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O herói negro e sua rejeição pela sociedade brasileira

A história abaixo é um recorte. Os tempos também são outros. O relato, no entanto, vem a calhar e o cenário de preconceito pouco mudou no último século. A história do marinheiro Simão é  curiosa porque perpassa eras e contraria o senso comum, apontando a visão que nossa sociedade tinha e ainda tem dos filhos da África.

Simão era o carvoeiro do vapor Pernambucana.  Detalhes se perderam no tempo, mas sabe-se que Simão não era escravo. No ano de 1853, à bordo do navio onde trabalhava, foi responsável pelo salvamento de treze pessoas após o naufrágio do barco. O personagem foi visto com destaque pela imprensa da época. Em sua homenagem foram publicados poemas e gravuras, além do quadro que entrou para a nossa história.

Preto Simão, quadro de José Correia de Lima foge ao panorama da época. No período a pintura buscava  retratar os membros da elite. Almeida Junior e outros buscaram pintar a cena brasileira, retratando por exemplo o caipira que tão importante papel desempenhou e desempenha na nossa cultura. Em fins de século XIX  era um movimento que ganhava força:  registrar o brasileiros e instantes do cotidiano nacional. Ora buscava-se a identidade do país, ora produzia-se a pintura de costumes. Também nesta mesma época Gonçalves Dias produziu Juca Pirama, obra que, da mesma forma como os romances de José de Alencar, idealizava o índio, elevando-o a posição de pai e fundador  da nossa sociedade. Buscava-se  a formação de um ideal de identidade, próprio na construção da cultura de um país. A despeito disso, o negro para as elites culturais não era um dos genitores do nosso povo. O negro, ainda mais presente nas cidades do que o indio, era visto apenas como escravo, como um ser inferior.

Pintar uma figura negra como motivo principal era evento ainda mais raro. Muitos anos depois, o pintor espanhol radicado no Brasil Modesto Brocos produziria  A Redenção de Can, quadro que exalta o processo de “ clarificação” do povo brasileiro. No século XIX as elites concebiam o brasileiro e toda a criatura híbrida como um produto inferior e desta forma estimularam a imigração, que teve entre outros propósitos o objetivo higienista de clarear o povo brasileiro. Mistura de índios, brancos e negros, o habitante da ex-colônia ascenderia caso  tivesse filhos com italianos, alemães e membros de culturas brancas,  supostamente “mais desenvolvidas”.

Observa se na tela que a figura principal, Simão, não recebe a luz natural que contempla outros protagonistas do gênero retrato. Toda a obra é de fato sombria. Só depois de alguns anos e de muitas peripécias  Preto Simão recebeu o devido destaque.

De lá para cá muita coisa mudou, mas é certo que há ainda outro tanto para avançarmos. Não vivemos o contexto da sociedade do século XIX, escravocrata e europeizada, mas o negro ainda não ocupa o seu devido papel. Protagonistas negros raramente tem o papel principal das novelas, como vimos nas produções “ Xica da Silva” e “ A cor do pecado”. Muitas das nossas melhores atrizes interpretam empregadas nas novelas da Globo. Da mesma forma, são poucos os negros que ingressam o ensino superior ou ocupam cargos de destaque na política brasileira.

Talvez a educação melhore este quadro, desvelando ao brasileiro o fato de que somos uma sociedade multicultural, onde todos os povos foram importantes na construção deste país. Talvez com a redução da desigualdade possamos ver nivelados estes olhares tão enviesados, abandonando o brasileiro, para sempre, esse complexo de vira-lata, sempre preso à conceitos de nações de alta renda.

NOTA

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