Sou jornalista profissional há onze anos, mas trabalho com comunicação há dezesseis. E, se tem algo que me acostumei nesse período, foi ser “o único”. E, por único, entenda como o negro. Seja em redações ou agências de comunicação, ver negros jornalistas é raro e, quando existem, estão na base da pirâmide.
Há um ano trabalho com tecnologia e, há pelo menos sete meses, cubro eventos nas áreas de tech e games e, nesse período, a sensação de ser ‘o único’ aumentou, embora, ainda bem, eu não seja o único na minha Redação. E é sendo o único que se percebe como o racismo estrutural, invisível e dolorido, funciona no país.
Há poucas semanas, em um evento fechado para a imprensa, fui abordado pela assessora de imprensa que me convidou para o evento na entrada do espaço. Ela perguntou: você é jornalista? Respondi: como teria entrado aqui se não fosse?
A gafe da colega tem origem num teste simples, o do pescoço. Nos eventos que já trabalhei, não raro eu era o único negro entre jornalistas e produtores de conteúdo. E quando não sou o único, tem mais um, ou dois. Não passa disso. Em uma viagem recente para cobrir um evento gamer, com vários jornalistas de todo o país, eu era o único negro. Entre os porta-vozes de grandes empresas, ou executivos que já tenha visto, o número cai para zero.
O mundo tech/gamer é prioritariamente branco, hétero e de classe média-alta. Afinal, para consumir esse tipo de produtos, é necessário dinheiro, e qualquer estatística do IBGE mostra que negros recebem menos que brancos e ocupam muito menos cargos de chefia que brancos. Se você não tem dinheiro para consumir, como vai fazer parte de um grupo marcado pelo consumo?
Nesse dia da Consciência Negra, meu principal desejo é que eu seja reconhecido como único pela qualidade, não pela quantidade. Que mais negros possam ocupar espaços em mundos onde até então parecia proibitivo. Que não seja estranho um jornalista ser negro e que, nos eventos, pessoas da minha cor não estejam apenas servindo café e água.
Não é pedir muito.