Dentre os programas do Fome Zero, o Bolsa Família (BF) foi o que teve mais notoriedade pública e social. Ele foi criado ao final de 2003, mediante a unificação dos programas de transferência de renda existentes e a ampliação dos integrantes do Cadastro Único. Caracterizou-se como uma “política massiva”, um programa de segunda geração, por buscar a universalização do atendimento da população elegível. Assim, já em seu primeiro ano, mais que dobrou o número de participantes.
O total de beneficiários do BF foi crescente nos governos petistas. No último ano de Lula, atingiu aproximadamente 13 milhões de famílias. Com Dilma, o programa foi ampliado, atendendo 14 milhões de famílias. Assim, o BF teve expressiva participação na política de combate à fome dos brasileiros.
No governo Bolsonaro, o total de beneficiários do BF manteve-se no patamar alcançado pela presidenta Dilma.
Para avaliar a situação social atual, temos que lembrar que a visão negacionista e a política genocida orientam as ações deste governo. Para além do desprezo às vacinas e do estímulo à contaminação, a insistência do presidente com sua miserável proposta de Auxílio Emergencial de R$200,00 foi reveladora destas atitudes. Essa quantia, insuficiente para atender às necessidades mínimas das pessoas, força a que se exponham ao vírus aqueles que não têm outro recurso senão o de ir às ruas para buscarem seu sustento e de sua família no dia a dia. Além disso, a fome debilita a saúde, o que agrava o quadro sanitário, especialmente da população pobre. A fome também mata.
Sabiamente, o Congresso Nacional reagiu, liderado pela oposição, e o valor do Auxílio Emergencial aprovado foi de R$ 600,00, depois reduzido a R$300,00, vigorando até o final de 2020. Mas, contrariamente à proposta da oposição, sua continuidade em 2021 foi vetada por Bolsonaro, que considerava que isso “ia quebrar o país”. Por isso, a população pobre iniciou este ano sem contar com o Auxílio Emergencial. De janeiro a março foi o Bolsa Família, criado pelo presidente Lula, que protegeu a população pobre. O Auxílio Emergencial foi restabelecido em abril, mas com os exíguos valores de R$150, R$250 e R$375, a depender da situação familiar. E agora sua vigência foi estendida até o próximo mês de outubro, com esses mesmos valores.
Atualmente, 117 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar, representando cerca de 55% da população; deles, 9 milhões se encontram em estado de “fome aguda”. Esta trágica situação foi imposta pela destruição das políticas sociais nos anos recentes, pelo baixo valor do Auxílio Emergencial vigente e pela crise econômica do país. São 15 milhões de desempregados e 6 milhões de desalentados, que desistiram de procurar emprego. Esse quadro se agrava com o aumento da inflação, especialmente dos preços da energia elétrica, do gás de cozinha, dos combustíveis e dos alimentos, itens primordiais do consumo popular. As cidades de todo o país viram aumentar significativamente sua população de rua, para a qual foram jogadas famílias inteiras.
E o que faz o governo Bolsonaro, capitaneado pelo ministro Guedes? Pratica o “ilusionismo na economia”, na expressão do grande Celso Furtado. Anuncia um crescimento econômico mirabolante em 2021, com taxas calculadas sobre uma base estatística deprimida, em razão do pífio resultado da economia no ano passado. Resultado que só não foi pior devido ao valor do Auxílio Emergencial, que contribuiu decisivamente para o “consumo das famílias”.
No campo tributário, foram anunciadas mudanças que visam reforçar o caixa do governo. Medidas distantes de uma reforma que beneficie a população pobre, pois em nada alteram o caráter regressivo dos impostos sobre os produtos e serviços. Imposto é custo e tem forte peso no gasto da população pobre. No Brasil, o consumo é a origem de 50% do total arrecadado com impostos, enquanto que apenas 4% é sobre o patrimônio e 18% é sobre a renda, segundo Antônio Lacerda em artigo publicado no jornal Estado de São Paulo em 21/07/2021. Dessa forma, grande parte da arrecadação constitui imposto sobre a população pobre.
É tamanha a falta de compromisso do governo Bolsonaro com a questão da fome que, entre as mudanças propostas, há uma medida desastrosa para os trabalhadores da base da pirâmide salarial. Trata-se do fim do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que ocorreria ao retirar sua isenção tributária. São cerca de 20 milhões os trabalhadores que usam esse benefício. Será o fim do “Vale Refeição” e do “Vale Alimentação’. Essa medida, se aprovada, terá um forte impacto negativo sobre a cadeia produtiva dos alimentos, especialmente nos pequenos estabelecimentos, bares e restaurantes. Voltaremos ao tempo do “boia fria” e da insalubridade alimentar com a “marmita azeda”.
O governo promete mudanças no Bolsa Família, com dois objetivos: o primeiro, tal como quis fazer Aécio Neves na campanha de 2014, é apropriar-se da paternidade do programa. Para isso, Bolsonaro anuncia que mudará seu nome, visando ganhar uma bandeira eleitoral. O segundo objetivo é o de continuar negando o valor de R$ 600,00 para o Auxílio Emergencial, pois o valor do benefício que se anuncia para o “novo” Bolsa Família será bem inferior.
Para Guedes, o Bolsa Família – seja com que nome for – representará o “capitalismo popular”, ainda que seu valor seja inferior ao necessário para a compra da cesta básica de produtos alimentares de consumo individual, que custava R$ 575,35, na média de 14 capitais, em junho, com base nos dados do DIEESE.
Certamente, é um dever da Câmara dos Deputados aprimorar os programas sociais. Mas discussões açodadas do tipo “passar a boiada”, especialmente para aprovar medidas eleitoreiras, não devem ser toleradas. É preciso manter o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). E é hora de união por uma campanha de retorno do Auxílio Emergencial de R$ 600,00: a fome não pode esperar.
Se há fome, não há democracia.
foto: Rede Brasil Atual