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Não posso ficar

Nem mais um minuto

Com você

Sinto muito amor

Mas não pode ser

Moro em Jaçanã

Se eu perder esse trem

Que sai agora

Às onze horas

Só amanhã de manhã…

Essa bela composição de Adoniran Barbosa eternizada pelo grupo Demônios da Garoa tornou o bairro do Jaçanã, na zona norte de São Paulo, conhecido nacionalmente. E é lá onde fica o coletivo Periferia é o Centro.

O grupo é a junção de pessoas que já faziam cultura e que tem como objetivo resgatar a ancestralidade, participar nos territórios periféricos, desenvolvimento inclusivo e reparação histórica (econômica, social e cultural).

Eles têm como motivação a ocupação espaços negados há 500 anos. Afirmam que quem precisa dirigir o país são pessoas que já passaram fome, sabem da realidade diária e os desafios que pretos pobres e periféricos passam.

“A cultura salva e transforma. É uma luz no fim do túnel”.

O coletivo desenvolve trabalhos sociais de forma voluntária na Casa do Hip Hop do Jaçanã. Aberta ao público todos podem fazer o cursinho popular. Há também processos de formação, seminários e outros projetos. A rede de apoio humanitário conta com distribuição de cestas básicas, entrega de leite, aula de música e outras atividades.

Devida à pandemia o coletivo encerrou as atividades temporariamente. Virtualmente é possível acompanhar saraus.

Em 2018, a GCM invadiu a ocupação, mas como a secretaria já tinha mapeado que o local é utilizado para as atividades culturais foi possível contornar a hoje a situação está controlada.

No bate papo com o Jornal Empoderado, o coletivo foi representado pela Ingrid Félix, Angélica Paim, Marcus Schaefer, Lucas Abreu e o Emmy.

Jornal Empoderado – Política influencia no trabalho desenvolvido por vocês?

“Temos dificuldade de aceitação. Depois de 2018 foi difícil conversar. As pessoas estão mais antenadas, receosas e com medo de confiar na política.

A imagem que fica é do político que aparece só uma vez toma um pingado, uma coxinha e desaparece.

As pessoas estão cansadas de serem usadas. Há receio em aceitar uma cesta básica, pois fica o questionamento para saber quem está envolvido com a doação.

 A quebrada não é burra. A desilusão com gestões anteriores, crise, aprofundamento do neoliberalismo e descrença da representatividade política. Esses desafios mostram que é importante estar lá e ajudar a construir políticas públicas”.

Jornal Empoderado – A religião é um outro fator que atrapalha?

“Primeiro vem o racismo. O fundamentalismo religioso atrapalha, pois há preconceito. Precisamos falar da ancestralidade, sobre a religião e a vivência em coletividade. Algo que nos foi tirado.

Há a desumanização do povo preto e indígena imposto pela cultura branca europeia. É necessário conectar com a África, ter orgulho de sua diáspora e suas raízes”.

Jornal Empoderado – Angélica, nos fale sobre a violência obstétrica que atinge principalmente mulheres negras.

“A humanização só chega para quem em poder aquisitivo. É importante conscientizar a mulher preta, pois não perguntam e mexem em seus corpos sem explicação – corpos pretos são cobaias – fazem parecer natural porque todas passam por essa situação.

Se a mulher tiver pouco nível de instrução e com mais de três filhos, ela tem que entrar muda e sair calada.

É preciso conscientizar e melhorar o serviço humanizado no SUS”.

Jornal Empoderado – Lucas, como está a ocupação da Casa do Hip Hop Jaçanã?

“A pandemia evidenciou mais ainda o abismo cultural. Graças as mídias independentes tivemos mais visibilidade. Temos Sarau online, cursinho popular, entrega de leite e cesta básica juntamente com a rede de apoio.  Buscar políticas públicas para que as pessoas estudem e diminua esse abismo”.

Jornal Empoderado – Marcus, e o ensino da cultura afro?

“A formação deve ser contínua, não só nos dias 13/05 e 20/11. O racismo é algo estrutural e o combate deve existir em todas as políticas.  Atualmente, o ensino é baseado no eurocentrismo. É importante que se tenha já no ensino básico a história da África”.

Jornal Empoderado – Ingrid, como trabalhar o empoderamento da mulher preta?

“Sempre tivemos um empoderamento. Cada geração é empoderada de acordo com o contexto de qual ela vive.

Empoderar é dar oportunidade e a vida delas mudará, seja no aspecto financeiro, educacional etc.

O feminismo de uma forma trouxe uma visão do empoderamento. De uma outra ótica enxerga o uma oportunidade para mudar a vida.

Apresentar um outro olhar completa a mulher, e com isso ela muda o local onde vive.

Somos protagonistas das nossas lutas”.

Jornal Empoderado –Emmy, qual a importância da leitura de escritores negros?

Não há política pública. Temos muro alto, arame farpado, perde-se a ancestralidade e nosso resgaste vem romper tudo isso através da política.

Para mudar o racismo estrutural é necessário ter centro esportivos com pessoas que moram na região e ter representatividade negra na política”.

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