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Caso Marielle e Anderson: “CCJ da Câmara aprova manutenção de prisão preventiva de Chiquinho Brazão”. Mas, afinal, o que isso quer dizer?

Foto: Cristiano Mariz. Manifestação de parlamentares durante sessão da CCJ sobre a prisão de Chiquinho Brazão, 10/04/24, Brasília-DF.

Consultamos especialistas sobre a votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Confira seus pareceres.

Por Paloma Amorim – Instagram: @paloma_jesus

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a manutenção da prisão preventiva do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado pela Polícia Federal (PF) de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes. A votação teve 39 votos a favor da preservação da decisão de Alexandre de Moraes, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), 25 contra, e ainda contou com 1 abstenção. Segue lista dos votos contrários ao relatório de Darci de Matos (PSD-SC), ou seja, à favor da soltura de Brazão: Chris Tonietto (PL-RJ), Bia Kicis (PL-DF), Alberto Neto (PL-AM), Carlos Jordy (PL-RJ), Ramagem (PL-RJ), Bilynskyj (PL-SP), Domingos Sávio (PL-MG), Éder Mauro (PL-PA), Dr. Jaziel (PL-CE), Danilo Forte (UNIÃO-CE), Julia Zanatta (PL-SC), Marcos Pollon (PL-MS), José Medeiros (PL-MT), Marco Feliciano (PL-SP), Fernanda Pessôa (UNIÃO-CE), Nicoletti (UNIÃO-RR), Dani Cunha (UNIÃO-RJ), Rafael Simões (UNIÃO-MG), Delegado Marcelo (UNIAO-MG), Lafayette Andrada (REPUBLICANOS-MG), Marcelo Crivella (REPUBLICANOS-RJ), Roberto Duarte (REPUBLICANOS-AC), Mauricio Marcon (PODE-RS), Felipe Saliba (PRD-MG) e Pedro Aihara (PRD-MG).  

A votação seguirá para o plenário da Câmara analisar a prisão do deputado. Para aprovar a permanência de Brazão na cadeia são necessários ao menos 257 votos a favor, o que equivale à metade mais um do total de 513 deputados.

Para Arnóbio Rocha, advogado membro do Sindicato dos Advogados de SP e ex-vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, há vários temas a serem considerados no caso. “Mesmo sendo apontado como um dos supostos mandantes do assassinato de Marielle, acusação gravíssima, o que implica em relação à situação do [Chiquinho] Brazão é que, por ele ser deputado, ele dispõe de imunidade parlamentar, tem foro privilegiado, e a prisão só pode ser feita em flagrante e mediante a autorização da Câmara dos Deputados da qual ele faz parte”, aponta.

O advogado explicou que o Supremo Tribunal Federal (STF), após decretar a prisão, notifica a Câmara dos Deputados para que ela ratifique a decisão, ou seja, vote sobre a legalidade da prisão, como uma forma de evitar arbitrariedade e abuso de poder por parte do Judiciário. “No caso de Chiquinho, o ministro fundamentou o pedido porque havia o risco de fuga e outros fatores que justificavam a prisão cautelar”, explica.

Para Antônio Carlos de Almeida Castro, ou apenas “Kakay”, notório advogado criminalista brasileiro e membro do grupo Prerrogativas, “é importante que, em um caso como esse, o Congresso levante uma questão muito grave e atual: é possível manter a posição corporativa e nada republicana de proibir a prisão de um cidadão que praticou atos que se enquadram no artigo 3121 do Código de Processo Penal? A imunidade material por palavras e opiniões, defende a Casa [Câmara dos Deputados], é a favor da instituição. Mas a proibição de prender quem preenche os requisitos para a prisão preventiva é antirrepublicana e nada democrática. O artigo leva a necessidade do Judiciário de criar interpretações elásticas sobre prisão em flagrante. É necessário discutir essa questão sobre o prisma da impossibilidade de privilégios a quem quer que seja”.

Para Arnóbio, essa questão do foro privilegiado e das imunidades parlamentares é mais uma das discussões de fundo no caso. “Existe uma divergência entre a interpretação do STF e a visão que se tem na Câmara e no Senado”, pondera.

Há uma parte do Legislativo, formada pelo chamado “centrão” e pela extrema direita, que está considerando que o STF tem extrapolado as suas atribuições. Mas o ocorrido, de fato, é que a paralisia do Congresso e a própria ampla presença da extrema direita dentro dele tem feito o Judiciário assumir certa posição de protagonismo na defesa da Democracia, o que tem incomodado esse setor de viés golpista”, pontua Dennis de Oliveira, Jornalista, Professor da ECA-USP e membro da Rede Quilombação.

