sim. Dificuldades essas de aceitação, recolocação no mercado de trabalho e de oportunidades. Contudo, nunca encontrei barreiras na parte técnica, pois tenho certeza de que sou um profissional muito qualificado, competente, com realizações de sucesso e resultados positivos de títulos, acessos e retiradas de rebaixamento.
Dentro de campo sempre correspondi, com excelência, aos trabalhos a mim confiados, mas não tive o retorno de mídia relacionados aos meus resultados e por isso não consegui dar sequência a minha carreira, o que me faz acreditar estar relacionado ao fato de eu ser negro”.
Jornal Empoderado – No futebol a maioria dos jogadores são negros. Na sua opinião, por que não temos treinadores e dirigentes negros?
“Realmente a maioria dos nossos jogadores profissionais são negros qualificados, bons física e tecnicamente. Sem dúvidas somos os melhores no esporte, haja vista, que os últimos melhores jogadores do mundo brasileiros são negros: Romário, Rivaldo, Ronaldinho (Fenômeno), Ronaldo Gaúcho. Porém, para atuarmos como treinadores ou dirigentes não basta apenas termos as condições físicas e técnicas, há de se ter capacitações específicas para possuirmos essa liderança dentro do futebol.
Tenho plena convicção de que estamos defasados de negros atuando em cargos de liderança no esporte, embora haja grandes profissionais capacitados e preparados para assumir tais cargos. Penso que essa limitação acontece pelo fato de que os grandes executivos do futebol brasileiro são brancos, logo, as oportunidades são dadas aos seus, aproximando muito de um racismo institucionalizado.
Temos na Federação Paulista Mauro Silva que é negro, assim como em alguns clubes do estado de SP também há negros em cargos mais específicos como, por exemplo, Roque Jr que estava na Ferroviária. Ainda assim existe uma escassez de profissionais negros com cargos de liderança, confirmando que existe o racismo envolvido nisso”.
Jornal Empoderado – Atualmente, você é o presidente do Moleque Travesso. Quais desafios em ser o primeiro dirigente negro da história do clube?
“O Moleque Travesso nasceu em 1963 em São Paulo e tem 57 anos e eu sou o primeiro presidente negro de sua história, o que comprava muito o retrato da sociedade. Particularmente eu me sinto honrado e feliz por ter sido eleito o novo presidente do clube.
No entanto, pensando na história, eu fico muito entristecido, pois um clube importante da várzea, futebol amador de São Paulo, em 57 anos só existiu um presidente negro, reafirmando as poucas oportunidades que encontramos no mercado de trabalho para exercemos os nossos cargos.
Esse é o retrato da sociedade brasileira. Somos 50% ou mais na composição da população nacional e somos minoria nos cargos de liderança e executivos. Avalio esse cenário como péssimo para nós, para a sociedade, para a democracia, para a liberdade de expressão, trazendo apenas prejuízos para a nação. Como negro, estou trazendo a comunidade, os simpatizantes e torcedores para dentro do clube afim de mostrar que o negro preparado, qualificado pode exercer qualquer função”.
Jornal Empoderado – A comunidade local aceita bem isso?
“Na realidade quando eu fui eleito por unanimidade para ser o atual presidente do E.C. Moleque Travesso, um clube importante do futebol amador, campeão da várzea, da Copa Kaiser, jogou no Desafio ao Galo, Copa Arizona, revelou grandes atletas para o cenário nacional como meu amigo César Sampaio, negro, que hoje trabalha na comissão técnica da Seleção Brasileira com o Tite, percebi que houve pessoas que me apoiaram, outros negros, mas também me questionaram e houve pessoas brancas que não me apoiaram e duvidaram de minha capacidade.
Mas após 60 dias de minha posse, sinto que a comunidade já está percebendo a mudança e vendo a abertura de portas que se abriram para frequentar o nosso clube. E isso foi feito para que houvesse um estreitamento relacional comigo, possibilitando a percepção de quem sou, do meu comprometimento, qualificação e preparação para exercer essa função”.
Jornal Empoderado – Quais as ações sociais o clube vem fazendo para ajudar a comunidade?
“A situação em que o país se encontra atualmente em função da pandemia, nos limita muito no que diz respeito à aproximação da comunidade. Porém, recentemente, realizamos na sede do clube, uma campanha de vacinação contra a gripe H1N1, vacinando mais de 1300 pessoas.
