A programação reúne espetáculos, oficinas, música, cinema, mesas de debates, exposição em homenagem à Léa Garcia e ainda palestras, incluindo uma com a própria Helena Theodoro
O Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo (CCBB SP) recebe, a partir dessa sexta-feira (06), a ocupação “Trilogia Matriarcas”, uma homenagem à vida e obra de Helena Theodoro, primeira doutora preta do Brasil. A programação celebra os 80 anos de sua trajetória, marcada pela defesa da cultura afro-brasileira e pelo enfrentamento ao racismo estrutural. Com uma agenda que inclui teatro, exposições e debates, o evento, que acontece no prédio anexo do CCBB São Paulo, oferece ao público uma imersão no legado multifacetado da ativista. O projeto é apresentado pelo Ministério da Cultura e Banco do Brasil, com patrocínio do Banco do Brasil, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet.
A programação é ancorada nos espetáculos da trilogia “Matriarcas”, composta por três peças teatrais inspiradas nas vivências de Helena Theodoro e em histórias de mulheres negras que enfrentaram desafios e transformaram suas realidades. “Mãe de Santo”, com dramaturgia de Renata Mizrahi e direção de Luiz Antônio Pilar, traz a premiada atriz Vilma Melo no papel principal. A peça, escrita a partir de textos e relatos de Helena Theodoro, reflete sobre os muitos papéis desempenhados por mulheres negras ao longo da vida, evocando questões de ancestralidade e espiritualidade, trazendo um posicionamento firme e de orgulho das histórias contadas e passadas por gerações e documentando como as mulheres afro-brasileiras são diálogos, corpos sagrados que utilizam o homem como complemento de suas narrativas e vivências.
“Esse espetáculo é a expressão da minha felicidade e do meu compromisso com nossa ancestralidade. Um projeto que nasceu em 2018, após a descoberta do Alzheimer da minha avó materna Maria (que é mãe de santo) e da reconexão com a minha fé, que me permitiu vislumbrar esta montagem trazendo à cena histórias de tantas mulheres que admiro, que me inspiram e me orientam”, revela o idealizador, produtor e Diretor da Palavra Z, Bruno Mariozz.
Já “Mãe Baiana”, estrelada por Dja Martins e Luiza Loroza, trata do luto e da memória afetiva por meio da relação entre avó e neta. No enredo, a avó lida com a perda de um filho, fato que Helena Theodoro viveu quando seu menino de quatro anos morreu afogado. No início, ao contrário da avó que compreende a morte, a neta inicia a narrativa sem entendimento, mas aos poucos se reconcilia com o conceito. Embora a premissa seja marcada por tristeza, a obra retrata a dor com sensibilidade e também com a serenidade que a personagem da avó – e de certa forma, Helena – adquire ao longo do tempo.
Para o diretor Luiz Antonio Pilar, a concepção de “Mãe baiana” nasce da proposta do texto. Nele, estão os conflitos de gerações e de conceitos entre uma jovem mulher de seus 20 e poucos anos e sua avó, octogenária. “Um conflito que não significa necessariamente violência ou brigas, mas as diferenças de ideias de tempos que já passaram. São dois mundos diferentes que hoje estão no mesmo espaço”, analisa o diretor, que fala também sobre a perspectiva racial da montagem. “Me ressinto com a dramaturgia nacional que quando vai falar do negro, principalmente o urbano, é sempre no conflito da violência. A questão nunca é contraditória ou está na diferença de perspectiva. É sempre no jovem negro matando ou morrendo, da família desconstruída, da falta de afeto. Em ‘Mãe baiana’ o conflito está inserido numa sociedade cotidiana e na família geracional, constituída por mulheres, convivendo no mesmo espaço”, explica Pilar.
