Texto: Vilmar Junior*
Conheci o Hip-Hop em meados dos anos 1980. Naquela época eu estava assumindo um maior compromisso com a igreja cristã pela profissão de fé e do batismo.
Como garoto preto de periferia com colegas habituados a ouvirem “música de preto” e inseridos em contexto cultural em que a tônica seria a pretitude miscigenada e o pluralismo cultural, eu ainda não entendia bem o que significava ser preto e periférico no Brasil numa minguante ditadura. Mas quando tomei um tapão na cara de um PM da Rota ao sair as oito da noite para comprar algo para minha mãe no mercadinho prestes a encerrar seu expediente, vivi o antes e o depois do meu despertar “quilombista”, emprestando o termo do conceito criado por Abdias do Nascimento.
Nessa época fui introduzido a reflexão etnicorracial por líderes negros protestantes no estilo Martin Luther King Junior, os quais me apresentaram a pretitude do evangelho (Godspell) estadunidense. Como disse o Historiador Leandro Karnal em uma entrevista ao Correio Brasiliense: “Religião e seus agentes não são nada em si, mas signos abertos”. Por essa e outras acredito e tenho fontes onde embasar minha posição quanto a universalidade e não na etnicidade das crenças religiosas.
Ser cristão e afro-brasileiro não é, a meu ver, um contrassenso. Fosse assim, tanto eu quanto Martin Luther King, Nelson Mandela, Bob Marley, Desmond Tutu, o brasileiríssimo João Cândido o Almirante negro que liderou a Revolta da Chibata entre outros seríamos ”menos negros”, ou ”traidores” segundo algumas linhas teóricas e/ou militantes da negritude, parte da resistência ao racismo.
Porém, se considerarmos o fato de que não importa a religião que o preto tenha ou sua condição econômico-social a branquitude racista com seu pacto anti-negros sempre o lembrará disso, como no recente caso do ”influenciador” Raiam Santos sobre o seu despertar quanto ao racismo da extrema-direita brasileira e mundial.
Enfim, ser preto (heteroidentificado e autoindentitificado), é praticamente somente para os que se reconhecem parte da comunidade negra da diáspora não importando para os supremacistas ou simplesmente racistas ou a seus aliados que na maioria das vezes são beneficiados pela traição aos seus pares étnicos. A luta é de nós todos os pretos de todos os matizes contra um status-quo regido por uma percepção política eurocêntrica que quer nos alojar em pequenos redutos como coadjuvantes inexpressivos perpetuamente.
Lembre-mo-nos que a branquitude, como um todo, sempre se apoia independentemente de suas escolhas religiosas, políticas, econômicas pois para ela o importante é não serem pretos.
Foto de capa: Reprodução / Pixabay
Edição e revisão: Tatiana Oliveira Botosso
*Vilmar Junior: Professor de História e Arte, cartunista e rapper e desde sempre foi evangélico o que não diminuiu sua negritude, pelo contrário… Acredita que ”Preto é lindo!”