Mutirões não resolvem o problema da saúde pública brasileira, mas, ao menos, restabelecem, em menor tempo, a qualidade de vida dos pacientes operados e reduzem, ainda que momentaneamente, as filas de espera do SUS.
No dia 5 de maio, com o intuito de reduzir as filas de espera por cirurgias pediátricas na rede pública de Saúde do país, a Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica (CIPE) irá realizar o XII Mutirão Nacional de Cirurgia da Criança. Até o momento, a iniciativa – que se repete anualmente desde 2006, beneficiando milhares de crianças e adolescentes – conta com a adesão de 18 serviços, de nove estados e do Distrito Federal.
O mutirão se concentra na realização de cirurgias ambulatoriais, eletivas, que, na maior parte das vezes, não necessitam que o paciente seja internado; após ser operado, ele permanece no hospital por poucas horas, em recuperação e observação, podendo retornar a sua casa no mesmo dia. Tratam-se de cirurgias mais simples, de baixa complexidade. Na ocasião, a maior parte dos procedimentos consiste em operações de fimose (também chamada de postectomia ou circuncisão), orquidopexia (para fazer descer o testículo, retido na região inguinal, para que possa se desenvolver naturalmente) e hipospadia (que corrige a posição anormal da abertura uretral masculina) e para a eliminação de cistos e hérnias (umbilicais e inguinais).
O presidente da CIPE, Dr. João Vicente Bassols, ressalta que “além de beneficiar diretamente esse grupo de pacientes, ao reduzir as filas de espera nos hospitais do país, especialmente os públicos, os mutirões também favorecem crianças e adolescentes que aguardam pela realização de cirurgias mais complexas, que exigem internação”.
E hoje, talvez mais do que em passado recente, os mutirões voluntários passam a ter um papel de grande importância para o paciente cirúrgico pediátrico. Com as restrições orçamentárias a que também a saúde pública do país vem sendo submetida nos últimos anos, a situação que estava longe de ser a ideal, piorou muito. “No campo pediátrico, o descaso do poder público é grande. Houve o fechamento de diversos hospitais pediátricos públicos, acentuada redução no número de leitos hospitalares e em UTIs, substituição de plantões presenciais por plantões à distância e restrições para a realização de cirurgias eletivas”, comenta o Dr. Bassols.
Ele ainda lembra que a gravidez precoce e tardia e o uso de drogas levaram ao aumento do número e da gravidade das malformações congênitas, que demandam correções cirúrgicas.
Os números do descaso
Levantamentos realizados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) mostram que a Cirurgia Pediátrica foi uma das especialidades mais prejudicadas pelos cortes orçamentários dentro do SUS.
Estudo realizado pelo CFM junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, apontava que entre dezembro de 2010 e dezembro de 2015 ocorreu acentuada queda no número de leitos do SUS em 19 estados. Cirurgia Pediátrica, Psiquiatria, Cirurgia Geral e Obstetrícia foram as áreas mais afetadas.
Naquele período, na rede pública de saúde, foram extintos quase 24 mil leitos destinados a internação por período superior a 24 horas, grande parte destes destinada a pacientes cirúrgicos pediátricos. Nesse período, o número de vagas hospitalares caiu de 335,5 mil para 312 mil, o que equivale à desativação de 13 leitos por dia, mesmo diante do crescimento populacional do Brasil. Entre 2010 e 2016, a população passou de 196,8 milhões de habitantes para 207,7 milhões, de acordo com dados divulgados pelo IBGE. Em março de 2018, o número de habitantes do país já era de 208,7 milhões. Esse crescimento se deve ao aumento da longevidade da população e também aos nascimentos e à queda da mortalidade infantil.
Voltando ao estudo do CRM, observa-se que a Cirurgia Pediátrica perdeu no período nada menos que quase 9 mil leitos do SUS (exatamente 8.913 leitos), e mais 1.199 de leitos não SUS, e que essa tendência não se reverteu a partir de 2016. Muito pelo contrário.
Em dezembro de 2017, a SBP denunciava que pelo menos 68 mil crianças e adolescentes (de zero a 19 anos) encontravam-se em filas de espera por cirurgias pediátricas eletivas no país (solicitadas até junho daquele ano). A denúncia se baseava nas informações oficiais obtidas junto às secretarias de Saúde de cinco estados (Ceará, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rondônia e Tocantins) e de quatro capitais (Aracajú, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo). Apesar de consultadas, a maioria das instituições não respondeu à pesquisa ou forneceu dados incompletos, o que indica que, muito provavelmente, o número é bem maior.
Em nova denúncia, divulgada recentemente, a entidade relata que faltam de mais de 3 mil leitos em UTIs neonatais no país e que cerca de 60% dos existentes concentram-se no Sudeste.
Apelo nacional
“Sabemos que os mutirões da CIPE, por maiores que sejam, não resolvem o problema da saúde pública brasileira, mas, ao menos, restabelecem, em menor tempo, a qualidade de vida dos pacientes infanto-juvenis operados e reduzem, ainda que momentaneamente, a espera por cirurgias pediátricas no SUS”, constata o presidente da associação.
Além de conclamar os hospitais, especialmente os públicos e filantrópicos, como Santas Casas de Misericórdia, a se integrarem a este XII Mutirão Nacional de Cirurgia da Criança, o presidente da CIPE pede “especial atenção dos responsáveis pelos órgãos de saúde da administração pública com a saúde de crianças e adolescentes, ampliando o número das equipes cirúrgicas e garantindo-lhes condições de trabalho adequadas e leitos e instalações apropriadas a esses pacientes, de forma a reduzir drasticamente o tempo de espera para a solução de seus problemas de saúde”.
Serviços com participação já confirmada:
Bahia
H. Municipal Edite Nogueira Rangel – Santa Terezinha
H. Municipal Eurico Dutra – Barreiras
Distrito Federal
H. Universitário (HUB) – Brasília
Minas Gerais
Santa Casa de Misericórdia – Belo Horizonte
H. de Clínicas da UFTM – Uberaba
Pará
Santa Casa de Misericórdia – Belém
H. Regional Público do Araguaia – Redenção – Pará
Paraná
Santa Casa de Misericórdia – Belém
H. Universitário Regional dos Campos Gerais – Ponta Grossa
Rio de Janeiro
H. Universitário Regional dos Campos Gerais – Ponta Grossa
Rio de Janeiro
H. Alcides Carneiro – Petrópolis
H. Municipal da Mulher – Cabo Frio
Rio Grande do Sul
H. da Criança – Santa Casa de Misericórdia – Porto Alegre
H. da Criança Conceição – Porto Alegre
Santa Catarina
H. Infantil ‘Joana de Gusmão’ – Florianópolis
H. São José – Criciúma
São Paulo
Santa Casa de Misericórdia – Araçatuba
Instituto da Criança – H. das Clínicas (FMUSP) – São Paulo
Tocantins
Acompanhe a evolução das adesões pelo site e pela página da CIPE no Facebook.