Por Flávia Albaine
Certa vez, dirigindo pelas estradas do interior de Rondônia para atender a população carente de determinada cidade, me deparei com um caminhão com um adesivo colado na traseira escrito “Mulher no volante, perigo constante”.
Custei a acreditar no que via à minha frente, tanto que demorei para ultrapassar o caminhão. Fiquei com aquela frase martelando na minha cabeça e a primeira coisa que fiz ao chegar na minha cidade de destino foi comentar tal fato com um grupo de pessoas próximas, incluindo mulheres.
Sinceramente, não sei dizer o que me deixou mais chocada, se a frase na traseira do caminhão ou a reação das pessoas do grupo: “Você está exagerando, é apenas uma brincadeira”.
Então, machismo mudou de nome e virou brincadeira? Não devemos nos indignar com piadas que coloquem as mulheres em situações de inferioridade pelo simples fato de serem mulheres?
A conversa com o grupo evoluiu e acabamos comentando sobre o odioso estupro coletivo de uma jovem ocorrido em 2016 no Rio de Janeiro. E, mais uma vez, acabei ouvindo o que eu não queria ouvir: “Sou contra o estupro, mas ela provocou, pois usava roupas curtas e tinha uma vida sexual bastante ativa”.
E ali, com toda a dor no coração, caiu de vez a minha ficha de como a cultura do machismo ainda está enraizada em nossa sociedade e é tratado como algo “normal”.
Da minha dor como mulher após ter vivenciado essas situações eu me dei conta do quão é importante a ampla divulgação do movimento feminista e tudo que foi conquistado graças à luta de mulheres que não se conformaram com os absurdos que lhes eram impostos.
De como é importante ainda combater a crença de que o lugar de mulher é sempre na cozinha. Não! O lugar de mulher é aonde ela quiser.
De achar que mulher que usa roupas curtas e com vida sexual ativa é “vagabunda” (desculpem a expressão, mas estou reproduzindo o absurdo daquilo que é dito) e, portanto, se justificaria um estupro. Jamais! Um estupro não se justifica em hipótese alguma!
De se estranhar quando uma mulher fala um palavrão. Ora, se falar palavrão é deseducado, então que seja deseducado tanto para homem quanto para mulher!
E nos meios das minhas reflexões lembrei-me de Maria da Penha, que fez da sua dor combustível para lutar contra a violência doméstica em desfavor da mulher.
Após ter sofrido duas tentativas de homicídio pelo companheiro da época – um tiro nas costas enquanto dormia, que culminou com a perda dos movimentos das pernas (assim como a necessidade de cadeira de rodas), e uma tentativa de eletrocutá-la durante um banho de chuveiro, ela ainda teve que enfrentar o descaso e a debilidade do sistema judiciário brasileiro na punição de seu agressor.
Tanto que o caso foi parar no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e o Brasil, constrangido internacionalmente pela covardia de fechar os olhos para a violência contra as suas cidadãs, finalmente editou a Lei 11.340 de 2006 para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Se hoje as mulheres votam, se podem se casar com quem quiserem e se assim quiserem, se podem trabalhar sem necessitar de permissões de seus esposos, elas devem isso às ondas do movimento feminista e de mulheres que lutaram bravamente para que direitos básicos fossem conquistados.
Inegável que muita coisa já foi conquistada. Se hoje estou aqui compartilhando o meu desabafo com vocês sem precisar usar um pseudônimo masculino, devo isso também ao movimento feminista.
Mas muita coisa ainda precisa mudar. E é por isso que eu concordo integralmente com Chimamanda Ngozi Adichie (cuja obra eu recomendo bastante por conseguir abordar o feminismo com leveza, seriedade e sensibilidade) quando ela diz “Sejamos todos feministas”.
Quem é Flávia Albaine?
Defensora Pública atuante em Rondônia desde 2016. Graduada pela UFRJ, é especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UERJ. Palestrante e atuante em favor da inclusão social, também, também é a criadora do projeto “Juntos pela Inclusão Social”.
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