O caso, que indigna o Rio Grande do Sul, aconteceu em Porto Alegre, na escola EMEF Neusa Goulart Brizola. Um jovem foi abordado por policiais militares. O motivo do crime? Estar parado na parede de uma escola.
A unidade escolar está localizada junto ao Parque Municipal do Morro do Osso, e conforme consta em seu site, ela foi construída para atender uma cComunidade que se formou a partir do aAssentamento de vilas irregulares e de áreas de risco, iniciando suas atividades no dia 8 de maio de 1996.
O caso!
A professora Perla Santos relatou o ocorrido ao Jornal Empoderado: “eu estou com um projeto, porque estava tendo muitos casos de racismo com as minhas alunas. Estou numa escola nova, e aí eu quis fazer um trabalho, então a gente fez toda uma mobilização para levar as duas meninas que estavam sofrendo preconceito, para levar elas no Salão de Beleza.”
“E aí, um dos rapazes que trabalha comigo, que é o Alison, é um menino preto retinto, um menino incrível, tem um potencial enorme, ele faz as filmagens para mim. Então eu pedi para fazer as filmagens hoje lá na escola, só que eu estava no doutorado. E aí eu avisei na escola, eu disse, olha, vai vir um rapaz da minha produção que vai vir fazer a filmagem. Tá tudo certo.“
Aí eu cheguei na escola, ele já estava lá, e disse assim para mim, Perla, eu tenho que te falar uma coisa, eu estava aqui na calçada, né, porque eu disse pra ele que não entrar na escola, não pede para entrar na escola, porque tu é estranho, eles não te conhecem. Eu disse, fica esperando que daí tu entra junto comigo, daí eu te apresento. O que que aconteceu? A escola achou que ele era suspeito, chamou a polícia. A polícia veio com toda a truculência dela. Eu cheguei, ele tava, sabe, devastado, como a gente fica quando a gente passa por isso.
“A escola veio pedir desculpa, porque ele estava na calçada parado, eles acharam que era um suspeito. Chamaram a polícia, não perguntaram pra ele. E ele disse, mas eu tava na calçada, eu tenho direito de ficar na calçada, eu tenho direito. A escola é numa comunidade periférica e preta. Uma pessoa preta não pode ficar parada na calçada?”
Conversamos com a vítima, o Alisson, que nos relatou sua versão da história: “Então mano, essa situação, o que que eu vou colocar, o que que veio em mente na minha cabeça? Antes eu não sabia o que rolava com essas paradas. Depois que eu fui tomando conhecimento e fui sentindo muita coisacomo a parada da raça, da etnia, da pele. Eu fiquei numa crise de ansiedade, comecei a ter crise de ansiedade, comecei a entrar numa bad pesada, como se tomasse remédio.
Isso daí com efeito de outras coisas, né? Mas é aquela carga pesada que a gente recebe a vida inteira até saber que tá acontecendo e aí depois vai lidando com aquilo ali. Mas aconteceu essa parada aí, mano. E toda a minha vida eu venho procurando fazer crianças, jovens, adultos, a ver a beleza da cor da pele, o cabelo, essas coisas de se aceitar, entendeu?
Eu estava conversando com a minha mãe, por estar conspirando esses pensamentos, coisas que iriam vir, a primeira coisa a calhar, entendeu? Alguma coisa iria vir. E dessa vez aconteceu isso, só que de tanto tapa na cara lá atrás, a gente está com os pés no chão. Não posso falar que eu não estou abalado com a situação, eu estou só aqui. Acho que eu estou com a cabeça e a mente um pouco vazia sobre isso e preparado para o que está vindo. O que falaram é que agora a gente vai pedir prova, entendeu? Então, se nos intimarem vamos ter que ir. Mas em meio a essa situação eu tô de cabeça erguida, não posso falar que eu não tô abalado, mexeu com alguma coisa, mas eu acho que é a vez, é hora de não calar a voz. Porque, quantos são oprimidos e fica por isso mesmo. Então, dessa vez, vai ser outra questão.”
“…é urgente que o patrulhamento das Forças Militares seja fiscalizado através das câmeras georeferenciadas nos fardamentos e viaturas. As comunidades não podem ficar reféns de uma política de segurança pública elitista e racista!” – Vereadora Karen Santos
O ativista político, do Psol e Professor Universitário Daniel Cara, falou ao Jornal Emporado sobre o papal da escola: “A escola tem o dever de educar. Educação é diálogo, disciplina, acordos. Assim, qualquer escola que chama a polícia para uma criança ou adolescente é uma unidade escolar que fracassou em seu dever pedagógico. E, normalmente, esse ato de chamar a polícia é motivado por racismo. E onde há racismo jamais existirá Educação.”
B.O do caso
Versão da escola
Tentamos contato diversas vezes com escola e não obtivemos retorno. Enquanto isso duas professoras falaram com a gente, a Francielle Andrade e Larissa Carvalho. Ambas mostraram indignação com o caso.
“Penso ser necessário um posicionamento da escola sobre esse caso. Foram sucessões de erros que não assumem enquanto instituição escolar. Me preocupo não só na banalização do ato criminal, como numa tentativa de justificar a ligação para a polícia. Me preocupa uma tentativa de culpabilizar a vítima, enquanto o trabalho deve ser de reconhecimento do Racismo e estratégias de como evitar que isso se repita” – Francielle Andrade é Professora de História da rede “Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA)” e participa do “Espaços Educativos Afro-brasileiros e Indígenas, (EEABIs)”.
“Eu não estava na escola no dia em que o Alison sofreu racismo, por pessoas da mesma. Quando eu soube, fiquei extremamente revoltada. Me senti diretamente atingida por ser uma mulher preta e por saber que no lugar dele poderia ter sido meu sobrinho, meu irmão ou meu marido o homem preto em frente à escola que consideraram suspeito. É inaceitável que dentro de uma instituição de ensino, com uma extensa agenda antirracista, tenha acontecido um episódio como esse.”
“Em nossa reunião de alinhamento pedagógico foi lamentável ouvir da equipe diretiva que não iríamos falar sobre o ocorrido. Não aceitando essa posição, realizei uma fala enfatizando que foi cometido sim o crime de racismo e que a Perla, de modo sensato, fez a denúncia e que as pessoas responsáveis devem ser responsabilizadas. Após esse e alguns outros apontamentos pedagógicos, a maior parte dos/das colegas se mostrou a favor do que eu havia exposto, dando apoio, mas a equipe diretiva continuou afirmando, enfaticamente, que não havia acontecido um ato racista, tentando tornar as vítimas, Alison e Perla, os algozes da situação. Enfim, mais uma vez o racismo deixando marcas que jamais se apagarão. Mas, a diferença é que agora não aceitaremos e não nos calaremos. Que a justiça seja feita, que nós pretas e pretos sejamos respeitados e que a nossa escola comece a colocar em prática o que tanto se discute e reflete sobre a educação antirracista, pois não vamos mais admitir que isso aconteça.” – Professora Larissa Carvalho
Revisão e edição: Tatiana Oliveira Botosso
Respostas de 4
Tristeza, vergonha e insônia. Mas nada perto do que a vitima passou e segue passando
Obrigado por nos acompanhar, Leticia Fonseca da Silva.
Triste saber que a direção de uma escola pública de periferia aja assim. E, pior, não reconhece seu erro, seu crime, seu racismo.
Lamentável!!!
Obrigado por nos acompanhar, Isabel Faromi.