O terceiro espetáculo, “Mãe Preta”, com dramaturgia de Valesca Lins, destaca a jornada de uma mulher negra que, ao superar grandes perdas, reconstrói sua vida, reafirma sua independência e se fortalece como pilar de sua comunidade. A peça tratará da mulher dessa “Helena” de volta ao seu lar. Mulher empreendedora, independente e muito consciente de sua capacidade de atuar na comunidade, cuidando dos filhos e suprindo as necessidades econômicas dos seus, junto com sua mãe e filha. Esse texto inédito retrata uma das últimas revelações da doutora: “Antes do Brício nascer meu casamento já estava no fim, e eu como mulher morta há muito tempo. Foi após a morte do meu filho Brício, que ao chegar no fundo do poço, tive que me reerguer e reencontrar a Helena Theodoro que hoje todos conhecem. Que não é a metade da laranja de ninguém, muito menos a costela de adão. Nós mulheres somos 51% da sociedade, os outros 49% são nossos filhos”, explica Helena.
Além dos espetáculos, a exposição “Baobá de Memórias – uma homenagem à Léa Garcia”, uma das grandes damas do teatro negro brasileiro, irá complementar a experiência. A mostra presta tributo à atriz em seu último trabalho, a versão audiovisual de Mãe Baiana, também dirigida por Luiz Antônio Pilar. O público poderá conferir fotos de cena e de bastidores, além de áudios, figurinos da peça e uma grande estante de referências de livros de pessoas pretas, especialmente mulheres. Ao entrar na exposição, o visitante atravessa um labirinto de turbantes, até se deparar com um grande baobá com mais de 300 flores em formato pendular, que saem do teto em várias camadas. A exibição da sessão audiovisual da peça “Mãe Baiana”, com participação de Léa Garcia e Luana Xavier, também faz parte da programação.
A ocupação em homenagem à Helena inclui também seis mesas de debates que serão transmitidas ao vivo e disponíveis nas redes sociais da produtora Palavra Z. Entre os temas estão o sagrado feminino, a diversidade, a política e as escrevivências femininas, reunindo grandes nomes como Cláudia Alexandre, Sueli Carneiro, Elisa Lucinda, Luana Xavier e Mãe Márcia Marçal.
A “Trilogia Matriarcas” também conta com uma programação de palestras, oficinas e música que ampliam a vivência cultural do público. Entre os destaques estão as palestras “Princípio Feminino nas Filosofias Africanas” (7/12), com Helena Theodoro, e “Filosofia Africana no Brasil” (30/01), que exploram a presença do pensamento africano nas discussões contemporâneas sobre identidade e cultura.
As oficinas trazem propostas diversas, como a de sonoridades com Dani Nega (15/12), que aborda o uso do sample como dramaturgia sonora, e a de dança-afro “Raízes do Movimento” (22/12), com Fernanda Dias, que reflete sobre o corpo e a ancestralidade. Também estão previstas as oficinas “O Encanto das Ervas” com Mãe Márcia Marçal (12/01), a oficina de teatro para infância “Eu o outro o espaço e a comunidade” com Graciana Vallades (05/01) e “Ancestralidade pelas Mãos” com Andreia da Silva Luiz (19/01).
Para completar a programação, aos sábados, a partir das 17h, o público poderá conferir a discotecagem de Dani Nega. Com entrada gratuita, a ocupação promete trazer uma nova perspectiva sobre Helena Theodoro ao público, que terá a oportunidade de conhecer mais sobre sua história e ideias que se tornaram referência para a nova geração de pensadores e ativistas. E para a filósofa, essa ocupação representa uma verdadeira celebração da filosofia africana e da mulher negra:
“Estou profundamente feliz e honrada com essa ocupação no CCBB. Para mim, essa é uma oportunidade incrível de celebrar e difundir a filosofia africana, especialmente por meio de espetáculos que exaltam as múltiplas dimensões da mulher: política, sagrada e secreta. Essas diferentes facetas coexistem em uma única mulher, e isso reflete a visão africana de que a mulher não se limita a um papel preestabelecido. Ela pode ser política, espiritual, e desempenhar muitas outras funções. Além disso, o que mais me emociona é a possibilidade de usar o palco para compartilhar essa visão do feminino como uma força vital, capaz de gerar, expandir e conectar gerações. É um espaço onde o saber ancestral e a arte se entrelaçam para enriquecer nossa cultura contemporânea”, ressaltou Helena.
