A trajetória das artistas Cajota, Mana Black, Gih Trajano, Kimani, Pam Alves e Dea da Sul, é documentada no projeto dirigido e roteirizado pelo coletivo Sarau Papo de Mina.
Produzido durante a pandemia pelo coletivo Sarau Papo de Mina, o documentário Liberdade de Expressão – Mulheres Periféricas, registra, ao longo de 92 minutos, o cotidiano de seis mulheres moradoras das periferias da grande SP e revela o processo diário de superação e a luta até alcançarem a liberdade por meio da cultura.
Ao abordar temas como violência de gênero, violência de Estado, racismo, maternidade real, empreendedorismo, homofobia e transfobia, o filme se conecta à outras tantas personagens incluídas nas estatísticas ligadas ao que é ter um corpo feminino no mundo; dados que compuseram a pesquisa que originou a ideia principal da produção.
“Todas usam a música, a escrita, o sarau como instrumento de exposição de suas alegrias e dores. A Gi – uma das personagens – cumpriu 14 anos de prisão, foi condenada a 104 anos no total, tinha tudo pra dar errado na vida; Agora é ela quem incentiva outras manas a mudarem aquilo que o sistema vive afirmando ser o nosso destino”, Diz Drika Moraes, diretora e cocriadora do projeto.
O mesmo é vivenciado por Cajota, slammer, pedagoga e mestranda pela USP, conta que viveu por anos dentro de uma vida que não se sentia realizada. Desde o casamento heteronormativo, ao estilo de vida que seguia à época e todas as convenções tidas como via de regra por parte da sociedade. A morte do irmão fez com que Cajota ficasse um ano sem falar com ninguém. Dentro desse período de casulo o principal aliado foi um caderno de 10 matérias, ali ela começava a escrever, além de um novo capítulo na sua vida, as poesias que hoje declama nos saraus e Slams, uma competição de poesia falada criada em Chicago (EUA) nos anos 80 e trazido ao Brasil em 2008 por Roberta Estrela D’Alva.
“Eu fui entender que era um poeta num bar. Uma amiga pegou meu caderno e falou: A Cá tem várias poesias! Depois ( de lerem os versos) as meninas começaram a me olhar como eu olhava pra elas, com admiração, tinha algo em mim que poderia servir para outras pessoas. Eu me encontrei quando outras mulheres pretas falavam sobre elas mesmas porque naquele espaço eu me sentia de fato representada”, conta Cajota.
Resistência dentro e fora da tela
Nos últimos anos surgiram trabalhos produzidos por cineastas, diretores, roteiristas periféricos, espalhados por São Paulo e pelo Brasil, mas ainda assim o mercado audiovisual segue elitista, distante e nas mãos da branquitude, é o que aponta a pesquisa da ANCINE, Agência Nacional de Cinema, realizada em 2016 – o mais recente. O levantamento apontou que as mulheres negras são o grupo com menor representatividade na indústria audiovisual, seja na frente ou atrás das câmeras . Naquele ano, mulheres negras não dirigiam ou roteirizavam nenhuma das produções computadas. Foram analisados 142 longas-metragens nas categorias ficção, documentário e animação.
A direção e roteiro foram postos ocupados majoritariamente por homens brancos. Apenas 2% das produções tiveram homens negros atuando nas duas frentes. Mulheres brancas dirigiram 19% dos lançamentos, possuindo maior presença na direção de documentários: 29% dirigiram e 25% delas foram responsáveis pelo roteiro do gênero. No ano em que a pesquisa foi realizada, as produções audiovisuais foram responsáveis por movimentar mais de 24 bilhões em receita. Em 2019, o valor ultrapassou a casa dos sete trilhões.
“(O mercado) É muito difícil. E eu falo do ponto de vista de uma mulher branca, não existem mulheres na direção de fotografia, além de tudo é uma área que precisa carregar peso o que gera diversos estereótipos. Mas gera muito dinheiro também e esse dinheiro “tá” sempre na mão deles”. E “quando se tem o objetivo de criar uma produtora na quebrada, com profissionais da quebrada, o desafio é em dobro” Desabafa Thaiany Coimbra – Diretora de fotografia e integrante do coletivo Sarau Papo de Mina. Ela conclui dizendo que o resultado do trabalho e a emoção dos bastidores faz a luta valer a pena. “Trazer à luz a história de vida dessas personagens através das imagens é uma coisa que eu valorizo muito”, diz.
A última exibição do documentário Liberdade de Expressão – Mulheres Periféricas, aconteceu em dezembro na Baixada do Glicério, um importante centro cultural localizado no bairro do Bixiga, região central da cidade. Durante o ano de 2021, o doc foi exibido em casas de cultura do Estado e na Penitenciária feminina da Capital, que promoveu também uma roda de conversa com 3 turmas de 30 mulheres privadas de liberdade e uma outra turma formada por 7 mulheres na mesma situação, mas que tinham acabado de ganhar bebê. “Isso deu muito sentido e nos fez entender que o que a gente faz é relevante”, diz Drika Morães.
Fotos: divulgação.
Para mais informações sobre as novas datas de exibição do doc siga os perfis daliberdade de expressão: www.instagram.com/liberdadedeexpressao.doc/, e do Sarau Papo de Mina: https://www.instagram.com/saraupapodemina/