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As musas do Carnaval e o racismo: as críticas concretas do grupo SAMBA ABSTRATO

A advogada e comentarista política da CNN Brasil, Gabriela Prioli, foi convidada para ser musa do Camarote nº 1 do Carnaval 2022 na Sapucaí. O fato de uma linda loura ocupar esse lugar já seria motivo suficiente para causar burburinho nas redes sociais. Já há muito tempo, vem se tornando uma prática comum das grandes escolas de samba escolher mulheres brancas para serem musas e rainhas de bateria deixando de lado beldades que muitas vezes nascem no seio da comunidade.

Mas Gabriela Prioli, precisava de mais. Em entrevista precisou dizer que era mestre por umas das mais importantes universidades da América Latina e que a academia também poderia ocupar o espaço das escolas de samba. Gabriela Prioli ignorou o sem número de mestres e mestras, Doutores e doutoras negros e negras que ocupam a academia falando, vivendo e fazendo samba. A reação nas redes sociais não poderia ser pior.

Pensando nessa repercussão e nas situações que já aconteciam,  eu, Ellen Senra, psicóloga, escritora e colaboradora do Jornal Empoderado decidi, neste mês em que estamos vivendo um carnaval fora de época, buscar um movimento do qual há pouco tomei conhecimento, o Samba Abstrato.  Ele é um movimento criado com objetivo principal de levar seus seguidores à reflexão através de sátiras, deboche e muito humor sobre tudo o que vem ocorrendo no universo do samba, principalmente o movimento de embranquecimento, prevalência de posições de destaque para quem pode pagar mais, tirando o protagonismo de quem nasce nesse mundo. Aborda também muitas outras questões como o racismo estrutural e a perda do pertencimento das pessoas que dedicam suas vidas a entregar um carnaval de conteúdo como o movimento histórico e social onde o samba se consolidou.

Diante de um movimento tão rico e pertinente, procurei representantes do Samba Abstrato para uma entrevista exclusiva para o nosso Jornal Empoderado, o que vem de encontro a uma polêmica afirmação de uma figura pública sobre uma suposta quebra de estereótipos de sua parte ao se tornar musa de carnaval e possuir um diploma de mestrado em uma conceituada universidade de São Paulo, desmerecendo por consequência todos os intelectuais do samba desde o seu nascimento até o momento.

Para ficar por dentro de toda crítica construtiva que o Samba Abstrato realiza, basta segui-los em suas redes sociais, mas contemplem abaixo a entrevista na íntegra e entendam porque se faz tão necessário um movimento como esse em pleno ano de 2022.

Jornal Empoderado (JE) – Através de pesquisas, descobri que o Samba Abstrato nasceu como forma de crítica social ao movimento caricato que foi se formando no carnaval brasileiro com o decorrer dos anos, principalmente quando o assunto é apropriação cultural ou racismo estrutural. Vocês também visam a crítica à censura que temos visto crescer cada vez mais nas grandes escolas de samba?
Com certeza. O Samba Abstrato é uma página de humor que usa do deboche e a sátira para fazer uma crítica social pungente. Quando vemos o recrudescimento da censura, violência, apagamento e silenciamento das vozes pretas no carnaval. Sabemos da necessidade de trazer esse debate que vem de anos, não começou com essa página no Facebook, mas já passou pelas escolas, pelo rap e até pela academia onde intelectuais trouxeram ao debate a apropriação cultural do carnaval. 

JE – Algo que tem chamado atenção e tomado as redes sociais, especialmente as páginas racializadas, é a banalização do posto de rainha da bateria que vem sendo comercializado há alguns anos, tirando o posto de membros fiéis das escolas de samba e que possuem, cá entre nós, muitas vezes muito mais talento do que quem compra o posto. Como o coletivo vê esse movimento e de que forma se posiciona?
A Musa Abstrata, essa pessoa que usa de meios financeiros para se impor por motivos egóicos para “aparecer” no carnaval é a síntese da nossa crítica e tem muitas camadas. Tem a camada econômica, onde a competição do carnaval faz com que as escolas tenham a necessidade cada vez maior de recursos financeiros e acabam comercializando este posto. Tem a camada estética onde a presença dessas musas embranquece e torna feio o que deveria ser beleza e tradição, assim como a camada do espetáculo artístico onde pessoas que não sabem sambar se tornam as bailarinas principais de um espetáculo que também é de dança. O que acontece com o carnaval é o que acontece com todas as artes e saberes pretos que são apropriados, embranquecidos, saqueados e depois jogados fora quando perdem a sua consistência a apodrecem. Infelizmente, vemos que o carnaval vai pelo mesmo caminho. A única certeza que temos é que a nossa arte sempre renasce e que, de alguma forma, o carnaval preto já está renascendo, sendo através dos blocos afros, sendo através de outras formas de expressão pretas autênticas.

