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EDITORA PERSPECTIVA LANÇA OBRA DE CLÓVIS MOURA

Por Prof. Dr. Dennis de Oliveira 

A Editora Perspectiva está lançando a serie “Palavras Negras”, um conjunto de obras de intelectuais negras e negros produzidos em diversos contextos com o objetivo de contribuir para o debate das relações raciais no Brasil na sua interface com gênero e classe. A coleção é coordenada por um conselho de intelectuais negras e negros formado por Cleber Santos Vieira, Clélia Prestes, Deivison Nkosi, Dennis de Oliveira e Fabiana Vilas Boas.

A primeira obra lançada é a reedição de Sociologia do Negro Brasileiro, de Clóvis Moura. Esta obra foi lançada primeiramente em 1988 pela Editora Ática e é a única do pensador brasileiro que foi editada por uma grande editora. O ano do seu lançamento é emblemático, o centenário da Abolição e da promulgação da Constituição pós regime militar, esta mesma que vem sendo atacada e destruída pelas forças conservadoras nos últimos tempos.

Por isto, a escolha desta obra para dar inicio a coleção não poderia ser mais acertada.

Além disto, o ano de 1988 é um marco no movimento negro brasileiro pois é o momento em que, aproveitando os ventos da redemocratização, se avança na discussão de políticas públicas de combate ao racismo. A primeira frente de batalha do movimento negro foi a tipificação constitucional da prática do preconceito racial como crime inafiançável e imprescritível, modificando a lei vigente (Lei Afonso Arinos) que classificava a pratica do preconceito como contravenção.

O dispositivo constitucional foi regulamentado no ano seguinte pela lei 7716/89 conhecida como Lei Caó. Também na Carta Constitucional de 1988 estabeleceu-se o reconhecimento e a titulação das terras de comunidades quilombolas. E, a partir daí, uma serie de dispositivos foram sendo conquistados nas vias institucionais até chegarmos a adoção de políticas de cotas raciais nas universidades e concursos públicos, entre outras politicas de ação afirmativa.

Apesar destes avanços institucionais, os mecanismos de opressão racial continuaram e se expressam pelo genocídio de negras e negros nas periferias, manutenção das diferenças nos indicadores sociais e, mais recentemente, com o avanço do discurso abertamente racista e fascista.

E por que Moura é importante? Justamente por ser um dos raros intelectuais do campo marxiano que defende a ideia de que o racismo está na lógica de acumulação de riquezas e reprodução do capital no Brasil. Com isto, Moura quer apontar que o racismo transcende os comportamentos e não é um fenômeno disfuncional e nem tampouco um resquício de uma ordem arcaica. O racismo integra o centro dos conflitos de classe no Brasil pelas suas singularidades históricas.

Por isto, para Moura é impossível tratar negras e negros fora da tipologia das relações sociais impostas desde o período do sistema escravista até o sistema capitalista (e, talvez seja por isto, que logo no início da obra Dialética Radical do Brasil Negro, ele afirme que a base do seu pensamento é o conceito marxiano de “totalidade”).  

Mas isto não significa que no pensamento de Moura este sujeito negro é meramente um objeto de estruturas institucionalizadas. Fiel ao paradigma marxiano, Moura aponta que as relações raciais no Brasil foram marcadas por tensões e conflitos, reposicionando negras e negros como sujeitos históricos, como atores políticos centrais no conjunto de lutas sociais. Assim, o capitalismo brasileiro é produto das resultantes destes conflitos históricos, uma visão extremamente distinta tanto da inferiorizaçao biológica do sujeito negro do “racismo científico” dos eugenistas como também dos “antagonismos em equilíbrio” nas relações idílicas no campo privado de Gilberto Freyre.

Não é a toa que, para se contrapor a “Casa Grande e Senzala” de Freyre, Moura escreve “Rebeliões da Senzala”. Assim, é na práxis da rebeldia negra que Moura vai construir a categoria de negritude. Sociologia do Negro Brasileiro é a obra na qual esta proposta conceitual está mais elaborada, passando pela experiência de Palmares (“surpreendentemente progressista para a época” nas palavras dele), a conceituação de grupos diferenciados e específicos, Exu como símbolo libertário negro, a imprensa negra em São Paulo, entre outros.

Finaliza a obra com a apresentação do conceito de escravismo tardio que ele desenvolverá posteriormente na obra Dialética Radical.

As possibilidades institucionais abertas para a discussão do racismo a partir do final dos anos 1980 e mais particularmente durante os ciclos de governos progressistas entre 2003 e 2016 aliada as armadilhas teóricas com a emergência de ideias como diversidade, multiculturalismo, sistemas de opressões múltiplas, entre outros, refluiu na discussão das relações raciais a perspectiva classista. É fato que também estes avanços nas politicas públicas ampliou o debate na academia sobre o tema, particularmente com a presença de mais jovens negras e negros nos espaços universitários.

A constatação desta contradição entre os avanços institucionais e a manutenção e sofisticação dos mecanismos de opressão racial abriu espaço para considerações mais estruturais do racismo. E, com isto, a obra de Clóvis Moura – assim como outros pensadores críticos, como Frantz Fannon, Cedric Robinson, Angela Davis – tem sido retomada. Organizações mais novas do movimento negro tem se baseado nestes pensadores, como a Rede Antirracista Quilombação, da qual faço parte, fundada em encontro de ativistas em dezembro de 2013, em memória de Clóvis Moura por ocasião do décimo aniversário da sua morte.

Tive a honra de conviver com o professor Clóvis Moura no final dos anos 1990 e até cheguei a dividir mesas de discussões com este ilustre intelectual. Eu, ainda um jovem militante e engatinhando na carreira acadêmica, quando estávamos em um boteco próximo ao porto de Vitoria (ES) depois de participar de um evento relativo a Semana de Consciência Negra, ouvi da boca dele: “a luta contra o racismo é uma bomba que vai estourar todas as estruturas sociais deste país, por isto há um esforço enorme para reprimi-la e invisibilizá-la”. Saudades do nosso mestre!

SERVIÇO

“Sociologia do Negro Brasileiro”, de Clóvis Moura

Coleção Palavras Negras – Editora Perspectiva

R$59,90

Link para compra:

https://loja.editoraperspectiva.com.br/lancamentos/sociologia-do-negro-brasileiro/

 

[1] Professor associado da Universidade de São Paulo, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, coordenador da Rede Antirracista Quilombaçao. E-mail: dennisol@usp.br

 

NOTA

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