Oficinas semanais e contação de histórias na Biblioteca Municipal Jorge Amado incentivam o gosto pela leitura e ampliam o repertório sociocultural de crianças e adolescentes do Complexo da Maré.
O Complexo da Maré, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, ganhou uma nova iniciativa dedicada ao incentivo à leitura. Criado pelos educadores e moradores da região, Anderson Oli e Camila Mendes, o projeto “Leituras na Favela” oferece oficinas e contações de histórias com foco em autores negros, indígenas e mulheres. A proposta busca valorizar o protagonismo desses grupos e democratizar o conhecimento por meio de vivências literárias conectadas à realidade cotidiana das favelas.
As atividades começaram em fevereiro e acontecem sempre às terças-feiras na Biblioteca Municipal Jorge Amado, localizada na Areninha Cultural Herbert Vianna, na Baixa do Sapateiro. Voltado para crianças e adolescentes entre 4 e 14 anos matriculados na rede pública municipal, o projeto tem duração de seis meses e se propõe a garantir o acesso a direitos básicos por meio da leitura.
“Ao alcançar crianças e jovens moradores do entorno, local conhecido como Nova Maré (Casinhas), elas experienciam as questões pertinentes à favela, como a dificuldade de acesso à saúde, à cultura, ao lazer, e oportunizamos, em nossas oficinas, um espaço de escuta e acolhimento. O público, em sua maioria, é composto de pessoas negras, de baixa renda e que estão em vulnerabilidade social”, destacam os idealizadores.
Leitura nas periferias: desafios e potencial
Estimular a leitura em territórios periféricos exige criatividade e sensibilidade diante dos obstáculos impostos pela desigualdade social. Um dos principais desafios é a concorrência com as telas e a falta de hábito de leitura, sobretudo entre crianças. De acordo com uma pesquisa do Instituto Ipec (2023), 53% dos brasileiros não leram nenhum livro nos três meses anteriores ao levantamento. No entanto, outro estudo mais recente, realizado em 2024 pela Festa Literária das Periferias (FLUP), mostrou que 74% dos moradores de regiões periféricas são leitores e manifestam o desejo de ter mais acesso a livros.
Essa realidade é perceptível na prática das oficinas. Segundo Anderson e Camila, o acolhimento é um diferencial importante: “Um dos nossos participantes nos disse uma vez que o fato de termos ido visitar a escola para convidá-los fez toda a diferença para que participasse do projeto. Isso nos mostra que o nosso acolhimento e nossa proposta são diferenciais”.
Mesmo assim, eles reconhecem que a participação nem sempre é contínua: “Por se tratar de leitura oralizada, muitos ainda não têm hábito. Mas compreendemos que requer um processo de adaptação”, pontuam.

Com 30 alunos participantes e 10 profissionais envolvidos, o projeto já dá sinais de impacto positivo e pretende ser ampliado para outras áreas da Maré: “Observamos que as crianças ficam mais interessadas e sempre ficam entusiasmadas com as atividades. E os pais comentam que as crianças ficam ansiosas para o dia do encontro”, relatam.
Da universidade para a favela
A semente do projeto foi plantada em 2021, durante um experimento com jovens que se preparavam para o vestibular da UERJ. As leituras dos livros obrigatórios aconteceram por chamada de vídeo, entre janeiro e julho, com a participação de dez estudantes. A experiência revelou as barreiras enfrentadas no acesso à educação de qualidade: “Comprovamos que a precarização dos recursos públicos para a educação são evidentes e as dificuldades são inúmeras”, explicam os educadores.
Hoje, o projeto atende também jovens e adultos de até 65 anos. A formação das turmas se dá por meio de visitas a escolas, instituições locais e divulgação nas redes sociais. A metodologia busca criar uma conexão afetiva com os livros, promovendo trocas entre leitores e incentivando encontros fora das telas.
“A nossa metodologia visa incentivar a leitura a partir da conexão do livro e das histórias, promovendo encontros fora das telas, interagindo com os outros leitores. Acreditamos que o acesso à leitura amplia as oportunidades e melhora o repertório sociocultural. O livro nos possibilita conhecer e refletir sobre nossa vida e também outras realidades”, explicam.
Cada participante recebe gratuitamente um kit de leitura, viabilizado por editais de cultura. O “Leituras na Favela” é atualmente contemplado pelo edital Pró-Carioca, da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro, o que possibilita a aquisição de livros, materiais e lanches.
Serviço:
Leituras na Favela
📍 Local: Biblioteca Municipal Jorge Amado (Areninha Cultural Herbert Vianna), Complexo da Maré
📅 Terças-feiras
🕒 15h às 16h – Contação de história
🕓 16h às 17h30 – Leitura Compartilhada
📲 Instagram: @leiturasnafavela