JE – O uso de atrizes em posições de destaque nas alas tem sido cada vez mais comum e, pegando uma fala de vocês que li em outro veículo, isso ocorre como forma de elevar ainda mais o ego dessas musas já tão conhecidas pela mídia, tirando então a oportunidade do surgimento de novas musas, em especial as periféricas que poderiam usar esse período para se destacar por sua beleza, resistência e samba no pé. Como o coletivo vê esse movimento? Vocês acreditam que haja algo a ser feito para que essas meninas que cresceram no samba possam voltar a ter destaque, visto que é a chance de muitas delas criarem oportunidades de trabalho como modelo, por exemplo?
Ego e dinheiro são os pontos principais quando falamos das Musas Abstratas. Porque além das atrizes, modelos e influenciadoras que se expõem até mesmo a papéis ridículos por não saberem sambar ou não combinarem com os papéis a que se propõem na avenida, temos visto nos últimos anos médicas, delegadas, empresárias e até juízas se dispondo a estarem no carnaval em lugar de destaque para favorecer seu ego com a força do dinheiro. Quando poderíamos imaginar que uma juíza ou empresária branca, de origem europeia, totalmente alheia a cultura dos Quilombos de onde surgem as escolas, se colocariam nessa situação? Nem no sonho mais distópico, mas é isso que vem acontecendo.

Acreditamos que ao apontarmos a abstração dessas musas, estamos protestando contra elas e nos posicionando, principalmente quando criamos a linguagem da crítica e do deboche. Hoje em dia, quando se vai a um ensaio ou desfile, as pessoas já identificam e apontam as musa abstratas. Esse conceito se espalha no consciente coletivo de forma transformadora. Não somos mais enganados, nós sabemos quem são as musas, carnavalescos, sambistas abstratos que se apropriam do carnaval, e essa transformação de linguagem e de consciência pode ser revolucionária, tanto que este ano muitas musas abstratas foram destaque da grande mídia justamente por sua abstração. Nossa voz chegou às ruas e não é possível mensurar o impacto, mas ele existe.

JE – Quais críticas têm sido mais frequentes e necessárias, além da caricatura política e a soberania da elite brasileira nos últimos carnavais?
O embranquecimento das culturas e expressões pretas, o genocídio do povo preto, e, no caso do samba abstrato, há também a denúncia estética que está se perdendo com o embraquecimento das escolas. O carnaval é beleza e tradição e isso tende a acabar se não pararmos de alguma forma a abstração.

JE – Esse ano, em especial, com o carnaval fora de época, devemos esperar mais indignação e consequentes críticas construtivas do coletivo? Se sim, em quais aspectos principais?
Esta temporada nos surpreendeu, pois, por ser um carnaval meio atrapalhado por todos os acontecimentos sociais, achamos que não teríamos tanta audiência, mas foi o contrário. Aparentemente, os últimos anos fizeram com que muitas musas abstratas saíssem de seus meios para aparecerem no carnaval, assim como muitas pessoas aderiram a nossa Comunidade para fazer a crítica disfarçada de puro humor.  Começamos a temporada com 16 mil seguidores e agora já estamos chegando na casa dos 40 mil membros ávidos a comentar, enviar conteúdo, vídeos e apontar as musas e isso é muito bom.

“Nosso intuito não é ofender ou macular nenhuma musa em especial e sim criticarmos esse movimento abstrato como um todo. Muito obrigada por fortalecer nossa página que é um Quilombo preto. Nosso lema é: amor preto cura, fogo nos racistas une. Um abraço, A Diretoria.”

Texto de Ellen Senra que é psicóloga no Rio de Janeiro e escritora membro do Jornal Empoderado.
Capa: Imagem apenas ilustrativa do artista _alphataurino.

NOTA

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