A pronta e transparente divulgação na passada quinta-feira (25) pela África do Sul que, através de seus brilhantes cientistas, identificou a nova variante de Covid-19 chamada de Omicron gerou uma paranoia reativa assumidamente racista por parte de países da União Europeia (UE), dos Estados Unidos e de alguns outros um pouco por todo mundo que, imediatamente, proibiram ou restringiram voos para países da região austral do continente africano.
De lamentar que alguns países africanos, nomeadamente Angola que acabou por ser incluída na lista de barrados totais ou parciais de países fora do continente, Egito, Marrocos, Ruanda e as ilhas Maurício, logo se apressaram a seguir a previsível paranoia racista e xenofóbica quando a própria OMS havia declarado que o Omicron é uma “variante de preocupação” para os cientistas estudarem e não para o pânico.
Muito se escreveu e se disse condenando a pressa das restrições, inclusive nas mídias hegemônicas cujos jornalistas, preguiçosos para dizer o mínimo, se apressaram a publicar manchetes tentando causar pânico como se estivéssemos em março de 2020. Lembram-se da narrativa do “vírus chinês” que levou a que a população de origem asiática fosse vítima de violência racista e xenófoba? Pois é, a narrativa de a Onicron ser uma “variante sul-africana”, avançada em primeiro lugar pelas grandes mídias e agências de notícias ocidentais, imediatamente entrou-nos em casa, locais de trabalho e lazer, mesas de restaurantes e cafés, transportes públicos e outros espaços de tal forma que parecia estarmos voltando ao início da pandemia.
Perante tamanha paranoia, os escritores moçambicano e angolano, respectivamente Mia Couto e José Eduardo Agualusa, publicaram indignados e em conjunto nas suas redes sociais um texto com o título questionador “Duas Pandemias?”, texto esse que viralizou em todos os países do universo linguístico dito lusófono. Falaram em discriminação dos africanos e da punição à África do Sul por estar a fazer o correto mas não tiveram coragem, não sei por que razões, para chamar a paranoia pelo nome: racismo.
As falsidades em torno da Omicron e a forma ligeira e extremada como se reagiu fora do continente a essa variante da Covid-19 vêm estritamente de um lugar de xenofobia e racismo. E não me venham com o falacioso whataboutism dando exemplos de uns poucos países africanos que, por próximas ou distintas, seguiram os que se acham os masters of the universe para justificar que esse detalhe elimina a tese de racismo.
Cúmplices e lacaios sempre existiram, existem e existirão desde que a consciência africana foi, continua e continuará sendo falsificada, como escreveu o extinto psicólogo afroamericano Amos N. Wilson (The Falsification of Afrikan Counsciousness). Aliás, em “Nacionalismo e Cultura”, sua obra magistral de pedagogia revolucionária, Amílcar Cabral já os havia denunciado como “cachorros e lacaios dos brancos”, entenda-se dos colonialistas.
Os países de alta renda, que devem suas riqueza e industrialização à exploração e empobrecimento da África, acumulam vacinas supostamente com mais eficácia. Alguns até chegam ao ponto de jogar, ou arriscar jogar, milhões de doses no lixo por vencimento de prazo das mesmas em ações que deveriam constituir crime de lesa-humanidade quando no continente africano somente cerca de 7,1 por cento da população foi vacinada.
A experimentada diplomata e africanista, Irene Vida Gala, diz sempre com grande coragem e frontalidade em suas entrevistas, quando questionada sobre as relações do Brasil com a África, que a pátria de Zumbi, Dandara, Luiz Gama, Abdias Nascimento, Machado de Assis, Milton Santos, Pelé, Garrincha, Gil, da Vila, D. Ivone Lara, Elza Soares, Alcione e tantos outros e outras que a ergueram e elevaram seu nome ao mundo, transportam o racismo individual e estrutural interno para as relações com África. Exemplo mais recente é o caso envolvendo denúncias de racismo e abusos praticados pela embaixatriz Shirley Carvalhêdo Franco, esposa do embaixador brasileiro na Guiné-Bissau, Fábio Franco, no início de Novembro, mês da Consciência Negra no Brasil.
Se as nações ricas, em particular as do Ocidente conceitual, não colocarem de lado seus egoísmos, práticas de intolerância racista, complexo superioridade colonial e racismo sistêmico nas suas relações com outras nações para se concentrarem definitivamente em um esforço global de combate à pandemia e de compartilhamento das vacinas, a COVID-19 simplesmente continuará a evoluir e crescer em países de regiões que basicamente se defendem por conta própria com os escassos recursos que têm disponíveis. É tempo de governantes africanos se unirem e realizarem o sonho de Kwame Nkrumah fazendo do continente os “Estados Unidos da África”, ou ele perecerá como Julius Nyerere vaticinou.
“Não há necessidade de entrar em pânico”, diz o ministro da Saúde da África do Sul
Leiam matéria no site: https://www.opais.co.mz/nao-ha-necessidade-de-entrar-em-panico-diz-o-ministro-da-saude-da-africa-do-sul/
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