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Biblioteca Negra, desvelamento e desmitificação do Epistemicídio.

Talvez a primeira reação que temos ao ler “biblioteca negra” seja relacioná-la ao racismo, isso está errado? Está e não está. Um detalhe sutil (mas não simples) que faz toda a diferença para concebermos essa ideia é: o racismo em vezes é a produção da não existência das pessoas negras e ao mesmo tempo acaba sendo a única forma de existência concreta e simbólica. Ao pensarmos pessoas negras, pensamos no racismo ou caminhamos na imaginação do que “representa” ser uma pessoa negra, exemplos seriam: criminosos, traficantes, empregadas, seguranças, pobres, “escravos” e/ou militantes com seus “mimimis”.

Dificilmente quando pensamos/olhamos pessoas negras, pensamos em Biblioteca, em pesquisadores, professores, estudantes, intelectuais, chefes e autoridades…

Ciampa (2001), desenvolveu acerca da Identidade Humana e como a mesma é construída permanentemente em relações sociais, afirma que essa não é cristalizada como é comumente concebido. Portanto, é injusto atribuir que aquelas primeiras visões sobre negros ditas aqui, representem a(s) identidade(s) das pessoas negra e os papéis que as mesmas desempenham. Seria chamado pelo autor de Identidade Pressuposta e Identidade Mito.

“Mito” é uma palavra que nos leva a vários lugares, né?! Muitas vezes o que compõe a existência de negres nas relações humanas e na sociedade, é predito por mitos, como o MITO da democracia racial, racismo reverso, ou da meritocracia. Se estão nas relações sociais, portanto, estão presentes também na formação da identidade, e eles ignoram a sua (in)completude, sua subjetividade, sua construção, seu processo, sua vida e sua morte, com respeito, dignidade, autoridade e humanidade. Não podemos nos esquecer do mito compartilhado de que as produções de pessoas negras e/ou sobre racismo é recente.

Como o racismo é um fenômeno estrutural, institucional, individual e cotidiano, poderíamos nos atentar a diversos e incansáveis contextos para discutirmos como o mesmo é produto e produtor da realidade social brasileira. Mas aqui, focarei na Biblioteca Negra, me debruçando sobre a  Universidade e o Epistemicídio como plano de fundo.

O epistemicídio de forma direta, poderia ser chamado de “Saberes Sepultados”, como nos diz Sueli Carneiro; são todas essas práticas que negam ou desapropriam o/a negro/a/e dos lugares de sujeitos/as/es de conhecimento e portadores de saberes. Não existir produções de pessoas negras em Bibliotecas é um absurdo e pode até parecer mentira ou que estamos “forçando a barra”, mas isso é uma realidade. O epistemicídio foi e vem sendo cumprido com sucesso e o não-combate do mesmo acarreta à produção de uma sociedade que continua racista, mas não sabe apontar onde. Pensemos em autorias negras que estudamos ao longo da nossa formação educacional “formal”, encontraremos a contradição…

Com isso, quero dizer que a presença de corpos negros dentro das Universidades, ou no caso, a ausência desses corpos, é um fenômeno produzido, como nos afirma Nilma (2017). Isso fica mais evidente ao analisarmos em questões numéricas o fato da população brasileira ser majoritariamente negra, enquanto esses índices encontram refletidos apenas nos mais baixos estratos sociais assim como na expressão minoritária dentro das universidades.

Negres não estão nelas também no simbólico/político, em “diversos papéis”, seja nos livros estudados, em posição de alunes e professores, não estão como reitores; estão como funcionários, de serviços gerais e afins, ainda que dignos, muitas vezes terceirizados, mas sabemos que representam aqueles mitos antes citados. Aquelas identidades pressupostas.

Para nós, almejar entrar na universidade não é um sonho tão palpável, não temos os nossos no horizonte, parece que é um lugar ofuscante que de tão branco cega as vistas. Talvez, no máximo, o acesso àquele lugar se dê pelas portas dos fundos. E a presença negra que poderá ver na biblioteca, tocando as estantes, é provavelmente da “tia da limpeza”.

Nilma Lino Gomes (2017) define as principais ações iniciais e pontuais dos Movimentos Sociais Negros Brasileiros (MN), como: indagação de políticas públicas, superação das desigualdades raciais, ressignificação e politização da raça. Possibilidades e ações que visam a EMANCIPAÇÃO e não a estigmatização. Por último, mas não menos importante, ela trata o MN como educador e principalmente REEDUCADOR. Tendo isso em mente, nós do Coletivo Neusa Santos, somos um desdobramento e um braço desse movimento como um todo, ou seja, somos parte desse todo e o todo está em nós. A Biblioteca Negra é um marco registrado em ação, ela atrai, ela convida, ela acolhe estudantes negres, mas precisamos ir mais afundo, não só ingresso, mas permanência, ações afirmativas contínuas, ementas, políticas públicas, corpo docente… O que é exaltado aqui é como a Biblioteca DESVELA e DESMITIFICA nossa realidade racializada.

Cumprimos com as transformações que nos empenhamos cotidianamente, dentro e fora da academia e realizamos a articulação com outros coletivos e grupos organizados e compactuantes com a luta antirracista da instituição em questão e dessa forma, ao estabelecermos e concretizarmos a Biblioteca Negra da PUC-SP, nós estamos ressignificando as instituições, bem como esse lugar político que chamamos de biblioteca. Mudamos o material-simbólico, estamos possibilitando novas formas de existência, estamos reeducando a sociedade ao “provarmos” que “nossas vidas importam” e fundamentalmente o que fazemos dela. Produzimos possibilidades de reconhecimento sadio, de acolhimento, de representatividade, de potência afetiva positiva, de ocupação e principalmente de dignidade, com a vida que foi dedicada à produção de conhecimento e saberes, com a vida que virá a se dedicar e com as que estão se dedicando. Ações realmente antirracistas e anti-epistemicídio.

Neusa Santos, PRESENTE! Passado e Futuro, é o que visamos e conduzimos, sempre com criticidade, movimento, coletivização, resistência e consciência. Com ciência, ou sem ciência, cada passo que damos em grupo, move o mundo. Assim como, o desenvolvimento de uma e de várias Identidade(s) em direção à emancipação, rompendo e destruindo o que nos engessa e nos estigmatiza; lugar de preto é onde ele bem entender.

A Biblioteca Negra significa um novo horizonte “escurecido” que acolhe os olhos, que permite presenciar o nascer de um novo dia. Ela tem e permite uma identidade para além do(s) mito(s). Aliás, podemos até chama-lo(s) pelo nome correto: MENTIRAS!

Crédito: Heloisa Aun | Catraca Livre Cartaz

Felipe Corrêa dos Santos, mestrando em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), integrante do Coletivo Neusa Santos e Psicólogo pela Universidade de Araraquara (UNIARA)

REFFERÊNCIAS USADAS:

CIAMPA, A. DA C. A estória do Severino e a História da Severina: Um ensaio de psicologia social. 12. ed. São Paulo: BRASILIENSE, 2001.

GOMES, N. L. O movimento negro educador (Saberes construídos nas lutas por emancipação). Livro Digital ed. [s.l.] Editora Vozes, 2019.

SUELI CARNEIRO: A CIÊNCIA E O RACISMO. Serrapilheira, 2020. Disponível em: <https://serrapilheira.org/sueli-carneiro-a-ciencia-e-o-racismo-no-brasil/>. Acesso em: 09 de set. de 2021

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