Também fizemos doações de materiais de higiene e alimentos para a comunidade carente e estamos realizando algumas ações internas como encontros aos sábados com todo o protocolo de segurança, envolvendo a utilização de máscaras, álcool gel e distanciamento. Esses encontros tem o intuito de aproximarmos a comunidade do clube, afim de ouvi-la, conversar e trocarmos informações.
Temos uma sede com capacidade para 800 pessoas, mas hoje, com o distanciamento, o espaço está reduzido. A intenção é que, no futuro breve, tenhamos a comunidade trabalhando conosco, participando de oficinas, projetos sociais, culturais e eventos”.
Jornal Empoderado – Qual a sua opinião sobre o caso do racismo sofrido pelo Marinho, jogador do Santos, após a expulsão do jogo?
“Particularmente, fiquei muito entristecido quando um jornalista branco fez esse tipo de comentário no ar, tendo a coragem de expressar o seu racismo e falta de respeito contra um atleta que estava ali trabalhando. Eu repudio qualquer ação racista, qualquer tipo de preconceito.
Acredito que os racistas têm essa forma de ataque por dois motivos: primeiro por frustrações existentes dentro do ser humano; e segundo pela maldade.
Esses sentimentos quando expostos pelos agressores são aniquiladores. Penso que os negros quando estão em busca de uma oportunidade de trabalho são testados, avaliados, sub julgados, tendo que provar um nível de capacidade que ultrapasse a barreira de sua cor. Já os brancos não precisam passar por isso. Será que esse repórter foi avaliado criteriosamente quando ingressou na empresa em que trabalhava?”.
Jornal Empoderado – Na sua equipe de trabalho há mais pessoas negras? Se não tiver, qual o motivo?
“Para montar minha equipe de trabalho eu optei por usar os seguintes critérios: a representatividade, história dentro do clube e capacidade. Para os conselheiros busquei aqueles que fizeram história no Moleque Travesso e que têm grande representatividade no bairro.
O nosso presidente do conselho é um homem negro de 74 anos e que jogou pelo clube por 33. No executivo, onde “estou” presidente temos eu como negro e os dois vice-presidentes (Orlando Brasílio e Ederaldo). Contratei um CEO (Diogo Alexandre), trouxe um advogado (Dr. Jacó), uma secretária, um contador, colaboradores para o bar, Diretor Cultural (Marcelo Cavanha), Diretor de Produção (João Victor), Diretor de Futebol (Negrete) e Segurança (Cabo Emerson). Portanto, hoje, minha equipe é constituída por 80% de pessoas negras.
Isso foi uma forma de demonstrar que o negro precisa dar oportunidades para os seus, desde que estejam plenamente qualificados para exercerem suas funções. Estou muito feliz com minha equipe, pois é formada de negros de altíssimo nível e competentes”.
Jornal Empoderado – Como funcionam e qual a importância das rodas de samba realizadas pelo Clube?
“As rodas de samba no Moleque Travesso são muito tradicionais. É muito bem executada e vista pela comunidade. Estou falando de músicos e compositores muito importantes no cenário paulista e nacional. Nessas rodas as raízes do samba são preservadas em sua essência.
Batidas na palma da mão e canto sem microfones compõem esses momentos. Usamos essa cultura para nos aproximar da comunidade, pois sempre após o samba, acontece o bate-papo quando ouvimos o que as pessoas têm pra nos dizer. O ambiente é festivo, harmônico e agradável, nos trazendo alegria e a exaltação da cultura popular que é o samba”.
Jornal Empoderado – Qual a sua opinião sobre a realização do Carnaval em meio à Pandemia?
“Vou abordar esse assunto em dois aspectos. A importância do Carnaval é fundamental para mantermos viva a cultura do negro em nosso país. Esse evento faz parte do calendário anual, quando todos as amantes dessa época, principalmente nós negros, expressamos as nossas alegrias, pensamentos, ideias e arte para o mundo. Só que a pandemia agride pessoas, matando-as e por isso precisamos pensar nos seres humanos.
Sou totalmente a favor do carnaval, mas se tivermos ainda dentro de um processo de pandemia, se não tivermos encontrado a cura, uma vacinação eficaz, serei totalmente contra a realização dessa manifestação popular, uma vez que a aglomeração é adversa à segurança de nossa saúde. Priorizo a preservação do ser humano sempre”.
Contatos:
Instagram: @edmilsondejesus11
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