Ao destacar o legado de Helena Theodoro, o Centro Cultural Banco do Brasil celebra a história de resistência e sabedoria da cultura afro-brasileira, oferecendo ao público uma experiência enriquecedora que conecta arte, conhecimento e transformação social. Essa iniciativa fortalece o papel do CCBB como um espaço de valorização e celebração das múltiplas vozes que compõem a identidade cultural brasileira.
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Ficha técnica:
Mãe de Santo: Argumento: Helena Theodoro | Texto: Renata Mizrahi | Direção: Luiz Antonio Pilar | Elenco: Vilma Melo| Direção Musical: Wladimir Pinheiro | Direção de Produção: Bruno Mariozz | Iluminação: Anderson Ratto | Figurino e cenário: Clívia Cohen | Instalação de turbantes: Renata Mota | Programação Visual: Patricia Clarkson |Design Gráfico: Rafael Prevot | Idealização: Bruno Mariozz e Vilma Melo | Produção: Palavra Z Produções Culturais
Mãe Baiana: Argumento: Helena Theodoro | Texto: Thaís Pontes e Renata Andrade | Direção: Luiz Antonio Pilar | Elenco: Dja Marthins e Luiza Loroza| Direção Musical: Wladimir Pinheiro | Direção de Produção: Bruno Mariozz |Diretora Assistente: Lorena Lima | Iluminação: Anderson Ratto | Figurino e elementos cenográficos: Clívia Cohen | Cenário: Renata Mota e Igor Liberato | Programação Visual: Patricia Clarkson |Design Gráfico: Rafael Prevot | Idealização: Bruno Mariozz e Vilma Melo | Produção: Palavra Z Produções Culturais
Mãe Preta: Argumento: Helena Theodoro | Texto: Valesca Lins | Direção: Lucelia Sergio | Elenco: Dja Marthins, Luiza Loroza e Vilma Melo | Direção de Produção: Bruno Mariozz | Iluminação: Anderson Ratto | Programação Visual: Patricia Clarkson |Design Gráfico: Rafael Prevot | Idealização: Bruno Mariozz e Vilma Melo | Produção: Palavra Z Produções Culturais
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Serviço: Trilogia Matriarcas
Local: Teatro CCBB SP e Anexo| Centro Cultural Banco do Brasil
Endereço: Teatro: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro Histórico – SP
Anexo: Rua da Quitanda, 80 – Centro Histórico – SP
Entrada gratuita: Retirada de ingressos em bb.com.br/cultura e na bilheteria do CCBB
Acessibilidade: Teatro acessível a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida. Entrada acessível CCBB SP: Pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e outras pessoas que necessitem da rampa de acesso podem utilizar a porta lateral localizada à esquerda da entrada principal.
Informações CCBB SP:
Funcionamento: Aberto todos os dias, das 9h às 20h, exceto às terças
Telefone: (11) 4297-0600
Estacionamento: O CCBB possui estacionamento conveniado na Rua da Consolação, 228 (R$ 14 pelo período de 6 horas – necessário validar o ticket na bilheteria do CCBB). O traslado é gratuito para o trajeto de ida e volta ao estacionamento e funciona das 12h às 21h.
Van: Ida e volta gratuita, saindo da Rua da Consolação, 228. No trajeto de volta, há também uma parada no metrô República. Das 12h às 21h.
Transporte público: O CCBB fica a 5 minutos da estação São Bento do Metrô. Pesquise linhas de ônibus com embarque e desembarque nas Ruas Líbero Badaró e Boa Vista.
Táxi ou Aplicativo: Desembarque na Praça do Patriarca e siga a pé pela Rua da Quitanda até o CCBB (200 m).
Texto: Luis Fernando Amaral
Revisão e edição: Tatiana Oliveira Botosso