Hoje não vai ter artigo científico, hoje não tem notícia que está sendo veiculada, hoje vou despejar na coluna uma dor pessoal, mas que não é só minha.
Sexta passada (06/07/2018) eu estava com meu marido e meus filhos em um posto abastecendo, quando ouvimos um tumulto. Na frente da loja de conveniência dois homens jovens se engalfinhavam, cena quase normal na parte “nobre” da Zona Oeste do Rio de Janeiro em uma sexta à noite, plena de alcoolizados. Mas, não era bem isso…
Como normalmente acontece, muitas pessoas se juntaram em volta e logo três homens, também jovens, se juntaram para “apartar” a briga. Só que não, eram amigos do que estava apanhando e passaram a bater violentamente no outro. Obviamente mais homens se manifestaram, inclusive os trabalhadores do posto, e os três largaram o rapaz violento que saiu se ajeitando em direção ao carro. Entrou no carro e saiu cantando pneu como já esperado. Tudo isso aconteceu muito rápido.
E você me pergunta, mas o que isso tem a ver com a dor feminina? Eu conto…
Segundos depois da explosão de testosterona os quatro rapazes (o que tinha apanhado e os três amigos) estávam aos berros cercando uma menina e xingando ela de vagabunda para baixo. Eu já indignada com a situação escuto ela berrando “Eu não bati em você, eu bati no meu marido! Eu estava defendendo você!” E cerco de testosterona se fechava aos berros em torno da menina, que a propósito era magrinha, pequena e estava claramente alcolizada e transtornada.
Não me aguentei, saí de perto dos meus e me coloquei entre ela e os rapazes, empurrando ela para um canto e me colocando na frente dela e mandei pararem. Um deles era muito grande e forte. Seguiu-se o seguinte diálogo:
Eu: “Chega! Deixa ela em paz!”.
Eles: “Mas a gente estava defendendo sua amiga…”
Eu: “Ela não é minha amiga! Eu nem conheço ela! Mas se estavam defendendo, por que estão xingando agora! Deixem ela resolver com o marido”
Bem, para encurtar a história e chagar ao que é relevante nesse relato, preciso destacar mais alguns detalhes:
Estavam todos bebendo no posto. A menina, já afastada dos homens me relatou parte da história, e na primeira frase já pediu desculpas e assumiu que estava alcolizada. Sequência dos fatos relatados por ela: os tais homens tinham falado com ela quando saía da loja de conveniência, o marido ligou bem na hora, um dos rapazes pegou o telefone e falou com o marido. O marido chegou enlouquecido batendo no rapaz que estava do lado dela, que não era o da ligação.
Só homens interferiram na briga dos machos na frente da loja, algumas mulheres olhavam. Ninguém, a não ser eu interferiu quando a menina estava sendo ofendida e acuada. Ninguém! Uma mulher me parou e fez algum comentário sobre o absurdo de fazerem isso, ao que respondi que deveríamos nos unir para defender outras mulheres, mas ela não me seguiu por mais que dois passos, até os tais rapazes se aproximarem novamente.
Os rapazes rondaram se “defendendo” o tempo todo, mas xingando e acusando a menina e o marido dela sem dar tréguas. A menina assumiu que estava bêbada, falou o que aconteceu, apezar de nervosa relatou que o marido estava com o cartão e a filha dela e que um de seus telefones não estava funcionando…
Quando eu, já tendo afastado ela deles pela segunda vez, pra bem longe estava ouvindo esse relato e a convencia de ligar para alguém, o tal rapaz que apanhou do marido dela chegou perto e assumiu a conversa, não deixando eu falar nem ela ligar. Meu marido, percebendo a movimentação deles, me chamou. Tentei ainda falar com ela e ela me disse “Vai, pode ir. Teu marido está te chamando…”
Saí com o coração partido, sangrando, as mãos tremendo e pensando em como somos vulneráveis. Eu queria ter dito pra ela que esse relacionamento dela com o marido precisa ser revisto, que ele é um homem violento e que ela precisa de apoio, ainda mais com uma criança no meio. Queria falar dos riscos que uma mulher passa por estar sozinha e alcolizada. Queria falar que ela precisa de ajuda. Mas não consegui.
Fiquei chocada de ninguém se juntar a mim na defesa dela. Não porque ela está certa e eles errados, nem entro nesse mérito, que provavelmente desencavaria ainda mais misoginia e machismo. Mas me doeu constatar o quão nós mulheres ainda estamos solitárias nessa luta, quanto ainda nos vemos abandonadas em situação de risco eminente ou de agressão factual.
E me pergunto, Até quando??? E lhe pergunto: Até quando???