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365 Dias e a romanização da cultura do estupro

Precisamos e vamos falar aqui, de uma produção lançada pela plataforma streaming, Netflix, quem tem rendido muito assunto.

* alerta de spoiler

365 dias, o filme, foi lançado na Polônia em 7 de fevereiro de 2020 e  relançado pela Netflix, ocupando desde a sua estreia na plataforma, lugar na lista dos 10 filmes mais vistos.

Repetindo a fórmula da trilogia “erótica” 50 tons, de E.L James (Erika Leonard James), a romantização da estética viril dos  protagonistas, visa alcançar o público feminino mas…

Do que se trata 365 dias?

365 Dni (em português: 365 dias) é um filme polonês, repleto de cenas de sexo quase explícito, baseado no livro homônimo da autora Blanka Lipińska.

Na história, uma jovem polonesa é sequestrada pelo italiano mafioso  Massimo Torricelli (Michele Morrone), que pretende conquistá-la em 365 dias. 

Massimo, um machista dominador, têm nas mulheres mais um artigo que ele pode comprar e usar como e quando bem entender. É, vocês não leram errado! O protagonista SEQUESTRA Laura (Anna Maria Sieklucka), por quem diz estar apaixonado, a mantendo em cárcere privado e cometendo uma variação de abusos contra ela, em nome do amor.

Considerando um país que segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública no anuário de segurança pública de 2019 ano base 2018,  atingiu um recorde de registros de estupros, com 66 mil vítimas,  equivalente a 180 estupros por dia… Esse filme é no mínimo, um desserviço!

Sexualidade feminina e a romantização do abuso

Em pleno 2020, 365 dias, retrata fidedignamente a mística patriarcal em praticamente todos os seus elementos estruturais de opressão e tutela sobre os corpos femininos.

A naturalização da violência como expressão de  controle por parte do macho, o sexo compreendido como afeto e a dependência financeira vista como cuidado,  são a receita do bolo machista que nos tira a autonomia sobre nós mesmas há séculos, julgando e punindo violentamente quem a ela se opõe.

A discussão a respeito de nossos direitos sexuais e reprodutivos é constantemente pautada e subjugada por homens que preservam a nossa falta de autonomia sobre nós!

Nossos corpos nunca foram nossos e ainda não são!

A dependência da figura masculina sugerindo essa permanente tutela das mulheres ao longo da história, por homens, e a opressão de nossa liberdade sexual são corriqueiramente perpetradas pela mídia, principalmente em seus produtos culturais consumidos pelas grandes massas como novelas e filmes, tais como 365 dias.

A sexualidade se mostra determinante na elaboração das relações de poder entre gêneros e na formação patriarcal e colonialista judaico cristã da sociedade brasileira.

A violência e a barbárie foram sendo licenciadas e naturalizadas, para as mulheres. As violências sexuais que sofremos funcionam tanto para satisfazer a masculinidade tóxica, quanto como uma espécie de punição acerca de nossas escolhas diversas, incluindo até mesmo a roupa que usamos. Quem de nós nunca ouviu: mas também, com essa roupa, o que ela queria? A respeito de um caso de estupro.

Isso tudo faz com que 365 dias, pareça para a maioria de nós, um filme romântico que retrata os modelos de homem e mulher ideais. Ele, viril e protetor (macho alfa), ela, submissa e indefesa. É urgente a necessidade de refletirmos esses papéis sociais e os prejuízos históricos que nos causam.

Muitas de nós experimentamos de fato em nossas vidas, o cárcere, a violência física e psicológica e o abuso sexual, não podemos minimizar isso, não nesse momento de tantos outros retrocessos!

Violência sexual e a mulher negra

Segundo a OMS, violência sexual é “qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção”. Ainda de acordo com a OMS, esse tipo de violência pode ser praticada por qualquer pessoa, independente da relação que tenha com a vítima.

No mesmo sentido, a tipificação na lei Maria da Penha (11.340/2006), define violência sexual como, “qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.”

A violência sexual é a cruel apropriação do que nos é mais íntimo. Se a legislação de proteção à mulher existe, há também a exposição à cultura patriarcal, que além de nos vitimizar, faz com que nos sintamos culpadas e envergonhadas ao vivermos essa terrível experiência. Justamente por isso, infelizmente a violência sexual é um tipo de crime subnotificado, fragilizando a investigação e punição dos culpados.

Ressalto que não podemos falar em cultura do estupro e romantização do abuso, sem fazer o recorte racial. Sempre ouvimos ditos sociais racistas como, “a cor do pecado” e que as mulheres pretas teriam mais libido.

A objetificação  e hipersexualização dos corpos pretos é uma das muitas heranças escravocratas que estruturam nossa cultura, naturalizando e licenciado por séculos comportamentos sexuais violentos que  banalizaram o abuso às mulheres pretas.  

Os dados nos mostram que são elas, as pretas, que ocupam a base da pirâmide da violência contra à mulher e sendo as maiores vítimas dos crimes sexuais.

A plataforma EVA (Evidências sobre Violências e Alternativas para Mulheres e Meninas), lançada pelo Instituto Igarapé, apresenta em seus dados sobre o Rio de Janeiro por exemplo, que nos casos de feminicídio e homicídio doloso, mulheres negras representam 64% e 62% das vítimas, respectivamente. São maioria também nas tentativas de homicídio e de estupro (58% e 57%) e nos episódios de estupro (56%).

Ainda de acordo com dados da EVA, em 2018, foram 2.349 casos de estupro de mulheres pretas ou pardas, contra  1.545 de mulheres brancas.

Pelas mulheres negras, por todas nós!

Precisamos compreender, que estrutura cultural só é transformada quando refletimos, dialogamos e nos comprometemos em desconstruí-la em nossas atitudes, desde as mais simples como assistir a um filme sem problematizá-lo ou rir de uma piada!

365 não é um filme romântico, é um filme sobre abuso e cultura do estupro.

 

Texto de Daniela Lopes

Assistente Social especialista em políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher, Puc-Rio. Líder comunitária no Complexo do Centenário, Duque de Caxias, RJ. Ativista no Movimenta Caxias. Integrante da executiva do Fórum Municipal dos Direitos da Mulher de Duque de Caxias. Atriz da Escola de teatro popular / Centro de Teatro do Oprimido

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NOTA

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