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PcD não é fetiche: a erotização de traços da Síndrome de Down nas redes

Por Clodoaldo Arruda.

Aproveito este espaço pra fazer uma denúncia e dividir uma preocupação com vocês: Algumas influenciadoras de conteúdo de entretenimento adulto têm postado em suas páginas videos eróticos com um filtro gerado por Inteligência Artificial, em que seus rostos ficam com uma feição semelhante a pessoas com Síndrome de Down.

Desenhando: mulheres estão usando uma espécie de máscara digital, que imita traços de mulheres com Síndrome de Down e “vestidas” dessa “máscara”, fazem videos de conteúdo erótico e sexual. Pessoas com essa síndrome costumam ter traços faciais muito característicos, que as tornam inconfundíveis — e, muitas vezes, remetem a uma aparência infantilizada. Por mais velhos que sejam, seu rosto tem sempre traços que remontam à infantilidade. Por isso, há a chance de, além de fetichistas, esse tipo de conteúdo atrair pedófilos. Independente da presença ou não de pedófilos nesses “serviços”, pessoas, obviamente uma maioria esmagadora de homens, que tenham fetiches e fantasias sexuais com PcDs (Pessoas com Deficiência) exclusiva e especificamente por causa dos traços que a definem como tal, sofrem de algum transtorno e desvio – principalmente de caráter!

Nesse jogo doentio, há dois atores: a perversa e o pervertido. A perversa é a responsável pelo conteúdo, que em troca de (provavelmente muito) dinheiro, joga na lama anos de trabalho e lutas que ela desconhece, em busca de visibilidade, reconhecimento, dignidade, respeito, inclusão e oportunidades. O Brasil não trata bem da sua diversidade. Quando não se é homem, hétero-cis, branco, classe-média alta ou rico e/ou pessoa sem deficiência, passa-se a ser socialmente vulnerável. Isso significa que quando se é mulher, LGBTQIAPN+, negro/a, pobre/periférico e/ou  PcD, entra-se numa escala em que, a depender de qual ou quais vulnerabilidades sociais se enquadra, vai de risco de morte a, na melhor das hipóteses, exclusão social.

As crianças com Síndrome de Down têm dificuldades cognitivas, o que afeta sua capacidade de aprendizado. Proporcionalmente à população brasileira, a maioria dessas crianças vêm de famílias pobres, moram nas periferias das cidades e o acesso a serviços públicos de qualidade que lhes são fundamentais como saúde, educação e assistência social são muito difíceis. São crianças que, ou não são alfabetizadas ou têm sua formação escolar precária e incompleta, pois o sistema público de educação não tem a estrutura necessária pra lidar com elas. As exceções à regra são crianças Down que cresceram em famílias com maior estrutura financeira, que lhes garantiram a devida qualidade de vida e acesso a serviços privados.

Nas condições ideais, crianças Down se desenvolvem e conseguem qualificação profissional e autonomia. Como eu disse, são raras e maravilhosas exceções… Portanto, a perversidade e ganância dessas moças estão manchando essa luta, apagando essas histórias de superação e amor pela vida dessas mães e pais atípicos e seus filhos Down! É cruel expor essas famílias a tamanha humilhação. Usar as características deles pra ganhar atenção, dinheiro e engajamento, reforçando estigmas e marginalizando ainda mais quem já enfrenta tantas barreiras. Ver seus filhos ridicularizados e reduzidos a um pedaço de carne que nasceu para satisfazer pervertidos endinheirados, que pagam mensalmente pra fantasiar que pessoas com um dia a dia já tão sofrido, estão lá para o seu bel prazer.

E o que dizer dos pervertidos? Há quem venda porque há quem compre! O outro ator desse show de horrores tem excitação sexual por um traço genético… uma parafilia, como eu disse, doentia. Há de se compreender os fetiches e fantasias, mas elas não são inatas, não nascemos com elas e elas não são incontroláveis ou incuráveis. Há quem goste de pessoas loiras ou ruivas, de nádegas mais redondas ou de compleição corporal grande. Há quem se atraia por pés, pelo mesmo sexo, pelo sexo oposto, por ambos. Há quem se atraia por bigodes, por dominadores, por submissos. Entre adultos, capazes de consentir ou recusar, tudo pode.

Talvez o moralismo exacerbado e o preconceito culpado da sociedade nos afaste de entender os fetiches, fantasias e parafilias, separando uma coisa da outra, traçando o que é moral, ética e socialmente aceito e o que tem de ser intolerável, fazendo com que tudo fosse jogado num mesmo lugar de erro, pecado e/ou condenação. E aí, quando nada pode, acaba que tudo pode!

Podolatria não deve ser posto junto da pedofilia ou da zoofilia. A primeira é a atração por uma parte do corpo humano (pés), enquanto que as duas últimas são crimes, porque envolvem crianças ou animais, que não podem compreender nem consentir. Portanto, os pervertidos são o resultado 1) da falta de um sistema educacional que dê noções de empatia, alteridade e direitos humanos, 2) de educação sexual desde a infância, que torne o corpo e o ato sexual, humanos, diversos e naturais, e não algo de outro mundo em que o exótico, o grotesco, seja o foco, e 3) de uma sociedade que tem na hipocrisia sua pedra fundamental, em que não é proibido fazer, é proibido ser pego fazendo!

Quero concluir pedindo que divulguem essa denúncia, denunciem páginas que estejam retratando as pessoas com Síndrome de Down dessa forma sexualizada e distorcida às autoridades e pressionem a classe política pra que, enfim, haja uma regulação das redes sociais, pois esse vale tudo pelo “like” ajuda na proliferação dessas aberrações. Eu, como pai de uma moça Down, estou num misto de indignação e medo, porque conhecemos a machosfera brasileira. Logo, teremos alguns desses pervertidos não se conformando em apenas assistir e teremos ataques reais às nossas meninas e moças!

Clodoaldo Arruda é filósofo, rapper e militante formado no Hip Hop e no Feminismo Negro.

NOTA

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