Poucas pessoas, que não pertençam aos grupos que se dedicam ou ao menos se interessam pelas artes e pela cultura, têm consciência da dimensão de quem realmente representa o bailarino Ismael Ivo, falecido na quinta-feira, dia 08/04, vítima do Covid-19.
Nas últimas quatro décadas, ele produziu com imensa dignidade, talento, criatividade e ousadia, boa parte do que de melhor se produziu no campo da dança nacional e internacional. Não pro acaso, sua frase mais marcante foi “Quando perguntarem sobre o que eu fiz, vá e diga ao mundo que eu tentei, só isso”.
Nascido em 1955, na Vila Pudente e criado na Vila Ema, bairros da Zona Leste da capital paulista, Ivo sempre afirmou que sua mãe, uma empregada doméstica, falecida em 2017, foi sua grande referência de luta e sua maior incentivadora, desde à adolescência, nos anos de 1970, quando se sentiu atraído pela arte da dança.
Apesar de todas as dificuldades econômicas, mas com obstinação, conquistou bolsas de estudo e enfrentou com bravura todos os desafios que a vida colocou em seu caminho. Durante as primeiras experimentações em grupos de dança moderna, entre eles, o Teatro de Dança Galpão, chamou a atenção do coreógrafo Klauss Vianna que o convidou participar, por um ano, das vivências artísticas com experimentações técnicas, no Teatro Municipal de São Paulo.
Num grande evento em Salvador, Bahia, em 1983, impressionou o mais importante convidado internacional presente, o coreógrafo afro-americano Alvin Alley, que o levou para Nova York, onde integrou a famosa companhia de dança daquele que é um dos ícones da dança contemporânea internacional. Um ano depois, ele estava fundando com o diretor artístico Karl Regensburger, em Viena, um dos mais importantes eventos do gênero, na Europa, o Festival de Dança Contemporânea InPulsTanz.
Vivendo em Berlim, seus dois próximos desafios foram tornar-se o aclamado diretor da Bienal de Veneza e entrar para a história como o primeiro negro a dirigir, em Weimar, o Teatro Nacional Alemão. Desta forma, seu nome passou a integrar a constelação das estrelas de grandeza maior, com as quais conviveu e atuou, como a alemã Pina Bausch, a sérvia Marina Abranovic e o norte-americano William Forsythe.
Em 2010, foi agraciado com a condecoração da Ordem do Mérito Cultural. O convite para retornar ao Brasil, em 2017, e assumir a direção do Balé da Cidade de São Paulo, no Teatro Municipal, despertou tanto ciúmes e inveja dos preteridos quanto incomodou algumas autoridades da área de Cultura da capital paulista, que não suportavam sua atuação independente e seu compromisso, em especial, com as causas da negritude e dos excluídos.
Não poucos torceram se incomodaram com sua iniciativa de abrir as portas do Teatro Municipal para estudantes de escolas públicas e pessoas que jamais tinham adentrado àquele espaço cultural frequentados pelas elites. Uma das retaliações foi a proibição de criar novas coreografias para o corpo de baile, pois as temáticas sociais abordadas incomodavam aqueles que se arvoram de serem os donos da Cultura na cidade, do estado, do País. A esses respondia com a famosa frase de James Baldwin: “Não sou seu negro!”
Falsas acusações de assédio, das quais foi absorvido na Justiça, resultaram em dois acidentes vasculares cerebrais. Soma-se a isto, a demissão de seu cargo que ajudou a debilitar sua saúde e o impediu de assumir sua nova função, na TV Cultura. Daí, à infecção pelo Convi-19 foi um pulo.
As expectativas de cura, devido às recentes melhoras, deram a falsa impressão de que Ismael Ivo teria superado mais este desafio. Porém, ele não conseguiu. Mas, como mesmo dizia, “… vá e diga ao mundo que eu tentei, só isso”. Vaidoso, como não poderia deixar de ser, não gostava de revelar a própria idade. Numa entrevista à revista Cult, indagado a respeito, respondeu brincando: “As pessoas associam uma imagem à idade. Prefiro o mistério. Estou trabalhando minha própria eternidade”.
