Desde que chegou ao Brasil para vestir a camisa do Corinthians, Memphis Depay tem mostrado que ser ídolo vai muito além das quatro linhas.
Em pouco tempo, o jogador Menphis Depay mergulhou na cultura periférica frequentando botecos, rodinhas de samba nas quebradas, trançando seu cabelo na escada de uma comunidade e, principalmente, interagindo com as crianças e os moradores das periferias de São Paulo, os invisíveis para grande a mídia e a maioria dos famosos.
Sua passagem recente pela Vila São Pedro, em São Bernardo do Campo, é emblemática: ali, ele jogou bola com a criançada, curtiu um pagode e se mostrou como alguém acessível, de carne e osso, algo até ontem surreal de acontecer.
Por que isso importa?
Para jovens periféricos, a distância entre eles e seus ídolos parece intransponível. O ingresso no estádio é muito caro, a camisa oficial é um valor absurdo e acaba se tornando um sonho distante, e o contato direto com essas figuras públicas parece impossível. Quando um jogador como Memphis vai até a quebrada, mesmo falando outra língua, olha nos olhos, tenta entender o que falam pra ele, dá o mínimo de atenção que seja, e encurta essa distância. Ele mostra que esses jovens também têm potencial para alcançar seus sonhos, seja no futebol, na música, na TV ou em qualquer outra área.
Um estudo do Instituto Pólis aponta que projetos culturais e esportivos em comunidades de baixa renda podem reduzir em até 25% a evasão escolar e 30% a criminalidade juvenil. Isso acontece porque a presença de ídolos próximos fortalece a autoestima e cria perspectivas reais para o futuro. Quando uma criança vê Memphis na sua quadra, jogando bola, arrumando o cabelo e trocando ideia, ela enxerga um caminho possível, a vergonha do cabelo crespo, do escadão sem tinta, de morar na comunidade sem número e sem endereço, desaparece.
Representatividade próxima: um instrumento de transformação
Depay não é brasileiro, mas entendeu como poucos a importância da representatividade próxima. Ele mostra que ídolos não precisam ser intocáveis, nem arrogantes, mas podem e devem estar lado a lado com o povo. Isso é algo que falta em muitas personalidades nacionais, sejam elas do esporte, da música ou até mesmo da política.
E aqui vai o recado: por que tão poucos políticos, especialmente os que vêm da periferia, seguem esse exemplo? Durante as campanhas, é comum vê-los em cima de motos e caminhões, comendo pastel na feira, coxinha do boteco e prometendo mundos e fundos. Mas, uma vez eleitos, se cercam de “universitários”, assessores e técnicos, esquecendo a base que os elegeu, esquecendo aquele que no seu único dia de folga saia de casa em casa do seu bairro para falar desse candidato, o vendia como uma opção próxima e acessivel para os vizinhos. Isso cria um distanciamento perigoso, que desmotiva e enfraquece a confiança das comunidades, como é dito nas quebradas: “quem não é visto não é lembrado”.
Marketing ou verdade?
Pode até ser que alguns questionem as intenções de Memphis vendo nisso apenas um movimento de marketing. Mas a realidade é que, independente do motivo, a comunidade é beneficiada, sonhos são construídos, esperanças são renovadas.
As crianças que jogaram com ele naquele campo de terra, os jovens que viram um astro mundial sentado em um boteco local, as pessoas negras que tem dúvidas sobre seu cabelo ou penteado, todos carregam agora uma memória transformadora. Depay deu um exemplo prático de como a presença e a representatividade podem ser mais poderosas do que qualquer campanha publicitária.
Um convite para outros ídolos
Se Memphis Depay, um Holandes, jogador internacional, segundo maior artilheiro da seleção holandesa, que nem fala português, pode se conectar dessa forma com a quebrada, o que impede outros ídolos — especialmente os que nasceram nessas comunidades — de fazerem o mesmo?
Que atores, cantores, músicos, influenciadores e políticos aprendam com esse exemplo. Não basta apenas falar em inclusão e igualdade nas redes sociais; é preciso pisar no chão da comunidade, apertar a mão dos invisíveis, ouvir suas dores e suas histórias, e mostrar que o sucesso não os distanciou de suas raízes, apenas os deixou em uma condição financeira melhor. Não que isso tenha causado um apagamento da realidade de onde veio ou de onde a maioria da população se encontra.
A quebrada precisa de mais Memphis, de mais figuras públicas que entendam o poder de suas presenças e se comprometam em usá-lo para inspirar e transformar. Porque, no final, representatividade não é só estar lá em cima para ser admirado, mas descer e caminhar ao lado, mostrando que o impossível é só questão de perspectiva.
Texto: @jonatassolano
Revisão e edição: Tatiana Oliveira Botosso