Amsterdã, uma das cidades mais visitadas da Europa, é um local propício para interagir com pessoas de um país vizinho com o qual a esmagadora maioria dos brasileiros tem pouquíssimo – ou nenhum – contato: o Suriname.
Como não há estradas ou linhas férreas ligando o Brasil à ex-colônia holandesa, a fronteira compartilhada entre os dois países acaba servindo apenas para demarcação de terra. Além da limitação geografia, há também a barreira linguística, pois o holandês e o sranantongo são, respectivamente, o idioma e a língua franca na terra onde nasceram Edgar Davids e Clarence Seedorf.
Após a independência de seu país em 1975 e motivados por uma condição socioeconômica precária causada por séculos de exploração da ex-metrópole, muitos surinameses deixaram sua terra e passaram a viver em Amsterdã, especialmente em Bijlmer. Estima-se que pouco mais de 65.000 pessoas de origem surinamesa (até a segunda geração) residem em Amsterdã, o que equivale a praticamente 8% da população. Sua presença ao redor da cidade é fácil de ser notada através de estabelecimentos comercias que orgulhosamente ostentam a bandeira nacional e da atmosfera caribenha que parcialmente se incorporou a Amsterdã.
Não é à toa que a torcida do Ajax costuma cantar “Three Little Birds” de Bob Marley durante as partidas de seu time. Além disso, uma grande faixa com os dizeres “One Love”, título de outro grande sucesso de uma das lendas do reggae, fica estendida na Johan Cruijff ArenA mesmo quando nenhum jogo é realizado.
Além das arquibancadas, a contribuição surinamesa dentro de campo vem sendo inestimável. O selecionado holandês entrou em declínio depois do fim da Laranja Mecânica, que revolucionou o esporte bretão com seu conceito de futebol total. No entanto, houve uma revitalização a partir dos anos 80 que contou com Ruud Gullit e Frank Rijkaard, que ajudaram a Holanda a vencer a Eurocopa de 1988, mostrando ao mundo um estilo de jogo que conciliava técnica, habilidade, vigor físico, improvisação, e objetividade. Atuando no futebol de clubes, ambos foram titulares do esquadrão montado pelo Milan que conquistou não só o Calcio, mas também a Copa dos Campeões.
Em 1991, um avião caiu nos arredores de Paramaribo, a capital do Suriname. Um amistoso foi marcado para arrecadar fundos para as famílias vitimadas pela fatalidade. Liderados por Gullit, Rijkaard e Bogarde, os surinameses venceram os holandeses por 3×1, assim não deixando nenhuma dúvida para quem ainda contestasse a capacidade do jogador surinamês.
A geração de Edgar Davids, Clarence Seedorf, Patrick Kluivert, Michael Reiziger, Aron Winter, Winston Borgarde, Jimmy Floyd Hasselbaink, entre outros, foi a espinha dorsal da Holanda nos anos 90 e assegurou que sua seleção fosse uma das forças mais temidas naquela época.
Atualmente, Virgil van Dijk, Georginio Wijnaldum e Ryan Babbel são os jogadores de origem surinamesa que mais se destacam.
Há quem papagaie que o futebol é ópio do povo, mas, no que concerne àquilo que dois países que não se comunicam possam ter em comum, é melhor encerrar este texto com uma citação do ex-jogador Edgar Davids que vai muito além do ludopédio: “o Suriname tem muitas semelhanças com o Brasil. Há muita pobreza e muitas crianças na rua que não têm dinheiro, que vêm de lares desestruturados e que têm muito tempo para brincar em mãos. Elas jogam futebol o tempo todo e aprendem a jogá-lo com pés descalços.”