Verinha Santana, da Feira Preta, fala sobre a demissão de Ismael Ivo
“Sou amiga de Ismael. Trabalhei com ele no Theatro Municipal, de São Paulo. Mas o conheci na ocasião do desenvolvimento da “Feira Preta”, em 2017 , quando fizemos a edição na praça das artes. Ele sempre foi gentil, amigo.
Até hoje, não fomos atendidos em nossa solicitação de esclarecimentos sobre sua demissão. Que ocasionou em tristeza profunda. Ismael foi tratado da pior forma pela prefeitura de São Paulo, no momento de sua demissão.”
Abaixo o áudio, da Verinha Santana, do “movimento #justiçaparaismaelivo” que protocolou, na Prefeitura de São Paulo, um pedido de reunião com o Prefeito Bruno Covas (PSDB).
Nota: Ismael foi inocentado do caso. Segue link da matéria “Ismael Ivo foi inocentado de acusações de assédio depois de ser demitido do Municipal” (Folha): https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/04/ismael-ivo-foi-inocentado-de-acusacoes-de-assedio-depois-de-ser-demitido-do-municipal.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa
Resposta da Prefeitura de São Paulo
Até o fechamento da matéria não recebemos resposta da Prefeitura.
Artistas deixaram sua homenagem ao gigante Ismael Ivo
“Caiu o Pano A Estrela Sobe!
Digno de respeito e honestidade, fez a diferença entre a elite, ocupando lugar de destaque. Se dedicou a luta de inclusão de negros nos elencos do Balé da Cidade. Não se furtou nos debates da intolerância Religiosa. Fez a inclusão do povo das Comunidades, deu visibilidade ao afro-brasileiro que puderam subir ao palco, que sempre lhe foi negado. O projeto PORTAS ABERTAS, foi um marco em suas realizações. Uma grande perda, mas Ismael Ivo já figura entre os que Marcaram a História dos Grandes Gênios! Sua influência não se limitou ao Brasil, sua fama correu e correrá no Mundo! É nosso orgulho. Sua bagagem de sabedoria e humanismo, dedicação aos de sua cor emblema sua vida e de todos que o conheceram.
Descansa em paz grande Ismael Ivo.” – Vera Luz, atriz já a 30 anos.
“(Ismael Ivo) é mais um que elevou o nome do Brasil…do povo negro e apresentou o corpo negro dançando a sua brasilidade dentro de uma linguagem universal do balé clássico, unindo referencias tão genuínas e brasileiras. No teu trabalho, na tua arte, na tua dança. È difícil falar sobre essa referencia que a gente está perdendo. A gente está perdendo as grandes referencias. Pessoas que construíram um legado. E que mesmo assim o Brasil tentou apagar, invizibilizar…
É difícil falar de um gênio como Ismael Ivo, que na sua volta ao Brasil voltou com um belíssimo espetáculo juntando todo seu conhecimento da dança e juntando, ainda, outros povos para dançarem o teu balé a tua sua linguagem. Eu vi essa apresentação dentro do Municipal (Teatro Municipal, de São Paulo). Um povo oriental, ao som do tambores orientais, falam quase pra gente; que comunicam pra gente coisas dos nossos tambores ancestrais…foi lindo. è uma perda irreparável…
Não tem substituto para Ismael Ivo. É um legado gigante que a gente tem o tempo todo enaltecer e nao deixar esquecer jamais, jamais… e agradecer. Mais um ancestral que vira encantado e que tem que ser referenciado nas encantarias pelo Brasil a fora, como o maior bailarino brasileiro de todos os tempos” – Ailton Graça é reconhecido e talentoso ator de novelas e filmes.
Colaboraram para esta matéria o jornalista Oswaldo Faustino e Verinha Santana.