Para o professor, essa ala política numerosa e influente usa a defesa da autonomia do Legislativo como pretexto, alegando que há interferência indevida do Poder Judiciário no Poder Legislativo, para, na verdade, defender a soltura de um deputado aliado. “Está havendo uma briga política, da extrema-direita, contra uma ação acertada do Supremo, que tem sido o principal protagonista na defesa da Democracia”, opina.

Arnóbio Rocha também abordou a força da extrema direita na conjuntura política atual. “Na votação da CCJ da Câmara, a bancada mais ligada ao bolsonarismo e às milícias, que tem um forte poder no Rio de Janeiro [região onde o crime foi cometido], foi contra a prisão. O placar de 39 x 25 [favor x contra] mostra uma expressão da força que a extrema direita e a milícia tem dentro da CCJ, que é dirigida, inclusive, por um membro dessa ala mais radical [Darci de Matos (PSD-SC)]”, observa.

Para Letícia Chagas, advogada e codeputada estadual do Mandato Movimento Pretas (PSOL-SP), os votos numerosos da extrema direita e do “centrão” durante a CCJ já eram esperados. “Creio que só surpreendem aqueles que acreditam que a extrema direita se preocupa com a justiça ou que deseja combater algum tipo de impunidade, o que sabemos que é falso”, enfatiza. 

A parlamentar também abordou sobre a ligação de vários deputados de extrema direita com as milícias do Rio de Janeiro, com destaque para a família Bolsonaro. “O próprio Eduardo Bolsonaro [atualmente Deputado Federal pelo PL], há alguns anos, defendia abertamente o papel e as ações das milícias na cidade. Ele e sua família nunca esconderam isso, diziam até em plenário. Eles estão usando a Constituição como pretexto para tentar mascarar a defesa das milícias. Nem precisamos lembrar o “8 de janeiro”, nitidamente uma tentativa de romper a ordem constitucional brasileira. Eles não ligam para a Constituição e só estão tentando fazer uso dela agora para se favorecerem. Nós somos contra a impunidade de Chiquinho e de todos os envolvidos na morte de Marielle e Anderson”, declara.

O professor Dennis trouxe uma observação sobre o papel do Judiciário na política brasileira atual e fez uma (auto)crítica às esquerdas. “Nós estamos terceirizando para o Judiciário a defesa da Democracia. A luta está ficando a cargo do Judiciário e não se observa mobilização de rua, dos movimentos sociais de esquerda, em defesa da Democracia. Há uma dificuldade muito grande, certa confusão e resistência, inclusive, de setores governistas progressistas de se admitir isso. O Judiciário, apesar da postura importante que tem tomado, é um dos três poderes institucionais e possui sua forma de funcionamento e limites”, pontua.

Para ele, a defesa da Democracia e o enfrentamento à extrema direita, ao neofascismo, tem que necessariamente envolver mobilização social, do povo. E destaca que isso não está ocorrendo no setor progressista. “Pelo contrário, quem tem mobilizado a população para a rua é justamente os golpistas, a extrema direita a quem deveríamos estar combatendo”, finaliza.

Sobre os especialistas:

Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido pela alcunha de “Kakay”, é um advogado criminalista brasileiro, notório pela prestação de serviços advocatícios a políticos, empresários e celebridades. É membro do grupo Prerrogativas.

Arnóbio Rocha é advogado civilista, membro do Sindicato dos Advogados de SP e do grupo Prerrogativas, ex-vice-presidente da CDH (Comissão de Direitos Humanos) da OAB-SP, autor do Blog arnobiorocha.com.br e do livro “Crise 2.0: A taxa de lucro reloaded”.

Letícia Chagas é advogada (USP) e codeputada estadual do Mandato Movimento Pretas do PSOL-SP.

Dennis de Oliveira é jornalista, professor, coordenador científico e pesquisador na USP e ativista da Rede Antirracista Quilombação. É Coordenador do GT “Epistemologias decoloniais, territorialidades y cultura” do CLACSO (Consejo Latino Americano de Ciencias Sociales) e professor visitante da Uniminuto (Bogotá) e da Flacso (Buenos Aires). Também é integrante da “Catedra Scholas Ocurrentes” da Universidade Central do Vaticano, autor do livro “Jornalismo e emancipação – uma prática jornalística baseada em Paulo Freire” (Editora Appris, 2017), organizador da coletânea “A luta contra o racismo no Brasil” (Ed. Publisher, 2017), entre outros.

(Crédito foto: Cristiano Mariz. Manifestação de parlamentares durante sessão da CCJ sobre a prisão de Chiquinho Brazão, 10/04/24, Brasília-DF).

  1. Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria. ↩︎

NOTA

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